Não, não são parecidos,
literariamente falando, mas também Cesário Verde deu que falar no seu tempo, e
posteriormente, pelo modernismo que imprimiu aos seus poemas, no prosaísmo de
uma linguagem que se opunha ao lirismo tradicional, de ironia contra a sociedade
burguesa, em oposição com o sentimento de piedade e ternura para com os
desfavorecidos, tudo isso cristalizando-se em versos de inesperado recorte
geométrico e brilho construtivo: «E apuro-me em lançar originais e exactos, /
Os meus alexandrinos...»
Alberto Gonçalves não é poeta,
suponho, mas o seu discurso de frontalidade satírica e rigor lembra arte, arte
discursiva, no amontoar de raciocínios e insinuações que revelam o pesquisador
de dados e o burilador de argumentos, em paralelismos frásicos que vão em
crescendo até ao argumento final, de uma mordacidade conclusiva. Sim, Alberto
Gonçalves lembrou-me o poema Contrariedades de Cesário, embora outros sejam os
motivos dos seus “desesperos” não “mudos” mas gritantes, e por isso dão também
que falar, nem sempre, é certo, com o aprumo devido:
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes.
E os ângulos agudos………………………
Mas também a temática do
artigo de Alberto Gonçalves tem a ver com os motivos do desespero contidos no
poema “Contrariedades”: uma imprensa venal e pouco arriscada - do ponto de
vista literário, em Cesário, do ponto de vista político em Alberto Gonçalves;
coarctada nos seus interesses – pela debilidade mental dos leitores no tempo de
Cesário, pela problemática financeira impondo subserviência jornalística aos
donos disto tudo, hoje:
O obstáculo
estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras exceções merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convêm, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exatos,
Os meus alexandrinos...
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras exceções merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convêm, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exatos,
Os meus alexandrinos...
A salvação dos “media” parece-se imenso com um velório
OBSERVADOR, 9/9/2017
Ignoro se algum canal de televisão ou jornal diário já recebe
remunerações governamentais. Se não recebem, parece, e acho sinceramente que
quase todos mereciam recebê-las, à peça ou por atacado.
O excelentíssimo
senhor publisher da
CMTV, do Correio da Manhã, da Sábado, do Record e da TV Guia exigiu, cito, um
“plano de emergência” para a “comunicação social”. Por outras palavras,
implorou ao governo que patrocine os media tradicionais sob pena de falência
geral. Por onde quer que lhe peguemos, é uma óptima ideia.
Pegue-se, em primeiro
lugar, nos famosos “conteúdos”. O sr. Octávio Ribeiro cometeu
as notáveis declarações acima durante um programa da sua televisão chamado “Sexy
20”, provável maravilha cuja falta, por força de bancarrota, deixaria
decerto os cidadãos transtornados. E quem diz o “Sexy 20” diz as reportagens
com ocultistas, videntes, tarólogas e demais personalidades que povoam a CMTV
quando a CMTV não passa fascinantes “rubricas” sobre famosos que ninguém
conhece, incêndios, violadores e criancinhas desbaratadas pelo destino. E
quem diz a CMTV diz a generalidade dos canais indígenas, logo que, sem
desvantagens aparentes, se troque o bruxo de Fafe pelo dr. Pacheco Pereira, os
violadores por bandos de socialistas assumidos ou dissimulados e as criancinhas
por casos de sucesso deste Portugal que nada, incluindo o bom senso, é capaz de
segurar. E quem diz a generalidade dos canais diz, salvo abomináveis
excepções, a generalidade da imprensa, hoje um imprescindível
albergue de ilustres analfabetos parciais, magníficos activistas por inteiro e
meros resignados, que, juntos, produzem folhetos tão interessantes quanto uma
unha encravada. E quem diz a imprensa diz as rádios, que nem sei se ainda sobra
alguma, mas que, à cautela, choro todos os dias com medo de perder.
Pegue-se, em segundo
lugar, no irritante “mercado”. Por razões diversas, a maioria das
quais ligadas à realidade e maçadas similares, as pessoas deixaram de
reparar na existência de publicações em papel e, não tarda, farão o mesmo com a
televisão convencional, largada em prol de modernices que, embora lembrem a
milhões de criaturas, não lembram ao diabo. Por sorte, a cada título que
fecha ou encolhe ergue-se um clamor colectivo a louvar o dito, inevitavelmente
indispensável à humanidade em peso. Por azar, os sujeitos que clamam não
compravam um exemplar do dito título para aí desde 2007. A benefício do
equilíbrio, a solução passa por forçar o contribuinte a pagar aquilo que o
público não consome. O público, que é burro, literalmente não sabe o que quer.
Pegue-se, em terceiro
lugar, no abençoado Estado. Adicione-se o “plano”, vocábulo com
agradáveis reminiscências históricas. E polvilhe-se com a “emergência”, para
dar supressão da lucidez e sabor. Leve-se a lume brando e obtém-se, sem erro
possível, qualquer coisa de formidável: os media na dependência
formal dos senhores que mandam. Não vejo a hora. A noção de jornalismo
enquanto “contrapoder” é típica de países subdesenvolvidos e regimes nefastos.
Se o poder é bom e generoso e sadio como aquele que nos ilumina, não há motivo
para que os jornalistas não recebam directamente de um ministério dedicado a
tal desígnio. E a hipótese de o saudável arranjo interferir na informação
divulgada não se coloca, visto que no actual cenário de prosperidade e folia as
notícias negativas para o poder só poderiam derivar da má-fé. E a má-fé não é
jornalismo.
Pegue-se, em quarto
lugar, nos media tradicionais
que temos. Descontando, de novo, duas ou três embirrantes excepções,
os restantes “órgãos” estão mais do que prontos para abraçar o próximo estádio
civilizacional. Na verdade, ignoro se, além da RTP, RTP2, RTP3, RTP África,
RTP Internacional, RTP Poesia, RTP Saudade, RTP Madeira, RTP Açores, RTP
Azulejos, RTP Bicicletas e as diversas Antenas da telefonia, algum canal ou
diário já recebe remunerações governamentais. Se não recebem, parece, e acho
sinceramente que quase todos mereciam recebê-las, à peça ou por atacado.
O empenho com que servem a oligarquia não devia ser desprezado. Não é fácil
recrutar centenas e centenas de indivíduos desprovidos de vértebras a ponto de,
em colunas de “opinião” e “debates”, “reportagens” e artigos “de fundo”,
“entrevistas” e “editoriais”, prestarem com regularidade tamanhas vénias aos
donos da pátria. Ou, a julgar pela abundante amostra, é fácil. O que é difícil,
e cruel, é manter essas multidões de fiéis serviçais em risco de desemprego.
Arranje-se um plano, de emergência, para enforcar o jornalismo antes que ele
morra.
Pegue-se, enfim, na
súplica do excelentíssimo senhor publisher da
Cofina, mal se encontre ponta por onde se lhe pegue.
Nota de rodapé
Escandalizou muita gente o
facto de os alimentos à venda na Festa do “Avante!” não pagarem IVA.
Extraordinário. O PCP anda há quase 100 anos a legitimar, a defender e, nos
momentos de entusiasmo, a tentar reproduzir alguns dos maiores crimes da História.
Mas verdadeiramente indecoroso é o partido fintar um imposto qualquer. É –
e a Reductio ad Hitlerum por
uma vez vem a propósito – como detestar o nazismo porque as chefias da Gestapo
estavam isentas de multas de estacionamento. Imagino a indignação nos cafés ou
lá onde é que o povo hoje se enfurece: “É isto que me enerva, pá. Que os gajos
aplaudam a chacina de milhões aqui e ali ainda vá. Mas venderem bifanas sem os
13% é de um tipo ir aos arames…” O problema não é o PCP não ter IVA: é não
ter vergonha. Nem, já agora, escrutínio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário