Já outros os têm referido,
estes assuntos tão nossos sobre que Rui Ramos pondera – 1º, a nossa
exclusão europeia, no discurso de um alemão importante, talvez porque
incomodativa - não por sermos pequenos, mas por sermos incumpridores; 2º, a
verborreia de António Costa e seu staff, acerca da nossa exclusão – outra, mas
das boas - de lixo, (segundo uma das
agências de rating), em autovanglória que exclui, ingratamente, o primeiro ministro
anterior da participação nesse êxito, para mais, provavelmente temporário.
Rui Ramos, frontalmente
e com clareza, repõe os termos das questões, o que não impede que o novo discurso
altissonante de António Costa, que lhe ouvi no jornal das 20 horas, tenha tido por
tema a inclusão do português como uma das línguas oficiais da ONU, o que,
na verdade, me espantou como indecoroso, relativamente à “boutade” de J-C. Juncker
ignorando-nos. Para mais com a baralhação babélica trazida à nossa língua com o
AO90, que não faz mossa a Costa, apesar da exaltação patriótica junto de
Guterres, perante os sorrisos desdenhosos da assistência, não visíveis, mas
previsíveis. Aliás, tanto Costa como Guterres, usam o inglês com à-vontade, a
quem interessaria o português? É muito pedir! Muita descontracção na toleima,
Deus meu!
Uma Europa sem Portugal
OBSERVADOR, 15/9/2017
Certamente que o
presidente da Comissão Europeia não queria excluir Portugal quando descreveu a
União Europeia como indo da Espanha à
Bulgária. Um lapso. Não nos devemos preocupar. Acontece com os
países pequenos. Claro, mas então, porque é que Jean-Claude Juncker não se
esqueceu da Bulgária?
Há lapsos reveladores.
Juncker não se esqueceu da Bulgária, porque os antigos protectorados soviéticos
da Europa central e oriental são a nova fronteira da União Europeia, o terreno
em que Bruxelas define a sua relação de forças com a Rússia de Vladimir Putin.
Portugal, neste momento, não faz parte de nenhum desses campos de tensão. Na
década de 1980, Portugal, a Espanha e a Grécia foram a fronteira da Europa. A
Europa era então a “Europa ocidental”. Nesses anos, nenhum presidente da
Comissão Europeia se teria esquecido de Portugal. Mas desde o ano 2000, tudo
mudou com o alargamento ao leste e com o peso crescente da Alemanha. Ao ponto
de Juncker, em Setembro de 2017, ter feito a Europa começar em Vilar Formoso.
Não estávamos talvez
habituados a esta displicência, depois de há quase trinta anos termos sido o
aluno favorito de Jacques Delors. Portugal foi um dos fundadores do
Euro, e como tal fez parte das dores de cabeça da Comissão Europeia, quando o
Euro esteve em causa, entre a bancarrota da Grécia e a intervenção do BCE. A
UE, através dos resgates e do banco central, investiu um mar de dinheiro para
manter o sul no Euro. Voltá-lo-ia a fazer? É duvidoso.
No entanto, por vontade
de Juncker, todos os países da UE serão um dia países da Zona Euro. Não seria
essa uma garantia para Portugal? Não. Para um país endividado e
pouco competitivo como Portugal, a moeda única tornar-se-ia ainda mais exigente.
Primeiro, porque a disciplina financeira, se já era importante, ainda o
seria mais numa Zona Euro alargada; segundo, porque o sul da
Europa deixaria de representar os mais pobres na união monetária, perdendo esse
recurso de chantagem moral; terceiro, porque numa grande Zona
Euro, a partida de um país deixaria de ter o aspecto dramático que ainda tinha
em 2010, quando uma eventual queda da Grécia foi diagnosticada como o fim do
Euro. É preciso aliás não esquecer que depois do Brexit a integração
europeia tem uma porta de saída.
Se um euro-céptico
quisesse caricaturar o europeísmo, teria inventado Jean-Claude Juncker.
O presidente da comissão pretende agora fazer do Brexit em 2019 o
equivalente da unificação alemã em 1990: a ocasião para mais uma arrancada de
integração, com todos os países a correrem a uma só velocidade. É um
disparate. Juncker parece nada ter aprendido com a fuga para a frente
dos anos 90. As suas propostas nem chegam a disfarçar que a saída do Reino
Unido foi uma calamidade para a UE, ao acentuar a sua verdadeira natureza como
um directório franco-alemão (mais alemão do que francês), rodeado de periferias
mais ou menos dispensáveis (é verdade: foi sempre assim, mesmo com o Reino
Unido; mas Londres, com a sua força financeira e o seu liberalismo, compensava,
de certo modo, o eixo Berlim-Paris, como Varsóvia ou Roma nunca conseguirão, e
muito menos Bruxelas).
A Europa não vai mudar
com Juncker: já mudou, e profundamente. Para os portugueses, a
mensagem é muito clara: uma Europa sem Portugal é perfeitamente imaginável.
O que quer dizer que a integração europeia não pode continuar a ser, como
tem sido desde a década de 1990, uma razão para adiar os esforços necessários
para tornar o país financeiramente menos vulnerável e economicamente mais
competitivo. Não convém continuar a confiar nas “transferências” do norte da
Europa. Tudo vai passar a ser mais difícil. Seria bom estarmos preparados.
António Costa já deu os
parabéns a Passos Coelho?
OBSERVADOR, 19/9/2017
A Standard and Poor’s
subiu a notação da dívida portuguesa. António Costa já deu os parabéns a Passos
Coelho? Não é uma questão de justiça. É uma questão de inteligência. Porque
pensar que o país saiu do lixo da Standard and Poor’s porque aumentou os funcionários
públicos em 2016, e que o sucesso do ajustamento entre 2011 e 2014 não teve
qualquer papel, é uma prova de obtusidade, antes de ser uma exibição de
facciosismo.
A ultrapassagem da crise
de 2011 não se deveu só a Passos, mas deveu-se muito a Passos. O
processo teve várias momentos: o resgate da troika em 2011, que poupou o país à
bancarrota imediata; a declaração de Mario Draghi em 2012, que sossegou os
investidores internacionais; a firmeza de Passos Coelho em 2013, que garantiu
que Portugal não cairia numa cascata de governos, eleições e resgates, como a
Grécia; a “saída limpa” de 2014, com a economia a crescer e o desemprego a
diminuir; e finalmente, o ano passado, as brutais cativações e cortes de
investimento de Mário Centeno, que sacrificou os serviços públicos e o papel do
Estado de modo a satisfazer as clientelas do poder sem ferir a credibilidade
externa.
Os cortes de salários e
os agravamentos de impostos foram inaugurados por Sócrates em 2010, com o PEC
3, após as larguezas eleitorais do ano anterior. Passos não foi o
primeiro-ministro que começou a austeridade. Foi, antes, o primeiro-ministro
que, em 2015, a começou a aligeirar, como aliás lembrou Subir Lal, do FMI, numa
entrevista recente. Em 2015, porém, Passos ainda foi prudente. Hoje, entre
os seus correligionários, há quem ache que deveria ter sido mais aventuroso.
Se Passos não começou a
austeridade, António Costa também não acabou com ela. Costa fez
duas coisas. Primeiro, arranjou-lhe outro nome: agora, chama-se “rigor” —
segundo a receita de Alexis Tsipras, que também acabou com a “troika” na Grécia
passando a chamar-lhe “as instituições”. Segundo, mudou a sua
composição: menos dinheiro para os serviços e mais para os funcionários (ou
seja, menos dinheiro para tratar dos doentes e mais dinheiro para pagar aos
enfermeiros).
Nesta história, o pior do
governo de Costa nem está aí, mas no condicionamento da governação pelos
inimigos da integração europeia, que são também os inimigos de todas as
reformas capazes de habilitar os empresários e trabalhadores portugueses a
aproveitar os mercados internacionais. Foi por isso que, no principio de
2016, os investidores recearam, a economia desacelerou e o custo da dívida se
agravou. António Costa, entretanto, já mostrou que o PCP e o BE, afinal, estão
suficientemente empenhados em continuar na área do poder para se calarem sobre
o Euro e fingirem que não repararam nas cativações. Mas não demonstrou que não
tentem aumentar a sua quota de poder, como sugerem exigências e greves. Quanto
a reformas, o mais que o governo pode é tentar não reverter algumas.
Tudo isto justifica
preocupação porque, por baixo do véu da conjuntura internacional, o país está
longe de saudável. A dívida é mais cara do que a de Espanha, a poupança é a
mais baixa de sempre, o crédito está novamente focado na habitação, o
crescimento económico é inferior ao espanhol, o défice comercial aumenta.
Não, não é a bancarrota para a próxima semana. É apenas a medida da
vulnerabilidade de uma economia impedida de se valer das oportunidades para
progredir ao nível requerido pelas suas expectativas e compromissos. A boa
conjuntura protege-nos. Mas bastará que o tempo mude para nos arriscarmos a
mais aflições. E que farão então Costa e os seus aliados? Vão culpar outra vez
Passos Coelho?
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