«LA UNE» de O PÚBLICO DE 16/
8/17 vem quase toda preenchida pelo seguinte título: «JUSTIÇA SUSPEITA DE
GESTÃO DANOSA NA VELHA PT» seguida das fotografias de Lula da Silva,
José Sócrates, Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e
concluindo com a informação «OS SEGREDOS DA MAIOR DESTRUIÇÃO DE VALOR NA
PORTUGAL TELECOM, NUMA INVESTIGAÇÃO DE CRISTINA FERREIRA – DESTAQUE, 2 A 11 E
EDITORIAL.
As páginas 2 e 3 revelam mais
imagens, e explicitam o papel de cada figura no respectivo processo, de que
apontarei apenas o negócio em que estão implicados os da Primeira Página: LULA:
LAVA JATO; SÓCRATES: OPERAÇÃO MARQUÊS; SALGADO: arguido em
dezenas de processos: BES/GES, MARQUÊS, MONTE BRANCO; GRANADEIRO: MARQUÊS;
BAVA: MARQUÊS.
Segue-se o TEXTO de Cristina
Ferreira «O FIM DA VELHA PT» até à página 11, recheados de informação, também iconográfica. É a ele que se aplica o artigo da Editorial de Manuel
Carvalho que transcrevo no fim, como comentário crítico indispensável,
embora vão. O livro de Marguerite Yourcenar “MÉMOIRES d’HADRIEN” que vou
lendo à cabeceira, dá-me outro gosto, naturalmente, e julgo não encontrar nos
nossos heróis nenhuns pruridos de autoanálise que atormentavam o espírito do
imperador Adriano, heróis de uma vida que vai direita ao fim, sem retrocessos:
«Quando considero a minha
vida, fico espantado por a achar informe. A existência dos heróis, a que nos
contam, é simples: ela vai direita ao fim como uma flecha. E a maior parte dos
homens gosta de resumir a sua vida a uma fórmula, por vezes numa gabarolice ou
num queixume, quase sempre numa recriminação; a sua memória fabrica-lhes
complacentemente uma existência explicável e clara. A minha vida tem contornos
menos claros. Como acontece muitas vezes, é o que eu não fui, talvez, que a
define mais justamente: bom soldado, mas não grande estratega, amador de arte,
mas não o artista que Nero julgou ser à beira da morte, capaz de crimes, mas
não carregado de crimes. Acontece-me pensar que os grandes homens se
caracterizam justamente pela sua posição extrema, onde o seu heroísmo resulta
de se manter toda a vida. Eles são os nossos pólos, ou os nossos antípodas. Eu ocupei
todas as posições extremas alternadamente, mas não me mantive nelas; a vida
fez-me sempre deslizar. E todavia,
também não posso, como um lavrador ou um carregador, gabar-me duma existência
situada no centro.»
Editorial
Uma história que nos empobreceu
e nos envergonha
Público, 16 de agosto de
2017
Manuel Carvalho
A
crónica da morte anunciada da PT é muito mais do que o relato de uma falência
ou a história de uma companhia que correu mal. É principalmente uma crónica de
costumes. Uma novela, onde a patifaria, a falta de escrúpulos e o perfume da
corrupção atravessa diferentes elites do poder económico e do poder político
para se abater sobre um país afundado numa grave crise financeira e moral.
Tanto como os danos resultantes da destruição
de uma empresa inovadora que
poderia servir de baluarte à modernização e à internacionalização da economia
nacional, a história sórdida da agonia da PT e as movimentações crápulas da
maioria dos seus principais dirigentes deixa em Portugal e nos portugueses uma
sensação de vulnerabilidade que só o sistema judicial poderá um dia resgatar.
Há
muito se sabia que o capitalismo português não passava de um libreto de uma
ópera cómica. Há muito que se suspeitava
que as teias relacionais entre as elites financeiras da capital e o poder
político tinham criado um sistema que se defendia e se perpetuava em relações
conspícuas. Durante a
tenebrosa era de José Sócrates,
essas redes viveram no ambiente ideal para prosperar e perder qualquer laivo de
vergonha. O alto patrocínio de São Bento foi para Ricardo Salgado e os seus
sequazes mais do que uma autorização: foi um incentivo para que a PT fosse
transformada num cadáver onde os abutres pudessem saciar as suas necessidades
financeiras.
Tudo
aconteceu sem que os reguladores vissem, sem que altos quadros da PT
denunciassem, sem que a imprensa se empenhasse em perceber, sem que as instâncias
judiciais fossem capazes de antecipar o que estava em jogo. O falhanço da PT,
sendo consequência de uma cultura irresponsável, é também o falhanço do país
que fomos nesses anos perdidos da primeira década do século.
Perdida
a glória da PT, encaixada a destruição de valor, resta exigir que a Justiça
faça o seu caminho. Resta também desenvolver mecanismos de vigilância que
evitem a repetição de uma vergonha assim. Se houve um mérito no período
de ajustamento foi o de
trazer para a luz do dia a venalidade e velhacaria que se cultivavam entre os
donos disto tudo. Hoje já não há empresas como a PT para extorquir. Esperemos
que a denúncia de investigações jornalísticas como a da Cristina Ferreira ou a
punição judicial sejam capazes de travar por muitos anos a germinação de redes
como as que arrasaram a PT.
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