segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Heróis sem retrocessos


«LA UNE» de O PÚBLICO DE 16/ 8/17 vem quase toda preenchida pelo seguinte título: «JUSTIÇA SUSPEITA DE GESTÃO DANOSA NA VELHA PT» seguida das fotografias de Lula da Silva, José Sócrates, Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e concluindo com a informação «OS SEGREDOS DA MAIOR DESTRUIÇÃO DE VALOR NA PORTUGAL TELECOM, NUMA INVESTIGAÇÃO DE CRISTINA FERREIRA – DESTAQUE, 2 A 11 E EDITORIAL.
As páginas 2 e 3 revelam mais imagens, e explicitam o papel de cada figura no respectivo processo, de que apontarei apenas o negócio em que estão implicados os da Primeira Página: LULA: LAVA JATO; SÓCRATES: OPERAÇÃO MARQUÊS; SALGADO: arguido em dezenas de processos: BES/GES, MARQUÊS, MONTE BRANCO; GRANADEIRO: MARQUÊS; BAVA: MARQUÊS.
Segue-se o TEXTO de Cristina Ferreira «O FIM DA VELHA PT» até à página 11, recheados de informação, também iconográfica. É a ele que se aplica o artigo da Editorial de Manuel Carvalho que transcrevo no fim, como comentário crítico indispensável, embora vão. O livro de Marguerite Yourcenar “MÉMOIRES d’HADRIEN” que vou lendo à cabeceira, dá-me outro gosto, naturalmente, e julgo não encontrar nos nossos heróis nenhuns pruridos de autoanálise que atormentavam o espírito do imperador Adriano, heróis de uma vida que vai direita ao fim, sem retrocessos:

«Quando considero a minha vida, fico espantado por a achar informe. A existência dos heróis, a que nos contam, é simples: ela vai direita ao fim como uma flecha. E a maior parte dos homens gosta de resumir a sua vida a uma fórmula, por vezes numa gabarolice ou num queixume, quase sempre numa recriminação; a sua memória fabrica-lhes complacentemente uma existência explicável e clara. A minha vida tem contornos menos claros. Como acontece muitas vezes, é o que eu não fui, talvez, que a define mais justamente: bom soldado, mas não grande estratega, amador de arte, mas não o artista que Nero julgou ser à beira da morte, capaz de crimes, mas não carregado de crimes. Acontece-me pensar que os grandes homens se caracterizam justamente pela sua posição extrema, onde o seu heroísmo resulta de se manter toda a vida. Eles são os nossos pólos, ou os nossos antípodas. Eu ocupei todas as posições extremas alternadamente, mas não me mantive nelas; a vida fez-me sempre deslizar.  E todavia, também não posso, como um lavrador ou um carregador, gabar-me duma existência situada no centro.»


Editorial
Uma história que nos empobreceu e nos envergonha
Público, 16 de agosto de 2017
Manuel Carvalho
A crónica da morte anunciada da PT é muito mais do que o relato de uma falência ou a história de uma companhia que correu mal. É principalmente uma crónica de costumes. Uma novela, onde a patifaria, a falta de escrúpulos e o perfume da corrupção atravessa diferentes elites do poder económico e do poder político para se abater sobre um país afundado numa grave crise financeira e moral. Tanto como os danos resultantes da destruição de uma empresa inovadora que poderia servir de baluarte à modernização e à internacionalização da economia nacional, a história sórdida da agonia da PT e as movimentações crápulas da maioria dos seus principais dirigentes deixa em Portugal e nos portugueses uma sensação de vulnerabilidade que só o sistema judicial poderá um dia resgatar.
Há muito se sabia que o capitalismo português não passava de um libreto de uma ópera cómica. Há muito que se suspeitava que as teias relacionais entre as elites financeiras da capital e o poder político tinham criado um sistema que se defendia e se perpetuava em relações conspícuas. Durante a tenebrosa era de José Sócrates, essas redes viveram no ambiente ideal para prosperar e perder qualquer laivo de vergonha. O alto patrocínio de São Bento foi para Ricardo Salgado e os seus sequazes mais do que uma autorização: foi um incentivo para que a PT fosse transformada num cadáver onde os abutres pudessem saciar as suas necessidades financeiras.
Tudo aconteceu sem que os reguladores vissem, sem que altos quadros da PT denunciassem, sem que a imprensa se empenhasse em perceber, sem que as instâncias judiciais fossem capazes de antecipar o que estava em jogo. O falhanço da PT, sendo consequência de uma cultura irresponsável, é também o falhanço do país que fomos nesses anos perdidos da primeira década do século.
Perdida a glória da PT, encaixada a destruição de valor, resta exigir que a Justiça faça o seu caminho. Resta também desenvolver mecanismos de vigilância que evitem a repetição de uma vergonha assim. Se houve um mérito no período de ajustamento foi o de trazer para a luz do dia a venalidade e velhacaria que se cultivavam entre os donos disto tudo. Hoje já não há empresas como a PT para extorquir. Esperemos que a denúncia de investigações jornalísticas como a da Cristina Ferreira ou a punição judicial sejam capazes de travar por muitos anos a germinação de redes como as que arrasaram a PT. 










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