Foi logo no primeiro dia, segundo reza a crónica bíblica, nomeadamente nos
seus inícios, começando no Génesis, mas já Deus tinha criado o Céu e a Terra,
esta envolta em trevas, que era uma coisa por demais aterradora, se pensarmos
bem, com o Espírito do Senhor a mover-se sobre as águas, às escuras, a luz veio
só depois, para separar das trevas, tudo bem explicado, logo no versículo 3. E
logo as coisas surgiram à vista, mas só do espírito do Senhor, que se fartou de
trabalhar nos dias seguintes, já com luz, pois o Adão e a Eva são posteriores,
o primeiro vindo do pó, a segunda duma costela, um autêntico vexame, pertencem
ao sexto dia, já nos versículos 26 a 31, mas com um vasto domínio sobre o resto
da fauna e da flora, como Deus bem mandou, o domínio sendo preceito logo dos
inícios. Finalmente, ao sétimo dia, Deus pôde descansar, embora não por muito
tempo, pois a desobediência de Adão e Eva, comendo do fruto proibido, (é certo
que por maus influxos da serpente maligna, a qual Jeová também criou), fez que
do paraíso terreal onde viviam, inocentes, fossem precipitados neste, que para
alguns, afinal, também é paradisíaco, embora numa ínfima parte, já que nem
todos têm acesso à maçã, e Jeová andou numa fona a ordenar e a castigar, pela
Bíblia além.
Bagão Félix bem
esclarece também sobre a evolução doutrinária da família Santos e seus
sequazes, que puderam gerir as riquezas desses espaços submissamente cedidos,
para seu próprio proveito, o caso é sabido, mas o artigo de Bagão Félix informa
melhor. Frisemos com um parágrafo ao acaso, pois todos eles são o máximo na
questão das luzes, vê-se que Bagão Félix também foi dos que comeu da maçã, não
por glutonaria mas para ilustração espiritual:
Tudo isto vem na esteira do que Bagão Félix muito bem
conta no seu artigo do Público, de 26 de Agosto de 2017, que
informa sobre o “antes” comunista das forças revolucionárias africanas – mais
especificamente as angolanas - que tiveram acesso à maçã, com muito apoio de
luzes internas e externas, e foram, por tal, defensoras do povo colonizado,
maltratado pelo colonizador, desejosas, pois, de distribuir as riquezas dessas
suas terras, pelo seu povo desfeiteado e lutando contra isso. É certo que,
assim que alcançaram o poder para a repartição dos bens, fez-se-lhes luz nos
espíritos, e preferiram açambarcar em proveito próprio as benesses que o espaço
terreno em seu redor lhes proporcionou, esquecidos dos bons propósitos de
satisfação das necessidades dos milhões de famintos no seu governo, que parece
que não era tanto assim antes da revolução, apesar da propaganda dos comedores
da maçã esclarecedora.
«A razão desta
identificação ideológica e política com a direita portuguesa tem
uma razão (a elite angolana assumiu a sua passagem do “marxismo-leninismo” para
os encantos do capitalismo) e um efeito (facilitar a máquina de lavagem de
dinheiros). Estão por isso irmanados com a direita
neoliberal. Depois de ter lutado pela independência contra o
colonialismo português, depois de ter ganho a longa guerra civil contra a
UNITA, o MPLA passou a ser um instrumento de acumulação de capital para as
famílias dominantes – e anunciou que era mesmo isso que pretendia. Percebo por
isso o incómodo dos que aligeiram a sua bênção ao regime angolano com a
reclamação do respeito pela soberania nacional, como se esse direito
inalienável do povo angolano a escolher o seu destino obrigasse a fazer vénia
aos plutocratas que pilham Angola – e que não respeitam outra soberania que não
seja o seu próprio enriquecimento à custa do seu país. Ora, do que
certamente não se pode acusar Dos Santos e a sua família é de esconderem essa
escolha.»
O partido da plutocracia em Angola
Bagão Félix
Público, 26 de Agosto de 2017
Enquanto decorre a
contagem dos votos em Angola e o apuramento se transforma num imbróglio, o
MPLA clama vitória anunciando uma perda de quase 10% em relação a eleições
anteriores, mas mantendo uma margem confortável. Se se confirmarem esses
resultados e o novo presidente aceitar o seu papel, a dinastia Dos Santos
continuará no poder: o pai como presidente do partido, controlando as nomeações
nas forças armadas e segurança, os filhos à frente dos pilares do negócio do
petróleo.
O que está em jogo é um
imenso império que fez com que Isabel dos Santos se tornasse a mulher mais rica
de África (ao Financial Times ela resumiu a sua história empresarial explicando
que já aos seis anos vendia ovos, mas o antigo primeiro-ministro do
MPLA, Marcolino Moco, ri-se e explica que “toda essa
fortuna vem do facto de o pai ser a lei”),enquanto se descobre que
um destacado general transferiu 300 milhões de dólares pelo BES do Dubai e que
um vice-presidente cessante é acusado de comprar os serviços de um magistrado
português.
A corrupção da
cúpula angolana é o que define o seu poder. Mas o governo de um
país que é dos grandes produtores de petróleo do mundo tem vastos
recursos, utilizando
Portugal como um centro de lavagem de dinheiro e de reciclagem de influência.
É esse poder e influência que suscita espantosos equívocos, descontando mesmo o
entusiasmo de um ex-ministro do PSD e consultor do governo angolano que compara Dos
Santos a Mandela.
O roteiro do equívoco
é evidente: o PCP é o partido que mais se identifica com o
MPLA, mas o MPLA é parte da Internacional Socialista com o PS; entretanto, o
MPLA virou-se para o PSD e o CDS (escrevia o órgão do regime que Paulo Portas é
“um grande amigo do país, que está a ser lançado para liderar a direita
portuguesa em caso de as coisas correrem mal à atual coligação, o que mostra
que é possível, afinal de contas, um entendimento com Portugal”, Jornal de
Angola, 4.2.2013).
A razão desta
identificação ideológica e política com a direita portuguesa tem
uma razão (a elite angolana assumiu a sua passagem do “marxismo-leninismo” para
os encantos do capitalismo) e um efeito (facilitar a máquina de lavagem de
dinheiros). Estão por isso irmanados com a direita
neoliberal. Depois de ter lutado pela independência contra o
colonialismo português, depois de ter ganho a longa guerra civil contra a
UNITA, o MPLA passou a ser um instrumento de acumulação de capital para as
famílias dominantes – e anunciou que era mesmo isso que pretendia. Percebo por
isso o incómodo dos que aligeiram a sua bênção ao regime angolano com a
reclamação do respeito pela soberania nacional, como se esse direito
inalienável do povo angolano a escolher o seu destino obrigasse a fazer vénia
aos plutocratas que pilham Angola – e que não respeitam outra soberania que não
seja o seu próprio enriquecimento à custa do seu país.
Ora, do que certamente
não se pode acusar Dos Santos e a sua família é de esconderem essa escolha.
Num discurso ao parlamento, o presidente explicou que “A acumulação
primitiva do capital nos países ocidentais ocorreu há centenas de anos e nessa
altura as suas regras de jogo eram outras. A acumulação primitiva de capital
que tem lugar hoje em África deve ser adequada à nossa realidade. A
nossa lei não descrimina ninguém. Qualquer cidadão nacional pode ter acesso à
propriedade privada e desenvolver atividades económicas como empresário, sócio
ou acionista e criar riqueza pessoal e património” (discurso no parlamento,
16.10.2013). O Jornal de Angola já tinha resumido este
processo de acumulação: “as riquezas do Estado passaram para as mãos de
privados, desde as casas onde viviam até aos espaços comerciais, às fazendas,
propriedades industriais, minas e tudo o que era estatal”. De forma ainda mais
lapidar, o jornal oficial anuncia que “Angola tem direito a ter uma
burguesia nacional que seja cada vez mais forte e mais rica” (JA, 26.11.2012).
Esta “burguesia
nacional”, “cada vez mais forte e mais rica”, reclama vitória nas eleições
angolanas para continuar o seu negócio. Percebo que haja quem em Portugal se
vanglorie com essa extorsão a Angola, mas por favor não finjam que é por
solidariedade e respeito pelo povo que é roubado.
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