Um, sobre comportamentos
políticos, outro, sobre pretensiosismos linguísticos. Ambos do mesmo Público de
13 de Setembro: o primeiro de Francisco Assis, o segundo de Miguel
Esteves Cardoso, ambos assaz lúcidos no enfoque dado aos temas que
expressam, ambos bem expressivos ae mediocridade mesquinha vaidosa de um povo pouco evoluído culturalmente, revelando razões de subjectividade, mais do que argumentações de racionalidade - e isso se confirmou em alguns comentários.
O texto de Francisco Assis - «Viktor
Orbán e a aparente surpresa comunista» - que ataca as políticas nacionalistas do leste europeu refractárias à
abertura às migrações e tendenciosamente adoptando aquilo a que chama
democracia iliberal, autoritária e xenófoba, é simultaneamente crítico em
relação ao comunismo português que é antieuropeu, porque antiliberal. E de
facto, dos poucos comentários que li sobre a crónica de Francisco Assis, todos eles zurziam, não a ideologia expressa do
liberalismo, mas os gastos que representam as mordomias dos eurodeputados na
economia das nações e desisti de os transcrever.
Quanto
à crónica de Miguel Esteves Cardoso
- «As
palavras baratas» - ao seu modo desinibido e despretensioso, concordo
com os seus dizeres sobre o pedantismo linguístico no uso de “palavras caras” por
um povo que assim revela o seu provincianismo admirativo pelos vocábulos da
saliência momentânea, povo que nem sequer se incomodou, todavia, em chutar a
lógica etimológica do seu vocabulário, facto, aliás, proposto pelos filólogos
do tropel democrático.
I - Viktor Orbán e a aparente surpresa
comunista
A fanática obsessão
antieuropeia dos comunistas portugueses levou a que os seus eurodeputados
juntassem os seus votos ao que de mais repugnante existe na representação
parlamentar europeia.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 13 de Setembro de 2018
É cada vez mais notório que
há uma doença política séria a corroer grande parte das democracias nacionais
do leste europeu. Contudo, em nenhum lugar se atingiu ainda o grau de
putrefacção institucional observável na Hungria. Viktor Orbán,
que está longe de ser um homem intelectualmente destituído, concebeu e tem
vindo paulatinamente a concretizar aquilo que ele próprio designa como um
modelo de democracia iliberal. Trata-se de um tipo de regime de natureza
liberticida, alheio a qualquer tipo de preocupação com a protecção dos direitos
fundamentais e permeável ao exercício do autoritarismo. Acrescentem-se ainda a
estas características a exaltação de um nacionalismo xenófobo, o gosto pela
perseguição das minorias, a propensão para um tratamento ultrajante aos
refugiados e aos migrantes. Para completar o ramalhete associamos ainda a
prática despudorada do nepotismo, do clientelismo e de comportamentos
corruptos. Parece uma caricatura mas infelizmente não é. Trata-se da situação
presentemente vivida na Hungria, um Estado-membro da União Europeia.
Perante esta situação há muito
que se vinham erguendo vozes críticas clamando pela adopção de uma atitude dura
por parte das principais instituições europeias. Com o arrastar dos
acontecimentos ia-se progressivamente instalando um compreensível cepticismo em
relação à capacidade da União Europeia aplicar os mecanismos sancionatórios de
que dispõe para reprimir comportamentos e práticas atentatórios dos princípios
e dos valores de que se reclama e que a inspiram. A impunidade de que o Governo
húngaro parecia beneficiar suscitava uma legítima incompreensão em todos
quantos continuam a projectar uma elevada expectativa nos chamados ideais
europeus. Essa impunidade, felizmente, começou a ser contrariada ontem no Parlamento Europeu de
forma muito consistente. Foi nesse sentido que uma maioria expressiva de
deputados, correspondente a cerca de dois terços dos mesmos, votou a favor de
um relatório elaborado por uma deputada Verde holandesa. Esse relatório propõe
o accionamento dos mecanismos previstos nos Tratados tendo em vista o
sancionamento de comportamentos adoptados por governos nacionais que deneguem
ou contraditem o acervo de valores democrático-liberais consagrados na ordem
institucional europeia. Esta votação constitui um sinal político de
extraordinária importância. Numa altura em que por todo o lado emergem
discursos e soluções políticas adversos à tradição demoliberal, não podemos
deixar de sentir algum reconforto com a manifestação deste amplo entendimento.
É por isso mesmo desejável que ele se perpetue na abordagem de situações de natureza
diversa mas onde igualmente possam estar em causa os mesmíssimos valores e
princípios que agora se declararam lesados. É provável, aliás, que o
Parlamento Europeu, bem como as demais instâncias de decisão europeias se vejam
confrontadas num futuro não muito distante com a necessidade de ajuizar casos
não muito diferentes daquele que foi agora objecto de apreciação. Infelizmente
são vários os governos europeus predispostos a seguir por muito ínvios
caminhos.
A fanática obsessão antieuropeia dos comunistas portugueses levou a que
os seus eurodeputados, em nome de uma anquilosada noção de soberania
nacional, juntassem os seus votos ao que de mais repugnante existe na
representação parlamentar europeia. Este comportamento pode escandalizar, mas
não deve surpreender. Se há coisa que os comunistas nunca esconderam foi a sua
radical aversão por todas as formas e manifestações do pensamento liberal. É
por isso natural se não sintam obrigados a censurar quem igualmente as
despreza. Para o marxismo-leninismo todo o edifício de princípios, valores e
regras de inspiração liberal não passa de uma cínica construção formal destinada
a tentar camuflar o confronto de classes que constitui a verdadeira estrutura e
a explicação da História. A origem dos crimes perpetrados por todos os regimes
comunistas radica precisamente nesta desvalorização do Estado de Direito e do
primado da autonomia individual.
Orbán é um anticomunista feroz, propagandeia a visão de uma Europa
etnicamente pura alicerçada nas referências religiosas do cristianismo, exalta
um comunitarismo de índole reaccionária. Nessa perspectiva, um
militante comunista só pode sentir repulsa por tal figura e pelas teses que
propala. O que infelizmente os aproxima, sem nunca os identificar, é verdade, é
justamente essa propensão antiliberal tão contrária ao melhor do espírito
iluminista europeu. Esse é, aliás, o risco que correm todos aqueles que seja em
nome do que for, nomeadamente de um pós-humanismo, se afastam do núcleo da
tradição do racionalismo crítico que está por detrás, entre outras coisas, da
noção de Direitos Humanos.
Este episódio também
demonstra o seguinte: é totalmente insensato promover a absolutização da linha
divisória direita/esquerda. É-o no plano da política nacional e ainda o é mais
no contexto da política europeia. Hoje há outras linhas de demarcação tão ou
mais importantes do que essa. O reconhecimento desse facto contribui para uma
melhor compreensão da presente realidade política. Àqueles que auguram a
inevitabilidade do triunfo dos demagogos, dos extremistas de todas as espécies,
dos vendedores de ilusões simplistas, haverá sempre que lembrar uma lição
básica: o simplismo só pode ser derrotado por um apelo ao poder argumentativo
de uma razão capaz de explicar a complexidade e a profunda subtileza de tudo
quanto é humano.
II- As palavras baratas
As palavras mítico, lendário e icónico foram
tão abusadas durante tanto tempo que precisam de ser deixadas em paz durante
umas décadas.
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
PÚBLICO, 13 de
Setembro de 2018
No século XX os adjectivos
mítico, lendário e icónico foram banalizados por publicitários americanos à
procura de palavras aparentemente difíceis para impressionar públicos incultos
que acham que são sinónimos de "muito bom" e "universalmente
reconhecidos como muito bom".
Mítico e lendário referem-se a
criaturas e coisas que, por definição, não existem. Os mitos e as lendas são
ficções. Dizer que uma cervejaria é mítica só faz sentido se essa cervejaria
nunca existiu. Dizer que é lendária obriga a contar a lenda em que essa
cervejaria figura.
Icónico significa
representativo. O ícon representa uma criatura maior, abstracta e difícil de
representar. O ícon é um pobre substituto. Enfim, não é bom ser icónico e ser
mítico ou lendário é não existir.
As palavras mítico, lendário e
icónico foram tão abusadas durante tanto tempo que precisam de ser deixadas em
paz durante umas décadas. Em vez delas usem-se palavras mais claras como
famoso, conhecido, popular, tradicional, original, consensual, reconhecido,
antigo, vanguardista, elogiado, representativo e típico.
Em Portugal abusa-se agora do
"e não só". É o etcetera etcetera do século XXI, um tique de
preguiça.
Outra fórmula insuportável é o
"dispensa apresentações". É como o "não há palavras" e o
"o que é que ainda não foi dito sobre Cristiano Ronaldo?"
Nauseabundo é também o
"sem esquecer os inevitáveis". Fala-se da cervejaria lendária, dos
icónicos pregos, das míticas mariscadas e da lendárias imperiais sem esquecer
os inevitáveis tremoços.
COMENTÁRIOS
Fugo, AMADORA 13.09.2018: A língua portuguesa, logo à partida, não é
fácil. A somar a esse pormenor, não gostamos de aprender português e não temos
brio nenhum na nossa língua. Veja-se a facilidade com que adoptamos palavras,
termos de outras paragens quando temos tudo isso no nosso vocabulário. Tapas em
vez de petiscos é a última moda. O querer imediatamente falar na língua do
turista ou noutra qualquer para nos fazermos entender sem ao menos tentarmos
que eles entendam por palavras nossas. Falta-nos o orgulho de sermos
portugueses. Falta-nos raça.
Alvarinho Bruto, Lisboa 13.09.2018: Há
um que realmente chateia, e é largamente usado. "à séria". Aquilo foi
uma festa "à séria". Alguém sabe o que é que isto significa?
Nenhum comentário:
Postar um comentário