domingo, 16 de setembro de 2018

Sobrevivência


Do euro, é do que trata a entrevista de Teresa de Sousa. Com boas perspectivas de correcção futura, sem a asfixia económica anterior dos povos nele envolvidos, especificamente os do sul europeu. Teresa de Sousa difunde esperança nos Homens e no futuro, talvez porque trate com gente intelectualmente desenvolta e moralmente capaz.  
Dos negócios corruptos no nosso país, é do que trata a crónica provocantemente condenatória de João Miguel Tavares, e sem perspectivas de emenda, talvez porque se trate de gente oposta à anterior.
Perante tais discrepâncias de pensamento, ficamos em dúvida. Mas Amália Rodrigues colabora nos mesmos dilemas. Ouçamo-la, ao menos para voltar a sorrir:
É Ou Não É
É ou não é
Que o trabalho dignifica
É assim que nos explica
O rifão que nunca falha?
É ou não é
Que disto, toda a verdade,
Que só por dignidade
No mundo, ninguém trabalha!
É ou não é
Que o povo nos diz que não,
Que o nariz não é feição
Seja grande ou delicado?
No meio da cara
Tem por força que se ver,
Mesmo a quem o não meter
Aonde não é chamado!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é!
Digam lá se é assim ou não é?
Ai, não, não é! Pois é!
É ou não é
Que um velho que à rua saia
Pensa, ao ver a minissaia:
Este mundo está perdido?!
Mas se voltasse
Agora a ser rapazote
Acharia que saiote
É muitíssimo comprido?
É ou não é
Bondosa a humanidade
Todos sabem que a bondade
É que faz ganhar o céu?
Mas a verdade,
Nua sem salamaleque,
Que tive de aprender
É que ai de mim se não for eu!

I - ENTREVISTA: Jean Pisani-Ferry: Portugal provou que o pessimismo com que era encarado foi excessivo
O director do Bruegel, think-tank de prestígio sobre as questões europeias, afirma que o problema grego está em não se ter aceitado aliviar a dívida, mas apenas o serviço da dívida. “Por razões jurídicas, houve alguma obstinação alemã neste domínio”.
PÚBLICO, 10 de Setembro de 2018
Os primeiros tempos da União Monetária não ajudaram à convergência económica. Pelo contrário, alimentaram a divergência sobretudo entre Sul e Norte. Esse problema pode ser ultrapassado com um euro que obedece a regras ainda mais “alemãs”?
Um euro mais alemão não é certamente a opinião dos alemães. Não estou de acordo com o que diz. Que eu saiba, não foi isso que Mario Draghi fez. Nunca seguiu a política que era defendida pelos alemães e pelo Bundesbank
E foi exactamente por isso que salvou o euro…
Levou a cabo uma política que nos salvou, opondo-se à ortodoxia alemã. Ele geriu a crise com inteligência, não a favor dos países do Sul ou do Norte, mas para a sobrevivência do euro. Não podemos aceitar estas caricaturas, que são muito perigosas.
Mas mantém-se um problema de convergência económica.
Claro. Mas a política monetária não é desfavorável a essa convergência económica. Se perguntar aos alemães que política monetária lhes interessa, eles dizem-lhe que queriam uma subida das taxas de juro. Ela é conduzida levando em conta a zona euro no seu conjunto. Resolvemos o problema da divergência? Não. Mas temos casos de recuperação. Não sou um especialista de Portugal mas o seu país demonstrou que o pessimismo geral com que era encarado há alguns anos era excessivo. Verifiquei recentemente que Portugal está à frente da Alemanha em matéria de crescimento das exportações, muito à frente de Espanha e ainda mais de França. Ninguém nega que a recuperação nalguns países da zona euro é difícil e com custos sociais elevados – não tenho uma visão angélica da situação. Foram processos muito mais custosos do que teria sido possível fazer preventivamente e, mesmo, quando a crise foi desencadeada. Mas isso permite ser mais optimista sobre o futuro da zona euro.
O combate às divergências também depende da Europa?
As coisas não se fazem por si e é preciso compreender que os desequilíbrios não se corrigem sozinhos. São precisas medidas. É preciso mais atenção aos desequilíbrios e creio que um dos nossos problemas é que, depois da crise de 2008, dissemos que era preciso dar mais atenção às questões económicas mas não foi isso que aconteceu. Centrámo-nos nas questões orçamentais e deixámos de lado os equilíbrios económicos.
Por exemplo, o excedente comercial enorme da Alemanha?
A principal contrapartida do excedente alemão é um desequilíbrio interno na repartição dos rendimentos: as empresas acumulam lucros consideráveis e a parte dos salários no valor acrescentado baixou significativamente. É desejável que as empresas invistam mais e também que a repartição evolua em favor dos assalariados. Este movimento já começou, os salários estão a progredir mais depressa e isto reequilibra também a situação em relação ao resto da zona euro. Mas é um movimento lento. Seria preciso acelerá-lo.
A situação da Grécia é ainda bastante séria. As medidas de austeridade vão continuar a dificultar o crescimento, já de si asfixiado pelo peso da dívida. Podia fazer-se de outra maneira?
Do ponto de vista da política europeia, o problema grego está em que não se aceitou aliviar a dívida, apenas aliviar o serviço da dívida. A dívida está lá. É pena. Uma dívida a este nível é um obstáculo pesado ao investimento, à recuperação económica. Por razões jurídicas, houve alguma obstinação alemã neste domínio. Além disso, o problema da Grécia era que as estruturas económicas estavam muito degradadas, com uma imigração muito forte, sobretudo os mais qualificados – encontramos jovens gregos excelentes em toda a Europa e seria preciso haver condições para o seu regresso. O problema – que não é só grego - é de crescimento e de capacidade produtiva: não se sai de uma situação de dívida desta grandeza sem uma elevada taxa de crescimento.

II - OPINIÃO: A torre da corrupção e a lei do compadrio
A Lei do Compadrio é com frequência acompanhada pela Lei do Sonso. Talvez lhe possamos passar a chamar “Lei Medina”.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 15 de Setembro de 2018
Há legítimas razões para suspeitar que nesta terra não se faz uma única empreitada pública acima de três milhões de euros, nem um prédio acima de quatro andares, sem que de alguma forma esteja envolvido dinheiro sujo ou troca de favores. Chamemos-lhe a Lei do Compadrio:Em qualquer negócio onde o envolvimento do Estado seja indispensável e os fundos envolvidos relevantes, a probabilidade de alguém encher ilegitimamente os bolsos aproxima-se dos 100%.”
Eu escrevo três vezes por semana nesta página e não me chegam os textos para falar de todas as suspeitas credíveis que têm surgido em Portugal nos últimos anos. Mas não desesperemos, que a partir daqui podemos olhar para o copo meio cheio ou meio vazio. Meio vazio: o país está perdido e cada vez mais corrupto. Meio cheio: o país sempre foi profundamente corrupto, mas a justiça tem hoje uma capacidade de investigação e um desejo de escrutínio que não existia no passado. Eu sou um optimista, e opto pelo copo meio cheio. Acredito que aquilo que tem acontecido nos últimos anos, muita à boleia da tragédia socrática e de uma crise que tornou estes comportamentos particularmente obscenos (o caso de Pedrógão é, nesse aspecto, exemplar), é uma atenção redobrada à trafulhice, e a consciência de que a relação dos portugueses com o Estado é de mútua predação: o Estado enche-se com os impostos de todos para depois esvaziar parte para os bolsos de alguns.
Esta semana o semanário Sol e o jornal i recuperaram uma história antiga sobre o novo arranha-céus de Picoas. Notícias sobre o tema existem há muito, incluindo uma invasão de terrenos públicos no decorrer da obra, perante a compreensão da câmara – o que pareceu, desde logo, indiciar uma relação de privilégio. Não admira. Durante mais de 20 anos, o dono do terreno tentou obter o licenciamento de vários projectos, mas a volumetria aprovada ficou sempre aquém das suas expectativas. Em 2011 conseguiu a aprovação de um edifício de sete pisos. Entretanto, hipotecou o terreno ao BES por 15 milhões de euros. Veio a crise e decidiu vendê-lo ao banco por um euro. Subitamente, eis que se dá uma milagrosa mudança de PDM – e os pisos permitidos passaram de sete para 17. Quanto terá valido essa decisão?  
Fernando Medina esteve esta semana na SIC e o jornalista Bernardo Ferrão fez-lhe a pergunta: “A Torre de Picoas está avaliada em cerca de 120 milhões de euros, e o terreno onde foi erguida era de um empresário que achava que podia ali construir entre 12 a 14 mil metros quadrados. Foi-lhe dito que não, que não o podia fazer. Ele acabou por vender o terreno ao BES por um euro, e depois o PDM foi alterado. A capacidade de construção aumentou para 24 mil metros quadrados e fez-se esta torre. Isto não é suspeito, Fernando Medina?” Fernando Medina respondeu: “Não, não é suspeito.”
E pronto. Foram estas as (não) explicações que o senhor presidente da câmara deu aos seus cidadãos. Sejamos justos: Medina disse ainda ter estudado o caso “à exaustão desde muito antes de estar na Câmara de Lisboa” (fiquei curioso sobre esse estudo, mas ninguém aprofundou) e garantiu que tudo se passou de “forma totalmente correcta, pública e transparente”. Só não explicou como, nem porquê. A Lei do Compadrio é com frequência acompanhada pela Lei do Sonso: “Sobre qualquer negócio suspeito, a probabilidade de alguém dar explicações correctas, públicas e transparentes aproxima-se do zero.” Talvez lhe possamos passar a chamar “Lei Medina”.



Nenhum comentário: