Sou da opinião do primeiro comentador de José Pacheco Pereira, Célio
Carreira,
neste artigo sobre a corrupção no futebol: PP
descreve a saga de vilezas a vários níveis no futebol, como se se sentisse
manchado por descer a esse nível. Para todos os efeitos, o futebol tem a ver
com pés, contrariamente às políticas, que parecem mais do nível das cabeças,
conquanto haja jogadores políticos usando os pés em vez das cabeças, ao
contrário dos futebolistas tantas vezes demonstrando ter a cabeça nos pés, o
que pode levantar o moral aristocrático de PP, ao constatar que não desceu
tanto assim, tomando o futebol como tema da sua crónica. Mas de facto não se
compreende que um desporto, que não deixa de ser grandiosamente belo, possa pôr
em jogo tanta violência de artimanha e falcatrua, e tanta monstruosa alienação do
povo, também, como creio que não sucede noutros países mais evoluídos, e por isso
o sentimento que perdura sempre, até no exagero das discussões televisivas, é
um asco irremediável que a nós faz procurar outros canais, mesmo que de programas repetidos. Mas
Pacheco Pereira tem uma excelsa cabeça e o seu texto é muito bom e certeiro,
sem a ironia que outros cronistas usam, mas com a elegância séria de um
espírito superior, no seu papel hercúleo, embora vão, de lançar mão da limpeza de
cavalariças atoladas de excrementos.
OPINIÃO
Verdade desportiva. Ah! Ah! Ah!
O futebol é uma das máfias nacionais, aquela
que mais às claras actua, até por sentimento de impunidade, que duvido, mesmo
que estes processos consigam contrariar.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 8 de
Setembro de 2018
O interessante e pouco
surpreendente exercício de contenção de danos que sucessões de adeptos do
Benfica, célebres, consagrados, eminentes juristas, e homens que só eles sabem
quem são, fazem, com a cumplicidade activa da comunicação social reduzida a
esta miséria, tem como objectivo dizer que, se houve ilegalidades, elas foram
de um homem ou dois e não atingem o clube, nem essa coisa contraditória nos seus
termos, chamada a “verdade desportiva”. Isto porque uma das sanções previstas, em absoluta teoria e em
absoluta impossibilidade prática, inclui a proibição do clube jogar por uns
meses e anos, ou ser despromovido para uma divisão inferior. A tese é que
nenhum jogo foi ganho ou perdido, a célebre “verdade desportiva”, por causa de
uma malfeitoria de espionagem ilegal ao sistema judicial e a várias bases de
dados públicas, para obter informações sobre processos judiciais e dados sobre
árbitros.
A questão é muito simples: na
história da corrupção em Portugal há quatro componentes, três de cima, e uma de
baixo. Completam-se como peças de um jogo, neste caso o jogo do nosso atávico
atraso nacional. Nacional, português, nosso, que todos nós pagamos para alguns
receberem. As três de cima são as dos grandes: a corrupção na política, nos negócios e
no futebol, profundamente
interligadas. A de baixo, é a pequena corrupção do dia-a-dia, que os
portugueses praticam como quem respira e que, entre outras coisas, gera o pano
de fundo para toda a corrupção, nem que seja pela fragilíssima condenação de
ilegalidades quando são parecidas com as que os de baixo praticam. São tudo
valentões contra a corrupção, no café e nas caixas de comentários e Facebooks,
mas depois, como se vê no futebol, fecham os olhos tão forte que até dói.
O futebol é uma das máfias
nacionais, aquela que mais às claras actua, até por sentimento de impunidade,
que duvido, mesmo que estes processos consigam contrariar. Todos os componentes
das máfias estão lá: associação de criminosos e comunidade à volta do crime
consentido, se for a favor do “nosso” clube. A máfia em Itália e nos EUA também
é assim, e parte o seu sucesso tem a ver com a parte comunitária: defesa da
Sicília mais pobre, defesa da comunidade italiana nos EUA, protecção dos
“seus”, definição de territórios, etc..
No futebol encontramos também a “emoção” da comunidade dos adeptos,
do “Porto é uma nação”, ou “o Benfica é
Portugal”, e no Sporting também deve haver uma variante, etc. E, por detrás
disto um grupo de gente amoral, oportunista, conhecedora de todos os esquemas,
vive e enriquece por conta do clube, protegendo-se por uma omertà que
só é violada quando há competição pelo bolo, dando em troca aos adeptos
“vitórias”. Estão todos sentados em
cima de pilhas de dinheiro. Em qualquer empresa, os valores que
circulam à volta da compra e venda de jogadores e treinadores no mundo
igualmente mafioso dos “agentes”, seria notícia, aqui é trivial, aqui é a
normalidade. Ninguém verdadeiramente se pergunta de onde vem e para onde vão
estes milhões. Nem sequer aqueles que espumam quando sabem de algum alto
salário nas empresas ou pequeno e médio no estado, dizem nada com os valores
astronómicos que são pagos. Este dinheiro que circula por baixo da mesa,
por offshores, e que dá origem em alguns
países a processos de fraude e evasão fiscal, em que quase todos os jogadores e
treinadores estão envolvidos, permite depois os cartões dourados, as despesas
de tudo, desde os charutos à lingerie para prendas, os empregos para mulheres,
primos e filhos, os carros, as mordomias, que tornam apetecível qualquer lugar
no topo ou na base dos clubes de futebol.
Depois, como na máfia, há a
circulação de promiscuidades entre o futebol, a política e os negócios. Nem
vale a pena falar muito, porque está tudo à vista e não é pago nem por bilhetes
de futebol, nem lugares VIP, nem camisolas. É uma troca de favores, que vale
milhões em isenções fiscais, em fiscalidade “favorável” em autorizações para
urbanizações e construções, tudo. E a tudo isto deve-se acrescentar o papel,
como na máfia, de vários Consiglieri e Fixers, entre a melhor advocacia
portuguesa e uma extensa rede de cumplicidades e favores na comunicação social.
E, por fim, last but not the least, os exércitos
para a guerra, a violência, a defesa do território, as vinganças, e para pôr na
ordem adversários e traidores, — as claques. Claques pagas com merchandising e tráfico de droga
e cujos disciplinados soldados atacaram os jogadores do Sporting, e “puseram”
na ordem, com algumas sovas até com mortes, ainda por esclarecer, no Porto,
quem se lhes opunha ou no mundo dos negócios obscuros que controlam, da
segurança à “noite”. Ai não sabem! Sabem, sabem, todos, dirigentes desportivos,
jogadores, treinadores, polícias e ladrões.
Voltando à “verdade desportiva”, esse caso típico de um oximorón dialéctico,
para os irritar com a intelectualidade. Então os homens queriam saber coisas
sobre os árbitros, queriam saber coisas sobre as investigações sobre o clube,
para quê? Para fortalecer o clube, permitir-lhe vantagens competitivas, fazer
chantagem e corromper os árbitros, evitar sarilhos e garantir impunidade, e em
linhas gerais aumentar o poder e o dinheiro disponível, inclusive para comprar
e pagar melhores jogadores. E isso não tem nada a ver com o “relvado”? Com os
jogos? Com as “vitórias”?
Eles acham que nós somos parvos e
temos medo. Nem todos.
COMENTÁRIOS:
Célio
Carreira, 08.09.2018: O PP diz algumas verdades,
concordo genericamente com a análise, mas nota-se no seu texto uma grande azia
em relação à indústria do futebol, actividade que seguramente não o fascina.
Fazem falta pessoas que olhem para estes assuntos com isenção clubística e sem
compromissos de qualquer espécie, porém o PP elabora as suas críticas com uma
espécie de asco, como quem sujou por momentos as mãos e tem de ir lavá-las logo
a seguir.
fernando jose
silva, LUSO 08.09.2018 O
apito doirado foi a maior burla do futebol, estas toupeiras injectadas pelos
mesmo do apito a partir do Porto não sei o que são....vamos ver.Seja como for,
são autênticas máfias que tratam da bola. Clubes, federações, árbitros , são
mafiosos que vivem num Portugal que não existe, um Portugal de luxos e negócios
que nada tem a ver com a realidade do povo português. Nesse mundo á parte
vegeta a vergonha da bola onde os jogadores na sua maior parte não passam de
escravos ou animais de carga para servir os donos....humanamente,
vergonhoso!!!!
Wheeler
Catarina, 08.09.2018: Há uma coisa que diz, que é
verdade. Foi essa parte que referi nos comentários anteriores. Refiro-me a
haver na mesma Sociedade, não uma, mas duas Sociedades. A dos Poderosos, que
não muda com os Regimes (Champalimaud, Melos, Sonae, Cortiça, etc.) e vive das
Rendas (terrenos doados pelo Estado, PPP's, etc); e a dos que Labutam na
Iniciativa Privada (onde se incluem as SAD's desportivas, e outras pequenas e
médias indústrias). São dois Mundos, paralelos, tão mafiosos e puros uns como
os outros. E depois, nessa intersecção dicotómica, há outras dicotomias, como a
dos Ricos/Pobres, os que estão na Justiça, os que estão no Parlamento, na
Administração Pública, etc. Ou não é? Portanto não é como diz JPP.
Conde do
Cruzeiro, Assinante, que apenas
pede liberdade de não ser perseguido. 08.09.2018: O
desporto em Portugal é o espelho da politica, uma vez que os patrocinadores dos
clubes e partidos do arco do poder eram os donos disto tudo. Desmantelar esta
teia, é um trabalho colossal mas que terá de ser feito em nome do futuro de
Portugal.
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