terça-feira, 25 de setembro de 2018

RESCALDOS


Ainda algumas opiniões, por inúteis que sejam. Sobre JOANA MARQUES VIDAL:

Eles atreveram-se /premium
OBSERVADOR, 21/9/2018
O governo pôde sanear a Procuradora-Geral da República porque a oligarquia política está finalmente em sintonia e porque, acima de tudo, aprendeu a desprezar os portugueses.
Primeiro, mostraram vontade. Depois, fingiram recuar, por entre notícias contraditórias. Finalmente, na noite das facas longas do regime, deram o golpe, e despediram a Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal. Atreveram-se mesmo.
É bom lembrar o que estava em causa. É verdade que o governo e o presidente da república não eram obrigados a reconduzir a Procuradora-Geral da República. Mas nas actuais circunstâncias, era perfeitamente legítimo esperar que o fizessem. Primeiro, porque a justiça portuguesa não tem simplesmente entre mãos uns quantos casos melindrosos, mas, segundo a acusação da Operação Marquês, uma conspiração para subverter a democracia, a qual só no mandato da Dra. Joana Marques Vidal pôde ser investigada. Segundo, porque o governo é neste momento exercido por antigos colegas de José Sócrates. Por tudo isto, talvez se pudesse esperar do governo e do presidente da república um zelo redobrado para não deixar nenhumas dúvidas de que o poder político não pretendia de modo nenhum influenciar o curso da justiça, por exemplo substituindo a Procuradora-Geral que deixou, como lhe competia, prosseguir a investigação.
Não foi isso que aconteceu, e é importante perceber porquê.
A oligarquia portuguesa gerou, nos últimos anos, dois projectos de domínio do Estado e do país. O primeiro, conforme descrito na acusação a José Sócrates, assentou no controle das alavancas política, judicial, financeira e mediática por uma pequena facção liderada pelo então primeiro-ministro Sócrates. O objectivo era o monopólio das grandes decisões e dos grandes rendimentos por uma clique defendida contra qualquer sério escrutínio da justiça ou da imprensa. É uma estratégia que faz lembrar a gestação das autocracias da Europa de leste, onde as aparências da democracia (eleições, tribunais) servem apenas para encobrir a concentração do poder em poucas pessoas.
A estratégia socrática, tal como analisada na acusação da Operação Marquês, foi comprometida pela crise financeira e pela decorrente falência do Estado, bancos e empresas que tinham sido a base de influência do socratismo. Os seus protagonistas principais acabaram mesmo sob a alçada da justiça, para grande espanto dos próprios e dos seus sequazes.
Mas a partir do fim do ajustamento financeiro, a oligarquia não demorou a gerar outra forma de organização do poder. Ainda protagonizada pela rede de amigos e de famílias que esteve com Sócrates no governo, já não assenta, porém, no exclusivismo de uma facção, mas na sua disponibilidade, num ambiente de fraqueza geral dos partidos e corporações, para mediar toda a espécie de entendimentos, muito para além do que era costume. Foi assim que o Partido Comunista, com os seus sindicatos de funcionários, e o Bloco de Esquerda, com a sua universidade e o seu jornalismo, acabaram na rede – a mesma rede em que um desesperado Rui Rio tenta agora arranjar o seu pequeno lugar. É este o contexto que tornou possível a liquidação de Joana Marques Vidal, a que os outros partidos não se opuseram, ao contrário do que teria acontecido se ainda houvesse oposição, e que o presidente da república, também por isso, consentiu.
O consenso, por mais alargado, nunca teria porém encorajado a oligarquia, não fosse outro factor: a percepção que têm da sociedade portuguesa, envelhecida, endividada e dependente. Os oligarcas convenceram-se de que em troca de mais uns euros de ordenado ou pensão, de preferência à custa dos impostos do vizinho, Pedrogão pode arder, Tancos pode ser assaltado, e a Procuradora-Geral da República despedida, que ninguém lhes pedirá contas. Sim, eles atreveram-se — porque aprenderam a desprezar-nos. Com razão?
COMENTÁRIOS:
Rucca Mann: Foi um prazer ler este excelente artigo de opinião.  Realmente atreveram-se, precisamente pelas razões que aponta: bastou um aumento de 5 euros no ordenado... Os portugueses até de espírito são pobres.... 
Alberto Pereira: Os amigos dos Sócrates e dos Ricardos festejam porque conseguiram afastar a procuradora incorruptível!
António Rosinha: Excelente artigo técnico, denso e, felizmente, sem acordo ortográfico. Termina com: "Sim, eles atreveram-se - porque aprenderam a desprezar-nos. Com razão?" A pergunta envolve o reconhecimento da nossa estupidez? Assim parece. A resposta é óbvia e implica o reconhecimento democrático do estado cerebral e deficiente educação das maiorias que nos arrastam para um abismo à vista. Implica também a falência do sistema judicial como um todo para o cidadão comum, incapaz de combater a corrupção generalizada no Supremo e na Relação. E implica ainda, a existência de governantes e apoiantes que utilizam as práticas mais sujas que a imaginação humana dificilmente poderia prever.
Alexandre Policarpo: Andam tão contentinhos com o saneamento de quem os meteu atrás das grades. O facto de metade deste governo ter feito parte dos governos do Sócrates, não é alheio a esta pouca vergonha. Se o governo "não pode fazer a avaliação do mérito do desempenho da PGR", pode até nomear o cavalo do D. José para exercer o cargo, porque pelos vistos, tanto faz.
André Ondine: O PS é um país, não é um partido. Tem leis próprias, valores próprios e uma ética (muito) própria. É um país lamentavelmente e invulgarmente situado em Portugal,  e tenta assiduamente corroer a democracia portuguesa, para impor a democracia socialista, também ela muito própria e especial. É urgente criar um movimento PSexit, antes que Portugal seja inteiramente corrompido por esta gente sem valor e sem valores, liderados pelo Imperador Socrates e o seu discípulo Costa.
Maria Fernanda Louro: Ó sorte, ó fortuna, vai uma apostinha que o alegado "sorteio electrónico", completamente aleatório vai sortear o " imparcial" juiz Ivo Rosa para conduzir a instrução da operação marquês? Faltam dois ou três meses para o Sócretino e o DDT serem ilibados de tudo, até lhes vão lavar o rabinho com água benta! Os portugueses têm o que merecem, vão-lhes aos fundilhos e eles ainda pagam! Onde está consagrado o "princípio do único mandato"? Na cabeça da Srª Ministra e do Sr. Costa, apenas.  O PS opôs-se à consagração do "único mandato" em sede de revisão constitucional. Em matéria de JUSTIÇA não há "bolores",
 José Martins: não há direita, não há esquerda. Em matéria de jusiça, o que tem de haver é VERDADE, ISENÇÃO, SERIEDADE, RIGOR e, acima de tudo, JUSTIÇA. Vamos estar atentos ao legado da grande JOANA MARQUES VIDAL que, depois de Sá Carneiro, foi o único contrapoder aos "afilhados" de salazar/cunhal, à oligarquia instalada em Lisboa. Pinho, Sócrates, Ricardo Espírito Santo e Rui Rangel, são a ponta do iceberg do "capitalismo de compadrio" que está a sufocar o país.
J SM: Diagnóstico perfeito! Há muito tempo que já não somos uma comunidade, um país, um lugar decente. Somos uma oligarquia laica republicana e socialista e em que alguns se dizem católicos e até de direita! Nesta união nacional a justiça não pode ser independente e para enganar o povo vamos assistir a uma permanente troca de favores para calar os vários interesses que entretanto se cruzam. Por exemplo o processo Marquês pode continuar mas sem grandes condenações e em troca, safamos o Benfica mas o Vieira é obrigado a reformar-se. É assim que funcionam, hoje, as ditaduras mafiosas.



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