quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Garrinchas que somos


Mas, de facto, ninguém se importa, a começar pelos professores que se deixam manejar pelo seu representante sindical, o qual está na berra – ou, de preferência, no berro - da sua representação. Tudo isto faz pena e, sobretudo, envergonha, pelo desinteresse da classe docente pelos alunos e pelo país, por seu turno, imagem-mor do maltrapilho pedinchão. Alexandre Homem Cristo põe o dedo na ferida, mas não nos envergonhamos. Colaboremos, sim, com esse Mário Nogueira, que é também uma imagem-mor do aproveitador finório, vendedor da banha de cobra da nossa esperteza preguiçosamente exigente dos seus pergaminhos, indiferente a todos. Manuel Carvalho publica Editoriais que alguns profs condenam, falando em “pedir”, Garrinchas que somos na subida da serra da nossa existência, afundada em desequilíbrios, e exigente, não de autenticidade na dedicação ao ofício, mas defendendo acima de tudo o nosso tacho.
I - EDITORIAL         O perfume de eleições no conflito Governo-professores
Um fracasso clamoroso como o desta sexta-feira só pode, por isso, ter um significado: o conflito saltou para o domínio da campanha eleitoral.
MANUEL CARVALHO
PÚBLICO, 8 de Setembro de 2018
O Governo e os sindicatos dos professores voltaram a reunir-se e voltaram a falhar um acordo. Depois de meses a fio de posições intransigentes, ameaças veladas e exigências irrealistas, o conflito enquistou-se e deu lugar a um indesejável e incómodo buraco negro da política. Impulsionados pelos apoios do Bloco e do PCP e fortalecidos pelas expectativas dos docentes em recuperar na íntegra o tempo perdido, os sindicatos sentem-se com músculo para qualquer extravagância. Limitado pelas cautelas das Finanças e preso à promessa de não ceder a uma exigência que enterraria de vez as metas do programa de estabilidade, o Governo dispõe-se a sofrer os custos de uma greve no início das aulas. Todos acabarão por perder e, principalmente, os alunos e a escola pública acabarão por perder.
Uma solução de compromisso seria bom para o país e para as duas partes envolvidas. Em curso está uma guerra na qual só haverá vencidos. Quem mais tem a perder são os sindicatos e os professores, que se arriscam a ser vistos como uma classe intransigente que olha em exclusivo para os seus interesses sem olhar para os interesses gerais.
Ninguém perceberá que os professores queiram hoje recuperar todo o tempo perdido quando jamais lhes foi prometida a devolução dessa perda no momento em que o congelamento foi decidido. Ninguém entenderá que hoje façam tanto barulho depois de estarem em silêncio entre 2011 e 2017. Ninguém perceberá que queiram receber tudo o que perderam quando a factura dessa perda é insustentável para as contas do país.
No outro lado da barricada, o Governo não sairá incólume do processo. Ainda que formalmente António Costa tenha razão quando diz que o Governo nada prometeu aos sindicatos, é verdade que PS apoiou na Assembleia uma resolução que ia ao encontro das suas exigências. Se esta culpa no cartório não basta para que o Governo se subjugue e sacrifique a estabilidade das contas públicas, devia forçá-lo a perceber que o seu voluntarismo legitima em parte a tese dos sindicatos.
Num processo em que ninguém foi inocente nem absolutamente culpado, era imperativo encontrar uma solução que acudisse aos interesses das partes sem pôr em causa o interesse do país. Um fracasso clamoroso como o desta sexta-feira só pode, por isso, ter um significado: o conflito saltou para o domínio da campanha eleitoral.
COMENTÁRIOS
AndradeQBPorto 09.09.2018: Embora "militante" contra os sindicatos dos professores, e, como tal, poder tender para encontrar razão neste artigo de Manuel Carvalho, tal não acontece. Imagine-se o que seria se fosse aceite esta linha de pensamento de que um governo pudesse, sem suporte para além da falta de dinheiro, tratar de forma diferenciada os funcionários públicos no ativo ou reformados. Teria uma verba disponível, que, numa qualquer altura em que esta fosse insuficiente para pagar aos valores habituais, seria distribuída até onde esta chegasse, ficando os últimos sem receber nada. A expectativa que existe sobre os governos é a de que façam primeiro contas e depois decidam. Estar a dar-lhe força para fazer o contrário parece contraproducente.
PdellaF, Terra 08.09.2018: António Costa e o PS deram o golpe da geringonça assente na ideia de que a austeridade tinha sido uma política errada e até injustificada. Porém, apesar do crescimento da economia e da estabilidade nas finanças, herança do governo anterior, continua a política de austeridade, agravada com baixo investimento público (a níveis que nem no governo de PPC se atingiu). Os professores viram o congelamento nas carreiras (que foi uma repetição de um outro congelamento imposto na década anterior) como parte do esforço coletivo de resolver a crise causada, em grande parte, pela corrupção do PS, versão José Sócrates. Sentem que é a altura de voltar a progredir a sério. Há professores que não progridem há 20 anos e que perderem 20% ou mais no seu rendimento desde 2009. Prometeram, cumpram!
Manuel Correia Gomes,  Vila Real 08.09.2018: Os professores não estão a pedir tudo. Se o pedissem, estariam a pedir retroativos. Afirmar que nunca lhes foi prometido é uma afirmação que revela um desconhecimento profundo dos acordos realizados. Os senhores fazedores de opinião deveriam ter cuidado com as afirmações que fazem pois, a maior parte das vezes, apenas estão a produzir afirmações que estão longe da verdade, isto é, estão a mentir.
II - EDITORIAL              Os professores e as notícias da OCDE
Esticar a corda num contexto como o que a OCDE colocou em cima da mesa pode gerar danos de imagem que os professores vão ter de avaliar com muito cuidado.
12 de Setembro de 2018
MANUEL CARVALHO
PÚBLICO, 12 de Setembro de 2018
É tentador analisar as conclusões do estudo Education at a Glance da OCDE e concluir que ele traz más notícias para as lutas laborais dos professores e dos seus sindicatos. Afinal, os professores, conclui o estudo, ganham em média mais 35% do que os outros profissionais com os mesmos níveis de qualificação profissional. Afinal, os salários no topo da carreira estão acima da média da OCDE e, como é sabido, a organização não é particularmente constituída por países de rendimentos baixos. Afinal ainda, o Estado aumentou a sua despesa na educação em 33% entre 2008 e 2013, ano em que Portugal atravessava o período mais duro da troika. Afinal, os professores não são os parentes pobres da função pública e a Educação tem sido objecto de particular atenção por parte dos sucessivos governos.
Durante toda esta terça-feira, muitas dezenas de professores insurgiram-se contra as conclusões do estudo da OCDE e acusaram o PÚBLICO de estar a promover uma campanha de desinformação. Muitos citavam os seus salários em concreto como uma forma de questionar a verosimilhança da notícia. Pode haver de facto alguns erros na informação de base que afectam de forma irremediável as conclusões do estudo, como sindicatos e professores trataram de revelar. Mas, mesmo que os cálculos da OCDE fossem absolutamente inquestionáveis, não haveria razão para grandes críticas. Pelo contrário: um país que paga bem aos seus professores merece todos os elogios.
A menos que... a menos que estas críticas se façam sentir num momento em que os professores se preparam para enfrentar o Governo numa luta laboral que ameaça a estabilidade do início do ano escolar. Os sindicatos sabem que uma batalha dessa dimensão só se ganha com o apoio da opinião pública. Ora, os cidadãos terão dificuldade em entender a justeza dessa luta, se souberem que os docentes são relativamente bem pagos e se suspeitarem que as suas exigências são incomportáveis para as finanças públicas. Saber que os professores ganham relativamente bem é sinal de que o país aposta na sua educação. Esticar a corda num contexto como o que a OCDE colocou em cima da mesa pode gerar danos de imagem que os professores vão ter de avaliar com muito cuidado.
COMENTÁRIOS
Maria Moreira: Outro reparo: as alterações na carreira dos professores fazem-se a qq momento e a bel prazer. Dantes, um professor em início de carreira ganhava pouco porque no fim da carreira seria recompensado, a meio mudaram as regras, agora os que começam na profissão (não ganham bem) ganham quase tanto como os que trabalham há mais de 25 anos e estes que foram prejudicados no princípio da carreira, nunca ganharão tanto como os colegas que já se reformaram. Também já se deram ao trabalho de fazer estas comparações? Não cedam à inveja coletiva, não têm motivo para tal, os jovens já não aspiram a ser professores, estão a transformar as escolas em albergues.
miradouro46, Porto 12.09.2018: Toda esta permanente polémica e descontentamento dos professores, resulta de há muito tempo de uma estratégia, que deve reconhecer-se eficaz e bem planeada, de uma frente sindical, que mais não é que representativa de uma corporação, com forte pendor ideológico e claramente encostada a um partido político e que extrema sempre as posições, pois sabe que tem garantidos, holofotes dos media, apoio político qb e uma relativamente generalizada compreensão, quando não indiferença da opinião pública para as suas permanentes queixas e queixinhas. Ressalvada a justeza de algumas reivindicações, muitas são perfeitamente inaceitáveis, numa classe que nem de longe é das mais mal remuneradas no país. Chega ao enjoo ver o Sr. Nogueira a saltar de canal em canal de televisão e rádio, etc..
Carlos Da Cruz: Subscrevo completemente. O pseudo prof a tentar justificar porque não faz nada há dezenas de anos. Entretanto vai destabilizando. Parece o outro na Auto-Europa. Depois admirem-se...
maria quintela12.09.2018: Mário de Carvalho , seja honesto e faça um trabalho sério O próprio jornal, ainda que em nota de rodapé corrigiu o o conteúdo da notícia. Vejamos o meu caso, igual ao de milhares de professores, Professora, 35 nos de serviço, 7º escalão, índice 272, v. bruto 2.473,46, líquido 1570, 00, incluindo o subsídio de refeição, que varia conforme o nº de dias efetivamente trabalhados. Na escola ,ou em representação, fui orgão de gestão, coordenadora de projetos, diretora de turma, coordenadora de cursos noturnos, diretora de cursos tecnológicos e profissionais, introduzi e dinamizei projetos variados, parlamento europeu do jovens, assembleia na escola; representação ME em organismos regionais e locais , Segurança Social, CPCJ. Verifique e publique quanto ganha 1 médico, um deputado e publique
Ricardo Bugalho, Lisboa 12.09.2018: O salário base dos deputados são 3600€ brutos por mês mas pode quase duplicar com abonos e subsídios. Felizmente, são só 230 deputados vs 145 mil professores. Os médicos contratados desde 2013 ganham entre 2746€ e 5053€ brutos por mês. Mas volto a lembrar: 50% dos portugueses ganha menos de 824€ brutos por mês. Você está nos 10% de portugueses mais bem pagos. Tenha noção disso.
Aónio Eliphis, Algures nos pólderes da ordem de Orange! 12.09.2018 : Ricardo, parabéns por nos trazer números e dados, e não a verborreia típica que grassa pelos teclados dos indignados.
Ricardo Bugalho Lisboa 12.09.2018 : Caro Conde, o meu comentário consistia principalmente em factos. Se você viu um "argumento" é porque não quis ver os factos. De resto, como cidadão e contribuinte, eu defendo que o Estado seja um empregador exemplar e generoso mas que faça esticar o dinheiro dos contribuintes e promova a distribuição de riqueza. Que se faça um esforço para regularizar a situação dos professores sem vínculo parece-me essencial. Que um professor do ensino público ganhe até um pouco mais que no privado parece-me bem. Que um professor em ínicio de carreira ganhe 20K brutos/ano parece-me razoável. Já que o salário dos professores do quadro do Estado progrida de forma quase automática até aos 40K baseado nos anos de serviço... parece-me muito muito mal.
"Pagar bem" aos professores não é um sintoma automático de investimento na educação. Sim, os professores dos quadros ganham entre 20 e 40 mil euros brutos, conforme os anos de serviço (metade dos portugueses ganha menos de 12 mil euros brutos por anos). Mas depois há dezenas de milhar de professores com contratos a termo e incerteza a cada ano. Essa é uma das consequências de "pagar bem" a uns professores e depois faltar dinheiro para o resto. Esta é a consequência de um país iludido sobre os rendimentos da sua classe média e que acaba a apoiar políticas fiscais e salariais no Estado que só agravam as desigualdades
Inimigo da educação /premium
OBSERVADOR, 3/9/2018
O protagonismo de Mário Nogueira não deve só inquietar pelas greves. Mais grave é a recusa da modernização do sistema e a rejeição do impacto positivo das medidas políticas às quais a Fenprof se opôs.
Quando, daqui a alguns anos, se olhar para trás, será difícil de justificar a atenção dada a determinadas personalidades e a influência (negativa) que lhes foi concedida no debate e na condução das políticas públicas. A questão, entenda-se, não está tanto no que pensam essas personalidades – que têm toda a legitimidade para defender as suas opiniões, mesmo que erradas. O ponto está, sim, no destaque mediático que lhes é injustificadamente oferecido, e que normaliza as suas opiniões, tornando-as farol para a decisão política. Acontece à esquerda – por exemplo, com o estatuto senatorial de Francisco Louçã nas áreas financeiras e económicas. E acontece à direita – por exemplo, pela autoridade atribuída a Bagão Félix no âmbito da segurança social. Ora, no sector educativo, o rosto dessa influência negativa é o de Mário Nogueira, líder da Fenprof.
A influência de Mário Nogueira nas políticas públicas de educação já não surpreende ninguém, mas vem hoje a propósito por ser o primeiro facto do ano lectivo 2018/2019, que agora começa. No arranque do ano escolar, a principal notícia consta do anúncio de greves de professores e o maior destaque do debate político reside nas posições, em entrevistas, que os vários protagonistas políticos têm assumido sobre o braço-de-ferro negocial em curso (ontem, no DN, o próprio Mário Nogueira, e nas últimas semanas António Costa no Expresso). Há crianças que ainda não têm os seus manuais gratuitos, há escolas com falta de professores, há localidades onde fecharam escolas e se dificultou o acesso dos alunos à educação. Mas o que monopoliza as atenções são as ameaças do líder sindical ao país, no contexto da negociação pela contagem do tempo de serviço congelado. E é sobretudo isso que inquieta o Presidente da República e o governo, tal como é precisamente nessa trincheira de combate político que PCP e BE estão a colocar os seus soldados. Ou seja, em Setembro de 2018 (como repetidamente aconteceu no passado), o país está refém, na educação, das iniciativas de Mário Nogueira.
É uma ilusão achar-se que o problema se circunscreve aos meios de actuação – isto é, que está apenas em causa o sucessivo recurso a greves e boicotes ao normal funcionamento das escolas. Sim, em parte, essa actuação é problemática. Existem inúmeros estudos longitudinais que confirmam o impacto negativo das greves de professores na aprendizagem dos alunos e consequentes efeitos nefastos nos seus desempenhos ao longo da escolaridade e da vida profissional – sobre isso, vale a pena ler este artigo de Luís Aguiar-Conraria. Mas ainda mais problemático é o permanente protagonismo e a influência de Mário Nogueira no debate das políticas públicas de educação, tendo em conta a visão que partilha para o sistema educativo português.
Essa visão está bem sintetizada no livro “O Futuro da Escola Pública”(Nova Vega, 2014), no qual o autor Mário Nogueira lança o seu olhar sobre o funcionamento do sistema educativo. Há dois destaques que, para esta discussão, justificam menção. Primeiro, o líder sindical evidencia um desprezo estrutural pelos sucessivos ministros da Educação. Mário Nogueira desqualifica os governantes como gente pouca preparada para conduzir a pasta da educação e descreve-os como os “‘sábios’ que têm governado a educação e que, com medidas impostas por si ou pelas Finanças, têm prejudicado a plena afirmação da Escola Pública” (p. 9). A marca da governação de cada um desses ministros é, para Mário Nogueira, a sua respectiva “nódoa”. Segundo, Mário Nogueira aponta para o sistema educativo dos primeiros anos da democracia como uma espécie de ponto óptimo de desenvolvimento, tendo havido desde então uma sucessão de “estragos feitos na educação” (p. 9). Esta posição colide, forçosamente, com a celebração das muitas vitórias do sistema educativo nos últimos 40 anos – na qual o líder sindical alinha, mas retirando qualquer mérito aos governantes. Ou seja, para Mário Nogueira, os bons resultados do sistema educativo português nesse período histórico explicam-se pela resistência dos professores às decisões tomadas pelo poder político – “sendo o [sistema] de boa qualidade e servido de óptimos e competentes profissionais (…) sempre foi possível ultrapassar dificuldades e evoluir, conseguindo o nosso sistema educativo alguns bons resultados (…)” (p. 29). Traduzindo: está aqui a recusa total dos desenvolvimentos conseguidos nas políticas públicas de educação, mesmo que baseados em evidências empíricas e em boas práticas internacionais.
É por isso que o protagonismo de Mário Nogueira em Setembro de 2018 não deve só inquietar o país na medida em que ameaça com greves o funcionamento das escolas. Por detrás dele está também a recusa liminar da modernização do sistema educativo e a rejeição do impacto positivo que, nas últimas décadas, tiveram inúmeras medidas políticas às quais a Fenprof se opôs. Dar tanta importância a quem, pelas suas ideias, se assume inimigo da educação é, inevitavelmente, limitar o debate e prejudicar o desenvolvimento do sistema educativo.

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