segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Dietas, reposições, talvez sofismas



Repostos Os Maias e outros autores portugueses no lugar competente do seu ensino obrigatório, e os açúcares repostos na prateleira da nossa glutonaria menos sofisticada, resta-nos dizer amen e aguardar novos seguimentos: 
Para Os Maias e C.ia programática, temos um ano de tranquilidade nos nossos pruridos de seriedade e aversão contra os pedantismos burladores e até mesmo burlescos dos nossos maquiavelismos pseudodidácticos, assentes em manhosos subterfúgios de destruição de valores e fabricação de uma sociedade cada vez mais inerte, mandriona e pouco esclarecida. Para o próximo ano veremos se a programação deste ano sofrerá os cortes da nossa mediocridade, a continuar.
Quanto aos açúcares, cá vou, cantando e rindo, leiga que sou – e relativamente saudável - sem as ralações dos e das elegantes, seduzida pelos eflúvios ou sabores que me possam eventualmente cair no goto, avessa a tudo o que colida com o meu pensamento de liberdade e apetência, a moderação sendo o entrave essencialmente escolhido nesses impasses de sedução. Mas também já tinha lido o artigo da reposição dos hidratos de carbono nas dietas, o que me lembrou anteriores cortes de óleos e azeites, margarinas ou manteigas, creio que essencialmente por estratégia comercial. Por isso, vou continuando, na simplicidade das minhas escolhas culinárias ou dos meus apetites de doçura, com moderação e com prazer de viver, sem pedantismo, afinal, manipulando eu própria a minha vida, sabendo que um dia, já não tão recuado, hélas! outros a manipularão com mais eficiência, mas com idêntica inutilidade.
I - ESCOLAS: Os Maias voltaram à lista de leitura para o ensino secundário
Ministério da Educação recuou na proposta de conteúdos que devem ser leccionados no secundário. Versão definitiva das aprendizagens essenciais volta a incluir quais as obras que devem ser lidas em vez de deixar esta escolha a cada professor.
PÚBLICO, 2 de Setembro de 2018
A obra de Eça de Queirós Os Maias não vai, afinal, desaparecer da lista de leitura para o ensino secundário, como o Ministério da Educação (ME) chegou a propor. É o que se pode comprovar ao ler a versão definitiva das aprendizagens essenciais para o secundário, que foi homologada nesta sexta-feira por despacho do Secretário de Estado da Educação João Costa.
As chamadas aprendizagens essenciais vão ser aplicadas a partir do próximo ano lectivo, num processo que começará, no caso do secundário, pelo 10.º ano. Para o ME, a definição destas aprendizagens, que esteve sobretudo a cargo das associações de professores, é necessária para resolver o problema da “extensão” dos actuais programas e permitir que seja fixado um “conjunto essencial de conteúdos” que todos os alunos devem saber, em cada disciplina, no final de cada ano de escolaridade.
Na versão que esteve em consulta pública em Julho, os documentos propostos para a disciplina de Português omitiam quais as obras de Eça de Queirós que deveriam ser lidas no secundário, referindo apenas que os alunos teriam de ler um livro deste autor.
O programa da disciplina, que ainda se encontra em vigor, determina que a abordagem a Eça de Queirós, que faz parte da matéria do 11.º ano, passa pela leitura de um de dois livros: Os Maias ou a Ilustre Casa de Ramires. E é essa a prática que tem sido seguida nos últimos anos.
A Casa de Tormes é um espaço mítico da obra e da vida de Eça de Queiroz.
A supressão da obra Os Maias na versão inicial apresentada pelo ME, noticiada pelo PÚBLICO, deu origem a um coro de protestos de académicos, professores e especialistas queirosianos. Mas como o ME não tem por hábito elaborar relatórios das consultas pública que promove, não se sabe quantas propostas de alteração foram apresentadas, nem qual o seu teor.
Não foi só em relação a Eça de Queirós que o ministério recuou. Em todas as listas de leitura apresentadas agora para o 10.º, 11.º e 12.º anos, voltam a ser inscritas as obras de Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Camilo Castelo que constam do programa, mas que tinham desaparecido da versão inicial das aprendizagens essenciais, onde foram substituídas pela referência “escolher um romance” de um destes três autores. Foi o que passou também com Cesário Verde, onde se apontava apenas que seria preciso “escolher três poemas”, o que agora foi substituído pela leitura obrigatória, como tem sido a norma, do Sentimento dum Ocidental.
Na altura, a presidente da Associação de Professores de Português, Filomena Viegas, justificou esta opção, por um lado com a necessidade de diminuir o número de obras propostas para leitura e, por outro para se permitir “o alargamento das opções que podem ser tomadas pelos docentes”, a quem ficaria entregue a escolha dos livros que os alunos deveriam ler.
Também no 12.º ano o ME desistiu de retirar a abordagem ao conto, enquanto género literário. Na lista de leitura para este ano de escolaridade voltam a estar incluídos contos de Manuel da Fonseca, Maria Judite de Carvalho e Mário de Carvalho.
Num artigo de opinião escrito para o PÚBLICO, a professora da Universidade do Porto e ex-ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, chamou a atenção para o facto de a supressão do conto do programa de Português não ser "uma opção desejável, até por se tratar de um género breve que os jovens nas sociedades de hoje (…) nitidamente privilegiam como é possível constatar na blogosfera onde narrativas breves e micronarrativas ocupam lugar de relevo”.
Por fim, no que respeita ao 10.º ano, a versão definitiva das aprendizagens essenciais volta a incluir a Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, que na proposta inicial tinha sido erradicada.
II - CONSUMO: Culto: OPINIÃO: Os hidratos de carbono já passaram a ser bons outra vez?
Onde está a verdade afinal? Por norma costuma estar sempre a meio de opiniões extremadas e neste caso não foge à regra. Quem tem noções básicas de fisiologia e metabolismo e percebe o papel que os hidratos de carbono têm no nosso organismo
PÚBLICO, 2 de Setembro de 2018
A polémica nutricional que estalou nas férias de Verão foi um novo estudo que refere que afinal os hidratos de carbono já deixaram de ser maus outra vez! Também houve uma outra notícia viral sobre o óleo de coco ter sido considerado um veneno por uma professora de Harvard, algo que sendo totalmente errado e exagerado não é mais do que a confirmação do que vimos dizendo desde 2014, sobre a falta de propriedades mágicas desta gordura saturada.
Voltando ao pingue-pongue dos hidratos de carbono, este último estudo observou que o “ponto óptimo” de consumo que está associado a uma menor mortalidade até anda à volta dos 50% do valor calórico da dieta, um valor que não é propriamente baixo! Dirão os mais leigos que o ano passado por esta altura, ouviram falar noutro estudo que dizia rigorosamente o contrário, que os hidratos de carbono “são piores para a saúde do que a gordura”, algo que já mereceu o devido artigo e interpretação nesta rubrica.
Este novo estudo que seguiu cerca de 15.500 adultos norte-americanos entre os 45-64 durante 25 anos observou que existia uma relação de curva em “U” entre a ingestão de hidratos de carbono e a mortalidade. Ou seja, morreram mais indivíduos que se situavam nos extremos de consumo de hidratos de carbono (o ponto “óptimo” situou-se nos 50% das calorias da dieta). As reacções a este estudo traduzem muito daquilo que são as crenças individuais que cada um tem relativamente à alimentação, servindo o mesmo como arma de arremesso entre as diferentes “facções”.
A facção mais “paleo/low carb” apontou as falhas metodológicas do estudo cumprindo a célebre máxima “só há dois tipos de estudo: os que vão de encontro às minhas opiniões, e os que têm falhas metodológicas”. É engraçado o fenómeno que existe hoje em dia nas redes sociais que consiste em pessoas que nunca “deram uma para a caixa” a nível de produção científica, tecerem grandes dissertações sobre as limitações do estudo e os seus potenciais pontos fracos metodológicos. Se é certo que o facto de não se ter um vasto currículo académico não deve automaticamente inibir ninguém de dar a sua opinião, também é certo que existe algo que se chama “noção”. E é essa mesma falta de noção e de conhecimento de todos os morosos processos que fazem parte de um estudo desde a sua análise e tratamento de dados até à publicação final do artigo, que leva certamente a que existam muitas opiniões e comentários cheios de soberba por parte de pessoas inexistentes no mundo da investigação.
Por outro lado, a facção mais “tradicional/conservadora/antipaleo” regozijou-se porque “já andávamos a dizer isto há muito tempo”!
Onde está a verdade afinal? Por norma costuma estar sempre a meio de opiniões extremadas e neste caso não foge à regra. Quem tem noções básicas de fisiologia e metabolismo e percebe o papel que os hidratos de carbono têm no nosso organismo, sabe perfeitamente que este é o macronutriente cuja abordagem nutricional deverá ser mais variável. E porquê? Porque o seu papel é fundamentalmente energético e como tal é totalmente diferente falar de 50% da dieta com hidratos de carbono para o secretário obeso e sedentário ou para o profissional do exercício que dá três a quatro aulas por dia e no meio ainda consegue fazer o seu próprio treino. O principal problema que a interpretação dos resultados deste estudo pode causar é a ideia de que “a quantidade óptima de hidratos de carbono é 50% e ponto final”. E a este nível é importante referir um detalhe relevante nestes dados que passa pela maior ingestão de gordura e proteína animal e menor ingestão de fibra nos grupos com menor ingestão de hidratos de carbono, além de também terem uma maior percentagem de fumadores. Tudo isto é fundamental ter em conta para não se voltarem aos não muito saudosos tempos da dieta padrão da “bolacha Maria” e dos “50-30-20” (% de calorias de hidratos de carbono, gordura e proteína respectivamente).
Quem acompanha esta rubrica leva com a conversa do papel fundamental da proteína para a nossa saúde em quase todos os artigos. Fazendo um exemplo prático, se num qualquer plano alimentar for colocada uma quantidade moderada de proteína de 2g/kg, para alguém com 80kg, estamos a falar de 160g de proteína que equivalem a 640 kcal. Se num plano de 1800kcal (assumindo que a pessoa emagrecerá com este aporte calórico) acrescentarmos 50% de hidratos de carbono (900 kcal), ficamos com 260 kcal restantes, que equivalem a 29 gramas de gordura, algo que tornará o plano pouco “comestível”. Por isso, se estes famosos 50% de hidratos de carbono forem sempre assumidos como ponto de partida para um plano alimentar, existem dois potenciais problemas: ou a pessoa corre o risco de perder massa muscular porque não há espaço para a proteína necessária, ou não consegue cumprir o plano porque sem o mínimo de gordura na confecção de alimentos a sua palatibilidade fica severamente comprometida. De igual modo, se tivermos à nossa frente um atleta na véspera de um jogo ou prova longa, 50% de hidratos é um valor bastante baixo, daí que respeitar sempre o princípio da individualidade é algo fundamental.
Assim, sempre que saem estes artigos, percebe-se que a falta de literacia científica dos media os faça embarcar em alguma histeria na divulgação e extrapolação dos seus resultados. Aos profissionais de saúde já não é permitido isso. É necessário ler de facto os artigos antes de os partilhar nas redes sociais e saber colocar os resultados de cada estudo ao serviço da sua prática clínica. E já agora, deixar o seu ego e as suas crenças individuais à porta do consultório e do Facebook/Instagram também ajuda…  


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