Sim, não temos escape, a cada
passo somos confrontados com burlas do calibre da que foi feita a Joana Marques Vidal, ao que parecia, pessoa
hercúlea na sua coragem e competência para ajudar à reposição de uma Justiça que
se fora sucessivamente degradando, nos preceitos que devem estar contidos nos Tratados
de Direito. Eu até quis acreditar que sua excelência o nosso PR, desta vez não
ia falhar, todos acreditavam nas suas palavras sempre serenas e bondosas,
protelando a malandrice do golpe para o momento próprio, sem pesos na consciência,
o seu tacho preservado na brandura e ausência de ebulição. Não, não temos safa,
com os nossos condes Gouvarinho de sempre, que têm sobre os mais a limpeza da
sua roupa interior, embora o presidente Marcelo não se importe de se revelar
despido, e apenas em calção de banho. Despido de ideias, mas não de falsas
promessas, ou sugestões de solução de bom senso, segundo critérios de uma honestidade
antiga. Mas o que há é só a vacuidade farfalhuda de um exibicionismo sem
tréguas. Alberto Gonçalves não
perdoa a vigarice constante, Passos
Coelho presta homenagem à Procuradora, alguns comentaristas do primeiro
prestam-lhe o seu apoio admirativo.
I - O melhor país do mundo /premium
Os poucos que assistem à farsa com o horror
que esta merece aproveitam para se despedir do melhor país do mundo a fingir
que não é uma vergonha, nas mãos de criaturas que não têm nenhupreservado. ma.
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 22/9/18
Um destes dias, no meio das
inúmeras coisas que diz, o prof. Marcelo disse que os professores portugueses
“são dos melhores do mundo”. Aparentemente, tudo levava a crer não se tratar de
uma afirmação gratuita, já que Sua Excelência, o Senhor Presidente da
República, enumerou os critérios que a justificam: os professores portugueses são dos melhores do mundo “porque têm
esperança, porque transmitem essa esperança, porque olham para o futuro e
porque estão disponíveis”.
Por mera curiosidade, decidi
consultar os “rankings” internacionais que quantificam esses factos. Comecei
pelo “ranking” da Esperança. Não encontrei. E não encontrei qualquer dos
“rankings” restantes, mesmo após buscas demoradas no Google e buscas breves em
páginas que o pudor me impede de divulgar. Em
lado algum consegui verificar a superioridade, ou a inferioridade, dos docentes
daqui sobre os suíços ou os porto-riquenhos em matéria de Esperança,
Transmissão de Esperança, Contemplação do Futuro ou Disponibilidade. As únicas
classificações que encontrei, por exemplo as do teste PISA, colocam-nos em
lugar mediano entre os países da OCDE, o que, a confirmar-se o elevado gabarito
de quem ensina, confirmaria também a elevada estupidez de quem aprende.
Por sorte, ou azar, não se
confirma nada. E se a ausência de fundamento não significa que o desabafo do
prof. Marcelo seja mentira, indica fortemente que não é verdade. O prof. Marcelo disse o que disse como
poderia ter dito que os taxistas portugueses são dos melhores do mundo (porque,
eu sei lá, dão uma corrida às dificuldades). Ou que os picheleiros portugueses
são dos melhores do mundo (talvez porque canalizam valências transversais). Ou
que os pasteleiros portugueses são dos melhores do mundo (porque fermentam os
sonhos). Exagero? Nem tanto. Na quarta-feira, em crónica que desgraçadamente só
li depois de ter amanhado esta, o Miguel Pinheiro lembrou que o prof. Marcelo
proclamara os militares portugueses “os melhores do mundo”, aquele dr. Vitorino
“um dos melhores do mundo”, os trabalhadores do desporto, da ciência, da
educação, da literatura e das empresas “os melhores do mundo”, e que a “pátria”
em geral é “a melhor do mundo”.
Esta série de atoardas não destoa do paleio de café, não por acaso o
melhor café do mundo. Na semana passada, falei da propensão indígena para a
hipérbole patriótica. Foi, imagine-se, a propósito de um árbitro de ténis.
Poderia ter sido a propósito dos vinhos, dos polícias, dos ralis, dos rojões,
dos trombonistas, dos cardiologistas ou dos cantoneiros. Na insuspeita opinião
dos portugueses, os portugueses são os melhores do mundo no que quer que se
disponham a fazer ou a tocar. Enquanto conversa de simplórios, o exercício é
apenas ridículo. Quando reproduzido até aos confins do insuportável pelo chefe
de Estado, é mais do que ridículo, é a prova da baixíssima conta em que o chefe
de Estado leva os seus eleitores. Se se elogia toda a gente, não se revela a
mínima consideração por ninguém, e o prof. Marcelo não se limita a achar que o
“povo” engole semelhantes patranhas: sobretudo convenceu-se, se calhar com
razão, de que o povo o aprecia em função da dimensão das patranhas. Embora
esteja por apurar para que serve um presidente da República, devia ser óbvio
que não serve para isto.
E “isto” não é o pior. Apesar
de embaraçosa e primária, a obsessão de um estadista com a predilecção das massas
não seria uma calamidade caso se esgotasse nisso, ou na ocasional mudança
pública de cuecas. O problema é que a sujeição das pessoas a “afectos”
demagógicos não é um teste à popularidade do prof. Marcelo, é um teste à
credulidade das pessoas. Ou uma forma de aferir os enxovalhos que são capazes
de tolerar sem um pio.
Pelos vistos, apurou-se que toleram imenso. Inclusive toleram – vão ver
que sim – a golpada que, na sequência de malabarismos reles, enxotou Joana
Marques Vidal e concluiu a tomada do regime. Não vale a pena desperdiçar muitos
adjectivos a descrever o processo. Basta perceber que se aboliu o último
vestígio de resistência aos gangues que agora reinam em paz. O penúltimo,
aliás, chamava-se Pedro Passos Coelho e agradeceu no Observador o desempenho da
procuradora-geral. É um gesto digno, e uma implícita admissão de derrota do
autor do texto e da respectiva destinatária. Não é uma surpresa, dada a
desigualdade do combate. Porém, havia um combate. Hoje, há o silêncio das
épocas tristes. E, se quisermos imitar os professores e olhar o futuro, o
silêncio prolonga-se.
Por coincidência, ironia ou requinte de gozo, o prof. Marcelo
aproveitou a data fúnebre para se despedir de não sei o quê na universidade. Os
poucos que assistem à farsa com o horror que esta merece aproveitam para se
despedir do melhor país do mundo a fingir que não é uma vergonha, nas mãos de
criaturas que não têm nenhuma.
COMENTÁRIOS
Cipião Numantino: Pois é, segundo o nosso inefável PR, somos os
melhores do mundo em tudo. Quer dizer, os melhores do mundo
e ... arredores, que sua Excelência se olvidou de mencionar, talvez por estar
justamente nesse momento a pensar que, ele próprio, era o melhor do mundo em
tiradas da treta. Seja como for, louvo o nosso
excelentíssimo PR. Conseguir dizer tudo isto sem se
escangalhar a rir, por si só, coloca-o como o melhor PR do mundo a que eu,
subservientemente, me curvo perante Sua Exª., acrescentando e ... arredores.
Mais a sério. Por vezes fico banzado. E nem sequer descortino
se devo esfregar os olhos e ripar de cotonetes para limpar os ouvidos ou se, em
alternativa, explicito um desejo de dar com um gato MORTO nas ventas de algumas
personagens até que este desate a ... miar!!! De outra forma fico igualmente
atordoado como é que alguns dos nossos políticos falam para o povão como se
todos nós fossemos deficientes mentais ou houvéssemos sido convenientemente
trepanados numa experiência bizarra em uma qualquer ilha do Dr. Moreau. Mas
o mais curioso da tramonta é que a maioria do povão parece gostar de semelhante
paradigma. Os abraços de agradecimento parecem ser sinceros, a beijoqueira
ultra desejada e, as selfies (ai esta pulsão pelos 5 minutinhos de fama!), mais
procuradas do que notas de 500 euros que a maioria do maralhal nunca sequer
enxergou. Em síntese (desculpem-me o vernáculo), o povão gosta de ser encavado
e ainda vai beijoqueiramente agradecer a quem o faz à bruta sem vaselina ou,
pelo menos, manteiga. Reeditando o espírito de antanho, em que se dizia das
mulheres que "quanto mais me bates, mais gosto de ti".
Retiradas as correspondentes
ilações, este povo, não vive num país. Vive, isso sim, num extenso manicómio,
onde os enfermeiros e médicos ainda parecem ser mais malucos dos que os respectivos
pacientes.
Pegando no tema aflorado por AG sobre a corrida à má fila dada à Drª. Joana
Marques Vidal, vem isto na esteira do que acima eu havia já concluído.
A Senhora era incómoda. E levantou demasiadas ondas. A politicalhada
política corrupta e venal começou a espumar de raiva. Os DDT puseram-se a
tremer que nem varas verdes e todos aqueles que se habituaram à parasitagem e
calaceirice, temiam que as suas tenças e conezias poderiam ter um próximo fim.
E fizeram a folha à Senhora. A tríplice santa aliança formada pelos Drs. Costa, Rio e Marcelo, ditou a
sentença. E a Drª. Joana, quando muito, irá investigar
alguns crimes do estilo da peixeira que lhe vendeu peixe podre ou, então, a
marosca da empregada doméstica que, em vez de aspirar a casa, resolveu esconder
o lixo debaixo do tapete. Como aliás se diz em fórmula 1, foi mandada encostar
às boxes. E carrito para prosseguir a corrida, só se for uma bicicleta
pasteleira com pneus convenientemente furados, não vá a Senhora ainda meter o
bico onde não deve.
E o regime está salvo. Com o
devido respeito por um falecido, até o saudoso Marocas estará a bater palmas na
cova.
Mas há mais contemplados. Os hipócritas-mor deste reino de comédia,
beberam champanhe à fartazana. O tio Jerónimo abocanhou provavelmente um gulash
regado a vodka e, a outra hipócrita encartada, Catrineta Martins tratou talvez
de afiambrar uma boa porção de caviar regado profusamente com Moet &
Chandon, que esta gente faz gala ostentatória do seu pedigree. Talvez até ainda
tenha felicitado o Roubles, exclamando "volta que estás perdoado".
Nem a Cristas escapou. Que isto de pretender ser a consciência do
regime é só às terças, quintas e sábados e, como se sabe, o chuto na
Procuradora foi na sexta. Para igualmente comer o pessoal por parvo, mandou um
dos seus Sargentões, Telmo Correia, que tratou de debitar umas deprimentes
banalidades, no estilo "agarrem-me, que eu vou-me a eles".
E assim se vive no reino da Tugalândia. Um dia seguindo-se a outro. Na
sempre apagada e vil tristeza que já Camões havia há muito denunciado. O regime
está salvo. E tudo está bem quando acaba em bem. Que a maior parte do povão se
ph oda, ora isso, são meros peanuts. E o povo, pois então, vai continuar
sereno.Que isto é mesmo só fumaça!...
Professor Pardal: "Hoje, há o silêncio das
épocas tristes." Não tenho por costume citar uma
frase para comentar um artigo mas esta é lapidar. Porque reflecte um sentimento
real de que a impunidade continuará a reinar mas, acima de tudo, que os poderes
maiores tudo farão para que assim seja. Uma
boa noite.
Ahfan Neca: Alberto Gonçalves assina hoje mais uma das suas notáveis crónicas. De
alguma forma, consola-me saber que quando um dia os portugueses do futuro
quiserem saber quem foi o professor Marcelo e a sua obra e quem foi o senhor
Costa e a sua qualidade, irão ter que ler as crónicas de AG, uma das quais é
hoje dada ao conhecimento público. Nota-se que o país dói-lhe. Também a mim.
Alexandre Guedes
da Silva: Alberto, meu caro Alberto, o melhor Alberto do
Mundo e arredores ... Atão vomeçe na vê que isto dos
"afectos" é apenas um entretém/ um complemento que a malta junta às
bujecas e aos tremoços quando na tasca arrota e assiste à bola. O povo na é
parvo é apenas assim, simples....
Parabéns, por mais uma crónica de
chorar a rir ... ou será de rir até chorar!!!
Joaquim Carreira
Tapadinhas: O
prof.Marcelo, pessoa simpática e popularíssima, faz da sua presidência algo
parecido, embora de impacto mais alargado, com o cargo de festeiro-mor da
aldeia. Está em todo o lugar onde haja festejos e inaugurações e distribui
abraços beijos às carradas. Chuta para canto as respostas a perguntas com
alguma pertinência e responsabilidade política e está bem com Deus e com o
Diabo. Trata os assuntos profundos pela superfície e deixa correr o tempo que
trará as respostas possíveis. No fundo, se tivessmos um rei, a situação não era
diferente. Como presidente da República é pouco interveniente na vida dos
cidadãos, mas é um parceiro que está sempre disposto a participar na festa. O
pessoal, pouco exigente, gosta da sua simpatia, que é a característica que mais
aflora. Vivemos na Portulândia no seu
máximo esplendor.
II - PGR - Um agradecimento a
Joana Marques Vidal
OBSERVADOR, 20/9/2018
Não houve a decência de assumir
com transparência os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez disso,
preferiu-se a falácia da defesa de um mandato único e longo para justificar a
decisão.
Senhora
procuradora-geral da República
Dra.
Joana Marques Vidal
Agora que, sem surpresa, se assiste à decisão do senhor Presidente da
República e do Governo em a substituírem nas suas funções, não renovando o seu
mandato, é chegado o momento de lhe prestar tributo público de reconhecimento e
admiração pelo mandato ímpar que desempenhou à frente da Procuradoria-Geral da República.
Nestes anos de mandato, que a Constituição determina poder ser
renovável, entendeu quem pode que a senhora procuradora deveria ser
substituída. Não houve, infelizmente, a decência de assumir com transparência
os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez disso, preferiu-se a
falácia da defesa de um mandato único e longo para justificar a decisão. Uma
vez que, como referi, a Constituição não contém tal preceito, e é público que
um preceito desta natureza, há anos defendido pelo Partido Socialista, foi
recusado em termos de revisão constitucional, sobra claro que a vontade de a
substituir resulta de outros motivos que ficaram escondidos.
É pena que seja assim. Mas, senhora procuradora, não sai a senhora
beliscada por tal situação. Desempenhou o seu mandato com total independência,
sem que ninguém de boa fé possa lançar a suspeição de que tenha feito por
agradar a quem pode para poder ser reconduzida — afinal, o argumento
invocado para defender o mandato único e longo. Pelo contrário, a sra. procuradora
exerceu o seu mandato com resultados que me atrevo a considerar de
singularmente relevantes na nossa história democrática. Num tempo em que,
infelizmente, tantas vezes se suspeita, não sem fundadas razões, da efectiva
realização da autonomia e independência de muitas instâncias dos poderes
públicos, incluindo a área da justiça, a senhora procuradora inspirou confiança
e representou uma grande lufada de ar fresco pelo modo como conseguiu conduzir
a acção penal pelo corpo do Ministério Público. Poucos, até há alguns anos,
acreditavam que realmente fosse possível garantir de facto, que não na letra da
lei e nos discursos, uma acção penal que não distinguisse entre alguns
privilegiados e os restantes portugueses. No termo deste seu mandato, são sem
dúvida mais os que acreditam que se pode fazer a diferença e marcar um reduto
de integridade e independência, onde as influências partidárias ou as
movimentações discretas de pessoas privilegiadas na sociedade esbarram e não
logram sucesso. Tendo presente que esse ideal de justiça, associado à exigência
de liberdade e de responsabilidade, se sobrepõe, sobremaneira, a muitos outros
valores e aspectos práticos nas sociedades democráticas, parece reconfortante
verificar que o seu contributo para a credibilização das instituições
democráticas foi enorme e digno de apreço e de estima.
Bem sei que não há ninguém insubstituível e que a sua humildade o
reconhece com absoluto desprendimento. Não era, de resto, a si que deveria ter
cabido a acção de defesa e reconhecimento de que é inteiramente merecedora.
Menos compreensível é que quem pode e deve ser consequente nesse reconhecimento
não esteja interessado em fazê-lo, com benefício para Portugal.
Como ex-primeiro-ministro que propôs a sua nomeação, quero prestar-lhe
público reconhecimento pela acção extraordinária que desenvolveu no topo da
hierarquia do Ministério Público. Como português quero sobretudo expressar a
minha gratidão por ter elevado a acção da Procuradoria a um novo e relevante
patamar de prestígio público. Muito obrigado, senhora dra. Joana Marques Vidal.
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