sábado, 22 de setembro de 2018

Desilusão prevista


Sim, não temos escape, a cada passo somos confrontados com burlas do calibre da que foi feita a Joana Marques Vidal, ao que parecia, pessoa hercúlea na sua coragem e competência para ajudar à reposição de uma Justiça que se fora sucessivamente degradando, nos preceitos que devem estar contidos nos Tratados de Direito. Eu até quis acreditar que sua excelência o nosso PR, desta vez não ia falhar, todos acreditavam nas suas palavras sempre serenas e bondosas, protelando a malandrice do golpe para o momento próprio, sem pesos na consciência, o seu tacho preservado na brandura e ausência de ebulição. Não, não temos safa, com os nossos condes Gouvarinho de sempre, que têm sobre os mais a limpeza da sua roupa interior, embora o presidente Marcelo não se importe de se revelar despido, e apenas em calção de banho. Despido de ideias, mas não de falsas promessas, ou sugestões de solução de bom senso, segundo critérios de uma honestidade antiga. Mas o que há é só a vacuidade farfalhuda de um exibicionismo sem tréguas. Alberto Gonçalves não perdoa a vigarice constante, Passos Coelho presta homenagem à Procuradora, alguns comentaristas do primeiro prestam-lhe o seu apoio admirativo.
I - O melhor país do mundo /premium
Os poucos que assistem à farsa com o horror que esta merece aproveitam para se despedir do melhor país do mundo a fingir que não é uma vergonha, nas mãos de criaturas que não têm nenhupreservado. ma.
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 22/9/18
Um destes dias, no meio das inúmeras coisas que diz, o prof. Marcelo disse que os professores portugueses “são dos melhores do mundo”. Aparentemente, tudo levava a crer não se tratar de uma afirmação gratuita, já que Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, enumerou os critérios que a justificam: os professores portugueses são dos melhores do mundo “porque têm esperança, porque transmitem essa esperança, porque olham para o futuro e porque estão disponíveis”.
Por mera curiosidade, decidi consultar os “rankings” internacionais que quantificam esses factos. Comecei pelo “ranking” da Esperança. Não encontrei. E não encontrei qualquer dos “rankings” restantes, mesmo após buscas demoradas no Google e buscas breves em páginas que o pudor me impede de divulgar. Em lado algum consegui verificar a superioridade, ou a inferioridade, dos docentes daqui sobre os suíços ou os porto-riquenhos em matéria de Esperança, Transmissão de Esperança, Contemplação do Futuro ou Disponibilidade. As únicas classificações que encontrei, por exemplo as do teste PISA, colocam-nos em lugar mediano entre os países da OCDE, o que, a confirmar-se o elevado gabarito de quem ensina, confirmaria também a elevada estupidez de quem aprende.
Por sorte, ou azar, não se confirma nada. E se a ausência de fundamento não significa que o desabafo do prof. Marcelo seja mentira, indica fortemente que não é verdade. O prof. Marcelo disse o que disse como poderia ter dito que os taxistas portugueses são dos melhores do mundo (porque, eu sei lá, dão uma corrida às dificuldades). Ou que os picheleiros portugueses são dos melhores do mundo (talvez porque canalizam valências transversais). Ou que os pasteleiros portugueses são dos melhores do mundo (porque fermentam os sonhos). Exagero? Nem tanto. Na quarta-feira, em crónica que desgraçadamente só li depois de ter amanhado esta, o Miguel Pinheiro lembrou que o prof. Marcelo proclamara os militares portugueses “os melhores do mundo”, aquele dr. Vitorino “um dos melhores do mundo”, os trabalhadores do desporto, da ciência, da educação, da literatura e das empresas “os melhores do mundo”, e que a “pátria” em geral é “a melhor do mundo”.
Esta série de atoardas não destoa do paleio de café, não por acaso o melhor café do mundo. Na semana passada, falei da propensão indígena para a hipérbole patriótica. Foi, imagine-se, a propósito de um árbitro de ténis. Poderia ter sido a propósito dos vinhos, dos polícias, dos ralis, dos rojões, dos trombonistas, dos cardiologistas ou dos cantoneiros. Na insuspeita opinião dos portugueses, os portugueses são os melhores do mundo no que quer que se disponham a fazer ou a tocar. Enquanto conversa de simplórios, o exercício é apenas ridículo. Quando reproduzido até aos confins do insuportável pelo chefe de Estado, é mais do que ridículo, é a prova da baixíssima conta em que o chefe de Estado leva os seus eleitores. Se se elogia toda a gente, não se revela a mínima consideração por ninguém, e o prof. Marcelo não se limita a achar que o “povo” engole semelhantes patranhas: sobretudo convenceu-se, se calhar com razão, de que o povo o aprecia em função da dimensão das patranhas. Embora esteja por apurar para que serve um presidente da República, devia ser óbvio que não serve para isto.
E “isto” não é o pior. Apesar de embaraçosa e primária, a obsessão de um estadista com a predilecção das massas não seria uma calamidade caso se esgotasse nisso, ou na ocasional mudança pública de cuecas. O problema é que a sujeição das pessoas a “afectos” demagógicos não é um teste à popularidade do prof. Marcelo, é um teste à credulidade das pessoas. Ou uma forma de aferir os enxovalhos que são capazes de tolerar sem um pio.
Pelos vistos, apurou-se que toleram imenso. Inclusive toleram – vão ver que sim – a golpada que, na sequência de malabarismos reles, enxotou Joana Marques Vidal e concluiu a tomada do regime. Não vale a pena desperdiçar muitos adjectivos a descrever o processo. Basta perceber que se aboliu o último vestígio de resistência aos gangues que agora reinam em paz. O penúltimo, aliás, chamava-se Pedro Passos Coelho e agradeceu no Observador o desempenho da procuradora-geral. É um gesto digno, e uma implícita admissão de derrota do autor do texto e da respectiva destinatária. Não é uma surpresa, dada a desigualdade do combate. Porém, havia um combate. Hoje, há o silêncio das épocas tristes. E, se quisermos imitar os professores e olhar o futuro, o silêncio prolonga-se.
Por coincidência, ironia ou requinte de gozo, o prof. Marcelo aproveitou a data fúnebre para se despedir de não sei o quê na universidade. Os poucos que assistem à farsa com o horror que esta merece aproveitam para se despedir do melhor país do mundo a fingir que não é uma vergonha, nas mãos de criaturas que não têm nenhuma.
COMENTÁRIOS
Cipião Numantino: Pois é, segundo o nosso inefável PR, somos os melhores do mundo em tudo. Quer dizer, os melhores do mundo e ... arredores, que sua Excelência se olvidou de mencionar, talvez por estar justamente nesse momento a pensar que, ele próprio, era o melhor do mundo em tiradas da treta. Seja como for, louvo o nosso excelentíssimo PR. Conseguir dizer tudo isto sem se escangalhar a rir, por si só, coloca-o como o melhor PR do mundo a que eu, subservientemente, me curvo perante Sua Exª., acrescentando e ... arredores.
Mais a sério. Por vezes fico banzado. E nem sequer descortino se devo esfregar os olhos e ripar de cotonetes para limpar os ouvidos ou se, em alternativa, explicito um desejo de dar com um gato MORTO nas ventas de algumas personagens até que este desate a ... miar!!! De outra forma fico igualmente atordoado como é que alguns dos nossos políticos falam para o povão como se todos nós fossemos deficientes mentais ou houvéssemos sido convenientemente trepanados numa experiência bizarra  em uma qualquer ilha do Dr. Moreau. Mas o mais curioso da tramonta é que a maioria do povão parece gostar de semelhante paradigma. Os abraços de agradecimento parecem ser sinceros, a beijoqueira ultra desejada e, as selfies (ai esta pulsão pelos 5 minutinhos de fama!), mais procuradas do que notas de 500 euros que a maioria do maralhal nunca sequer enxergou. Em síntese (desculpem-me o vernáculo), o povão gosta de ser encavado e ainda vai beijoqueiramente agradecer a quem o faz à bruta sem vaselina ou, pelo menos, manteiga. Reeditando o espírito de antanho, em que se dizia das mulheres que "quanto mais me bates, mais gosto de ti".
Retiradas as correspondentes ilações, este povo, não vive num país. Vive, isso sim, num extenso manicómio, onde os enfermeiros e médicos ainda parecem ser mais malucos dos que os respectivos pacientes.
Pegando no tema aflorado por AG sobre a corrida à má fila dada à Drª. Joana Marques Vidal, vem isto na esteira do que acima eu havia já concluído.
A Senhora era incómoda. E levantou demasiadas ondas. A politicalhada política corrupta e venal começou a espumar de raiva. Os DDT puseram-se a tremer que nem varas verdes e todos aqueles que se habituaram à parasitagem e calaceirice, temiam que as suas tenças e conezias poderiam ter um próximo fim.
E fizeram a folha à Senhora. A tríplice santa aliança formada pelos Drs. Costa, Rio e Marcelo, ditou a sentença. E a Drª. Joana, quando muito, irá investigar alguns crimes do estilo da peixeira que lhe vendeu peixe podre ou, então, a marosca da empregada doméstica que, em vez de aspirar a casa, resolveu esconder o lixo debaixo do tapete. Como aliás se diz em fórmula 1, foi mandada encostar às boxes. E carrito para prosseguir a corrida, só se for uma bicicleta pasteleira com pneus convenientemente furados, não vá a Senhora ainda meter o bico onde não deve.
E o regime está salvo. Com o devido respeito por um falecido, até o saudoso Marocas estará a bater palmas na cova.
Mas há mais contemplados. Os hipócritas-mor deste reino de comédia, beberam champanhe à fartazana. O tio Jerónimo abocanhou provavelmente um gulash regado a vodka e, a outra hipócrita encartada, Catrineta Martins tratou talvez de afiambrar uma boa porção de caviar regado profusamente com Moet & Chandon, que esta gente faz gala ostentatória do seu pedigree. Talvez até ainda tenha felicitado o Roubles, exclamando "volta que estás perdoado".
Nem a Cristas escapou. Que isto de pretender ser a consciência do regime é só às terças, quintas e sábados e, como se sabe, o chuto na Procuradora foi na sexta. Para igualmente comer o pessoal por parvo, mandou um dos seus Sargentões, Telmo Correia, que tratou de debitar umas deprimentes banalidades, no estilo "agarrem-me, que eu vou-me a eles".
E assim se vive no reino da Tugalândia. Um dia seguindo-se a outro. Na sempre apagada e vil tristeza que já Camões havia há muito denunciado. O regime está salvo. E tudo está bem quando acaba em bem. Que a maior parte do povão se ph oda, ora isso, são meros peanuts. E o povo, pois então, vai continuar sereno.Que isto é mesmo só fumaça!...
Professor Pardal: "Hoje, há o silêncio das épocas tristes." Não tenho por costume citar uma frase para comentar um artigo mas esta é lapidar. Porque reflecte um sentimento real de que a impunidade continuará a reinar mas, acima de tudo, que os poderes maiores tudo farão para que assim seja.  Uma boa noite.
Ahfan Neca: Alberto Gonçalves assina hoje mais uma das suas notáveis crónicas. De alguma forma, consola-me saber que quando um dia os portugueses do futuro quiserem saber quem foi o professor Marcelo e a sua obra e quem foi o senhor Costa e a sua qualidade, irão ter que ler as crónicas de AG, uma das quais é hoje dada ao conhecimento público. Nota-se que o país dói-lhe. Também a mim.
Alexandre Guedes da Silva: Alberto,  meu caro Alberto, o melhor Alberto do Mundo e arredores ... Atão vomeçe na vê que isto dos "afectos" é apenas um entretém/ um complemento que a malta junta às bujecas e aos tremoços quando na tasca arrota e assiste à bola. O povo na é parvo é apenas assim, simples....
Parabéns, por mais uma crónica de chorar a rir ... ou será de rir até chorar!!!
Joaquim Carreira Tapadinhas: O prof.Marcelo, pessoa simpática e popularíssima, faz da sua presidência algo parecido, embora de impacto mais alargado, com o cargo de festeiro-mor da aldeia. Está em todo o lugar onde haja festejos e inaugurações e distribui abraços beijos às carradas. Chuta para canto as respostas a perguntas com alguma pertinência e responsabilidade política e está bem com Deus e com o Diabo. Trata os assuntos profundos pela superfície e deixa correr o tempo que trará as respostas possíveis. No fundo, se tivessmos um rei, a situação não era diferente. Como presidente da República é pouco interveniente na vida dos cidadãos, mas é um parceiro que está sempre disposto a participar na festa. O pessoal, pouco exigente, gosta da sua simpatia, que é a característica que mais aflora. Vivemos na Portulândia no seu máximo esplendor.
II - PGR - Um agradecimento a Joana Marques Vidal
OBSERVADOR, 20/9/2018
Não houve a decência de assumir com transparência os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez disso, preferiu-se a falácia da defesa de um mandato único e longo para justificar a decisão.
Senhora procuradora-geral da República
Dra. Joana Marques Vidal
Agora que, sem surpresa, se assiste à decisão do senhor Presidente da República e do Governo em a substituírem nas suas funções, não renovando o seu mandato, é chegado o momento de lhe prestar tributo público de reconhecimento e admiração pelo mandato ímpar que desempenhou à frente da Procuradoria-Geral da República.
Nestes anos de mandato, que a Constituição determina poder ser renovável, entendeu quem pode que a senhora procuradora deveria ser substituída. Não houve, infelizmente, a decência de assumir com transparência os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez disso, preferiu-se a falácia da defesa de um mandato único e longo para justificar a decisão. Uma vez que, como referi, a Constituição não contém tal preceito, e é público que um preceito desta natureza, há anos defendido pelo Partido Socialista, foi recusado em termos de revisão constitucional, sobra claro que a vontade de a substituir resulta de outros motivos que ficaram escondidos.
É pena que seja assim. Mas, senhora procuradora, não sai a senhora beliscada por tal situação. Desempenhou o seu mandato com total independência, sem que ninguém de boa fé possa lançar a suspeição de que tenha feito por agradar a quem pode para poder ser reconduzida — afinal, o argumento invocado para defender o mandato único e longo. Pelo contrário, a sra. procuradora exerceu o seu mandato com resultados que me atrevo a considerar de singularmente relevantes na nossa história democrática. Num tempo em que, infelizmente, tantas vezes se suspeita, não sem fundadas razões, da efectiva realização da autonomia e independência de muitas instâncias dos poderes públicos, incluindo a área da justiça, a senhora procuradora inspirou confiança e representou uma grande lufada de ar fresco pelo modo como conseguiu conduzir a acção penal pelo corpo do Ministério Público. Poucos, até há alguns anos, acreditavam que realmente fosse possível garantir de facto, que não na letra da lei e nos discursos, uma acção penal que não distinguisse entre alguns privilegiados e os restantes portugueses. No termo deste seu mandato, são sem dúvida mais os que acreditam que se pode fazer a diferença e marcar um reduto de integridade e independência, onde as influências partidárias ou as movimentações discretas de pessoas privilegiadas na sociedade esbarram e não logram sucesso. Tendo presente que esse ideal de justiça, associado à exigência de liberdade e de responsabilidade, se sobrepõe, sobremaneira, a muitos outros valores e aspectos práticos nas sociedades democráticas, parece reconfortante verificar que o seu contributo para a credibilização das instituições democráticas foi enorme e digno de apreço e de estima.
Bem sei que não há ninguém insubstituível e que a sua humildade o reconhece com absoluto desprendimento. Não era, de resto, a si que deveria ter cabido a acção de defesa e reconhecimento de que é inteiramente merecedora. Menos compreensível é que quem pode e deve ser consequente nesse reconhecimento não esteja interessado em fazê-lo, com benefício para Portugal.
Como ex-primeiro-ministro que propôs a sua nomeação, quero prestar-lhe público reconhecimento pela acção extraordinária que desenvolveu no topo da hierarquia do Ministério Público. Como português quero sobretudo expressar a minha gratidão por ter elevado a acção da Procuradoria a um novo e relevante patamar de prestígio público. Muito obrigado, senhora dra. Joana Marques Vidal.

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