Não, não mais a canção da Milu,
dos tempos nevoentos e salazarentos que Miguel
Sousa Tavares descreve com tanto arreganho no seu livro “Cebola
crua com sal e broa”, mas cujo
sentido limitativo de ambição ainda se mantém em certos contextos de um
saudosismo trocista em “A minha casinha”
dos Xutos
e Pontapés”. Trata-se, sim, de toda uma polémica bem descrita por José
Manuel Fernandes, a respeito da política de aluguer de casas proveniente
do aumento do turismo e da saliência que nela toma o Bloco de Esquerda e ultimamente, ao que parece, Rui Rio. O texto e os comentários ajudam
a esclarecer. Eu apenas presto homenagem à Milu
da nossa adolescência sonhadora, e aos
Xutos e Pontapés cuja versão truncada
foi igualmente um achado como caricatura de um povo mísero e sensível.
A minha
casinha
MILU
Que
saudades eu já tinha
da minha alegre casinha
tão modesta como eu.
Como é bom, meu Deus, morar
assim num primeiro andar
a contar vindo do céu
da minha alegre casinha
tão modesta como eu.
Como é bom, meu Deus, morar
assim num primeiro andar
a contar vindo do céu
O
meu quarto lembra um ninho
e o seu tecto é tão baixinho
que eu, ao ir para me deitar,
abro a porta em tom discreto,
digo sempre: «Senhor tecto,
por favor deixe-me entrar.»
e o seu tecto é tão baixinho
que eu, ao ir para me deitar,
abro a porta em tom discreto,
digo sempre: «Senhor tecto,
por favor deixe-me entrar.»
Tudo
podem ter os nobres
ou os ricos de algum dia,
mas quase sempre o lar dos pobres
tem mais alegria.
ou os ricos de algum dia,
mas quase sempre o lar dos pobres
tem mais alegria.
De
manhã salto da cama
e ao som dos pregões de Alfama
trato de me levantar,
porque o sol, meu namorado,
rompe as frestas no telhado
e a sorrir vem-me acordar.
e ao som dos pregões de Alfama
trato de me levantar,
porque o sol, meu namorado,
rompe as frestas no telhado
e a sorrir vem-me acordar.
Corro
então toda ladina
na casa pequenina,
bem dizendo, eu sou cristão,
“deitar cedo e cedo erguer
dá saude e faz crescer”
diz o povo e tem razão.
na casa pequenina,
bem dizendo, eu sou cristão,
“deitar cedo e cedo erguer
dá saude e faz crescer”
diz o povo e tem razão.
Tudo
podem ter os nobres
ou os ricos de algum dia,
mas quase sempre o lar dos pobres
tem mais alegria.
ou os ricos de algum dia,
mas quase sempre o lar dos pobres
tem mais alegria.
Letra de
João Silva Tavares
Robles, Catarina, Rio – a mesma
luta /premium
OBSERVADOR, 12/9/2018
Não interessa perceber como funciona o mercado ou como melhorá-lo.
Ao Bloco (e aparentemente também a Rio) só importa o discurso moralista e a
aposta no preconceito contra quem faz bons investimentos.
“Um casal jovem que queira casar
e comprar casa está a ser empurrado para a periferia por causa da especulação
imobiliária”.
Não sei se as palavras eram exactamente estas, mas a ideia era. Para
lançar o debate entre os ouvintes de uma rádio sobre a “taxa Robles”, o
moderador tratou de colocar no cadafalso a especulação imobiliária que atira os
jovens para os subúrbios. Isto para além das malfeitorias de quem arrenda
quartos a estudantes por preços proibitivos.
É assim que, em Portugal, se
começa um debate: virando a realidade do avesso, misturando tudo no mesmo saco
e acrescentando-lhe ainda um toque sentimental. A seguir é difícil ser racional
e equilibrado.
Os jovens não começaram a ser atirados para os subúrbios de Lisboa
com a chamada “lei Cristas” que (finalmente) permitiu que voltasse a haver
mercado de arrendamento urbano. Começaram a sair precisamente porque não havia
mercado de arrendamento nem reabilitação urbana.
Acontece porém que eu tenho idade suficiente para saber que os jovens
não começaram a ser atirados para os subúrbios de Lisboa com a chamada “lei
Cristas” que (finalmente) permitiu que voltasse a haver mercado de arrendamento
urbano. Não sendo tão antigo para ir até aos primórdios do congelamento das
rendas – que tem, em Lisboa, um século de existência e nasceu ainda no tempo da
I República –, sou suficientemente antigo para me recordar de uma cidade
onde vivia muito mais gente e, sobretudo, muitos mais jovens do que hoje. E por
me lembrar dessa cidade sei, até porque foi uma experiência vivida por muitos
da minha geração, que a expulsão para as periferias é muito anterior à malvada
da especulação imobiliária.
Basta olhar para os números dos Censos da População e comparar o que
era a Lisboa de 1981 (com 808 mil habitantes) com a Lisboa do último censo, o
de 2011, anterior à tal “lei Cristas”, altura em que já só viviam na capital
548 mil habitantes. Menos 260 mil. Sem surpresa, era também uma cidade muito
mais envelhecida, pois tinha perdido 56% dos seus habitantes com menos de 15
anos e 48% dos que têm entre 15 e 30 anos. Só no escalão etário dos com mais de
60 anos é que Lisboa conservava, em 2011, sensivelmente o mesmo número de
habitantes que tivera em 1981.
Isto significa que, nessas três décadas, a cidade capital perdeu um
terço dos seus habitantes, mesmo tendo ganho muitos bairros novos, da Expo a
Telheiras passando pela Alta de Lisboa ou pela urbanização do Restelo. Bairros onde, como todos sabem, sempre foi
quase impossível encontrar uma casa para alugar – só mesmo para comprar.
Entretanto o casco antigo da
cidade ia caindo de podre. Os velhos que o habitavam iam morrendo, os
proprietários raramente tinham condições para fazer obras de reabilitação e os
mais novos ainda mais raramente achavam chique vir viver para casas meio
arruinadas.
Quando existe uma situação destas, de alta súbita do custo da
habitação, a melhor solução é permitir que a oferta equilibre a procura para
assim estabilizar os preços. E os poderes públicos podem ajudar a que isso
aconteça.
Tudo isso começou a mudar há meia
dúzia de anos com o impulso do turismo e o início do regresso do mercado de
arrendamento possibilitado pela tal “lei Cristas”. Os bairros podres de Lisboa começaram a deixar de estar podres e
voltaram a estar na moda. Só que entretanto também surgira a realidade do
alojamento local e, se o dinheiro dos turistas (e de investidores
internacionais) permitiu um ritmo de reabilitação urbana que nem os mais
optimistas julgaram alguma vez possível, a verdade é que mesmo assim a procura
fez disparar os preços. Fizeram-se
alguns grandes negócios – o próprio António Costa
fez um na Rua do Sol ao Rato, o agora famoso Ricardo
Robles não chegou a fazer o seu em Alfama.
Quando existe uma situação destas a melhor solução é permitir que a
oferta equilibre a procura para estabilizar os preços. Os poderes públicos
podem ajudar a que isso aconteça de forma directa – colocando eles mesmos
habitações no mercado, tarefa em que têm sido sobejamente ineficientes – ou de
forma indirecta – facilitando o licenciamento e o investimento privado, no
fundo não atrapalhando quem quer apostar no crescimento e no futuro do país.
Infelizmente as Mortáguas e as
Catarinas desta terra sabem que Portugal continua a ser o da última estrofe dos
Lusíadas, um país onde a inveja vale mais do que o exemplo. Vai daí saíram-se primeiro com o famoso
“imposto Mortágua” que, se bem que mitigado” foi por diante: para elas o mal está mesmo em haver ricos,
nunca esteve em existirem pobres. Agora, que necessitavam de qualquer coisa
vistosa para mostrarem ao povo como ideia sua na elaboração do Orçamento,
inventaram a “taxa Robles”.
Infelizmente as Mortáguas e as
Catarinas desta terra sabem que Portugal continua a ser o da última estrofe dos
Lusíadas, um país onde a inveja vale mais do que o exemplo.
Tudo está mal na ideia, a começar por pensar que um imposto que, nas
condições actuais, já pode chegar praticamente aos 50%, ainda pode subir mais.
Quando se chega a estes valores demenciais ou o dinheiro se vai embora
(como aconteceu em França, lembram-se?) ou o preço ainda aumenta mais para
compensar o que se perde para o Estado.
Depois, se eventualmente estivermos perante uma “falha de mercado” que
faz inflacionar os preços, o pior remédio será sempre acrescentar taxas e
taxinhas discricionárias, pois isso só acentuará as distorções já existentes,
criando sempre efeitos perversos imprevisíveis.
Por fim é difícil imaginar regras objectivas para a aplicação de uma
tal taxa – tão difícil como seria ter criado o fenecido “IMI das vistas”. Um
bom exemplo de como a ideia propícia o disparate, e o disparate ainda maior,
foi ver como reagiu o líder do PSD, Rui Rio: “Efetivamente, uma coisa é comprarmos e
mantermos durante ‘x’ tempo e outra coisa é andarmos a comprar e a vender todos
os dias só para gerar uma mais-valia meramente artificial”.
Mas em que mundo viverá este senhor? De facto as famílias não
gostam de mudar de casa todos os anos, mas quem vive do mercado imobiliário
vive de comprar e vender casas o mais depressa possível. Nisso não é diferente
de um comerciante de bananas ou hortaliças. É um negócio onde às vezes se ganha
muito, mas onde também se pode perder muito (se têm dúvidas olhem para o que os
bancos perderam nesta área), pelo que se queremos continuar a ter investimento
e, com investimento, a ter mais oferta que faça baixar o preço final das
habitações, então temos de ter regras estáveis e não acrescentar riscos
políticos a um negócio que já por si tem muito risco.
Rui Rio, não lhe ficando bem
vituperar os empresários como fazem as Catarinas e as Mortáguas, faz
malabarismos para mostrar que é um político tão diferente, tão diferente, que
até é capaz de dar uma mão aos seus disparates.
É contudo deste tipo de massa que
se faz o populismo – Mariana Mortágua, ao mesmo tempo que se deixa fotografar
pelo Expresso com uma caríssima caneta Mont Blanc entre os dedos, vitupera os
ricos; Rui Rio, não lhe ficando bem vituperar os empresários, faz malabarismos
para mostrar que é um político tão diferente, tão diferente, que até ultrapassa
António Costa pela esquerda. E este, naturalmente, sorri com a
irresponsabilidade alheia, pois sabe muito bem que o “seu”
crescimento e o “seu” emprego são filhos do boom turístico e imobiliário e só
um suicida matava a galinha dos ovos de ouro em ano de eleições. É por isso de
resto que tem protegido a “lei Cristas” dos ataques mais descabelados da
geringonça, ao mesmo tempo que não perde uma oportunidade para também ele ser
populista e chamar-lhe “lei dos despejos”.
A nossa desgraça é que muito disto é feito sem o necessário
escrutínio e sem que se pare um minuto para pensar – e por isso mesmo regresso
ao lancinante lançamento do debate radiofónico que pude seguir. É que nele,
recordo, também se chorava a subida do preço dos quartos para os estudantes
que vêm estudar para Lisboa e para o Porto falando apenas de especulação (neste
caso especulação de pobrezinhos, pois estamos a falar sobretudo de subalugueres
de partes de casa).
Contudo, se pensarmos um bocadinho, este é de novo um mercado que
sofreu uma alteração radical nos últimos anos com a chegada de um número
crescente de estudantes estrangeiros, sobretudo por via do programa Erasmus. Em
Lisboa estima-se que mais de 10% dos estudantes universitários já sejam
estrangeiros, enquanto no país todo, em 2015/16, já se contabilizavam mais de
33 mil estudantes estrangeiros. Vindo boa parte deles de países com mais poder
de compra, que esperavam os nossos Dom Quixotes da especulação imobiliária? Que
os preços baixassem?
Haja bom senso. Procure-se
melhorar a oferta. Pegue o Estado no património que tem abandonado e coloque-o
no mercado a preços controlados. E sobretudo pense-se antes de se falar –
evita muito dislate e até é um serviço público.
COMENTÁRIOS:
Carlos Pereira: Será que estes iluminados do BE e do Rui Rio
não vê que quanto mais taxas e taxinhas acrescentar á compra e venda de
casas só faz aumentar o preço.
Se invisto 100, o estado leva 40 e eu quero ganhar 30 tenho que vender
por 170, mas se o Estado levar 60 tenho que vender por 190.
Será que ninguém percebe isto???????????
Pedro Carraxis: Tenho de felicitá-lo, José Manuel
Fernandes, pelo seu artigo, que subscrevo. Creio que tocou nos pontos
essenciais do problema, um dos quais, o abandono a que se encontravam as baixas
das nossas principais cidades, porque há mais de 25 anos que se começou a viver
nas periferias.
A especulação é uma palavra muito usada e muitas vezes mal conotada. A
especulação nem sempre é uma coisa má, especialmente se nos fizer ganhar
dinheiro porque arriscámos num ou outro negócio, imobiliário ou não. O problema
em Portugal é quando os outros ganham dinheiro com os negócios. A INVEJA que
nos caracteriza e nos destrói ao mesmo tempo, pois não nos deixa evoluir….. a
origem disso como sabemos é longa e assenta em valores que carregamos no DNA
quando estamos cá dentro, porque se fizermos fortuna lá fora a coisa já é
diferente. Não me quero alongar nem desviar do assunto. Parabéns pelo seu
trabalho e isenção, que nos tempo que correm é difícil, exceto por aqui neste
jornal.
Pedro Silveira: Mais um excelente comentário de JMF.
Lembro-me bem de há não muito tempo os senhorios terem de baixar as rendas para
os inquilinos não deixarem os locados. Agora que há concorrência no mercado,
atacam-se os senhorios por finalmente estarem a tirar rendimentos dos seus
imóveis, relativamente aos quais pagam impostos caríssimos. Quem quer viver no
centro das cidades, comprar um carro acima da média ou frequentar restaurantes
caros tem que pagar por isso. Viver na periferia não é nenhuma vergonha.
Joaquim Moreira: Afinal
a lata, não é só desta corja socialista que assaltou o poder em 2015. A lata é
também dos que se "apressaram" a julgar Rui Rio e vêm agora dizer
que, "Rio já se desdisse e que afinal o que vai propor está nas
antípodas". Como não deve ser por falta de inteligência, é, no mínimo, por
falta de coerência. Mas, estou convencido que é muito pior, é mesmo sectarismo
primário, dos que aproveitam qualquer “sinal” para dizer mal, do “inimigo” ou
do alvo a abater. Exactamente o mesmo método que, a esquerda que está agora no
poder, usou para destruir Pedro Passos Coelho.
Tuga Dos Tuga: Meu caro o preço das casas subiu porque
houve muitos estrangeiros que vieram lavar o dinheiro a Portugal por via dos
vistos Gold. Portugal não é só Lisboa os jovens tem muito por onde
escolher
Jorge Rodrigues: E feio Sr.
J.M.Fernandes vir associar Rui Rio às Catarinas e Mortáguas. Rio foi sério
naquilo que disse, e fundamentou, equiparando o procedimento dos especuladores
imobiliários (compram hoje para vender daqui a 1 mês pelo dobro ou triplo ou
mais) aos especuladores bolsistas, mas vc, como Costista disfarçado que é, não
perde uma oportunidade...
Eduardo Batista: O coletivismo é uma moeda com duas faces:
de um lado o catolicismo do outro o comunismo. A cultura coletivista não é um
bom ambiente para que a lei da oferta e da procura respire livremente. A inveja
e a glorificação dos pobres andam sempre de mão dada.
Minha Casinha
As saudades que eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Meu deus como é bom morar
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu
As saudades que eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Tão modesta quanto eu
Meu deus como é bom morar
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu
As saudades que eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Meu deus como é bom morar
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu
La ra la la la la la la
La ra la la la la la la
La ra la la la la la la
Instrumental
As saudades que eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu.
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu.
Meu Deus como é bom morar
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu.
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu.
Do céu
Do céu
Do céu
Do céu
Do céu
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