segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Impostos, estilística e arvoredo citadino



Tudo isso em função da criatividade e do espírito crítico de Bagão Félix, que após nos presentear com uma lição de economia na apreciação das propostas orçamentais do buliçoso bloco da esquerda, ou do PSD sob a orientação atribulada de Rui Rio, nos fornece exemplos linguísticos da sua lavra, provando a limpidez do seu pensamento satírico em função da criatividade linguística, segundo a trilogia camoniana do “honesto estudo, longa experiência, engenho” da égide camoniana e também sua.

Imposto Riobles à pressão
Por favor, deixem de brincar aos impostos sobre os joelhos e não estilhacem mais o nosso já tão instável sistema fiscal.
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
PÚBLICO, 21 de Setembro de 2018
A imaginação tributária é fértil. O BE está a evidenciar uma atracção fatal por mais impostos e taxas. Tanto que até se lhes apensa o nome do autor ou do causador, chame-se Mortágua, Robles ou outro.
Desta vez, por causa da especulação imobiliária, de cujos contornos e magnitude se queixa, até com justificada preocupação.
A primeira e fundamental função dos impostos é a de possibilitar ao Estado ter receitas que lhe permitam fazer face às despesas, pelo que é nestas que deve residir a base da discussão do volume e pressão fiscais. A segunda é a de contribuir para uma mais justa e equitativa redistribuição do rendimento nacional.
Por outro lado, e em maior ou menor grau, todos os impostos são distorcedores no sentido de que tendem a alterar comportamentos dos agentes económicos. Mas nem todas essas distorções são indesejáveis, principalmente quando os mercados geram soluções económicas e sociais muito ineficientes ou inequitativas. Nestes casos, os impostos podem ser utilizados para induzir mais eficiência (uma tributação correctiva através de impostos intencionalmente distorcedores, também chamados pigouvianos), não só permitindo gerar receita fiscal, como melhorar a eficiência na afectação de recursos. É o caso de tributação que procura reduzir os efeitos de uma externalidade negativa, quando o consumo ou produção realizados por alguém afectam significativamente o bem-estar de outrem sem que esse efeito seja transmitido através do sistema de preços. Os mais conhecidos impostos desta natureza são os que incidem sobre o tabaco, bebidas alcoólicas ou actividades poluentes.
Por fim, para qualquer imposto é importante saber quem efectivamente o suporta, isto é, quem será o contribuinte de facto, que pode não coincidir com o contribuinte de direito ou sujeito passivo.
Voltemos ao propósito anunciado pelo BE de tributar mais as mais-valias imobiliárias (excessivas). Duas questões se colocam, desde logo: a da arbitrariedade para definir qual o limite para o carácter excessivo da diferença entre o custo de aquisição e o produto da alienação e quais os limites a considerar quanto à diferença de tempo (anos) entre aqueles dois momentos.
Ao que li, o BE quer incluir no IMT (antiga sisa) um adicional relativo à “especulação”. Tratando-se de um imposto a cargo do comprador, o contorcionismo da proposta passa por tal adicional dever ser pago pelo vendedor. Uma solução canhestra que junta no mesmo imposto comprador e vendedor em jeito de união (ou aborto) fiscal(!). Por favor, deixem de brincar aos impostos sobre os joelhos e não estilhacem mais o nosso já tão instável sistema fiscal.
Aliás, tentar resolver este problema com um agravamento de imposto nada resolve. A “engenharia fiscal” é sempre mais engenhosa que a rigidez da norma tributária. Afinal, há especulação não por causa desta ou daquela incidência fiscal, mas por imperfeição do mercado, designadamente por insuficiência de oferta.
Actualmente – e ao contrário do que muitos julgam – no IRS, as mais-valias imobiliárias são tributadas por escalões fortemente progressivos. Não há taxa liberatória, ao contrário das mais-valias mobiliárias (28%). No limite, a taxa será de 48% + 2,5% ou 5% (adicional de solidariedade), ou seja, mais de metade. Agravar ainda mais esta taxa não resolve a imperfeição notória do mercado e até afasta investidores, não necessariamente especulativos, aproximando o imposto de um pré-confisco.
Coisa diferente é o tempo que medeia entre a aquisição e a venda imobiliárias. O Código do IRS prevê uma correcção monetária ao valor de aquisição (decorridos mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação), o que defende – e bem – os contribuintes que alienaram imóveis adquiridos há mais tempo.
Tornada pública a intenção do BE, também o PSD, pela voz do seu líder, anunciou um propósito algo semelhante, para agravar a tributação das “mais elevadas mais-valias” e diminuindo-a nas “mais baixas”. Esta ideia foi precedida por uma sua apreciação à ideia do BE, que não considero despropositada, pois os projectos desta natureza devem ser analisados e discutidos pelo seu conteúdo e não apenas pela origem de esquerda ou de direita do espectro partidário.
Já menos conforme com o que esperaria do PSD, a intenção de Rui Rio parece-me inoportuna, pouco estudada e com demasiada fé na bondade do sistema tributário. A ideia de agravar uns para desagravar outros é atractiva, mas não faz muito sentido sobretudo atendendo ao que hoje já existe e que atrás referi (progressividade fiscal e correcção do valor de aquisição). Melhor teria sido, p. ex., estabelecer um número de anos de posse do imóvel alienado a partir do qual não se pagariam mais-valias (em França é de 23 anos). Enfim, terá sido uma reacção muito a quente, passando de um indesejável “imposto Robles” para um ainda injustificado “imposto Riobles”.
E bom seria que estas iniciativas fossem baseadas em informação quantitativa e qualitativa estável e actualizada e não no “diz-se, diz-se” através do qual o método indutivo de passar do particular para o geral nem sempre é credível e sustentado.

IPSIS VERBIS
CITAÇÃO: “A moderação é uma coisa fatal [...]. Nada tem mais sucesso do que o excesso” (Oscar Wilde, 1854-1900)
PALÍNDROMO (capicua de letras): ato idiota (evidentemente de acordo com o Acordo Ortográfico)
PLEONASMO: Coitado! Teve de comparecer pessoalmente na Repartição de Finanças!
HIPÉRBOLE (FISCAL): um imposto sobre um imposto ou uma taxa (por exemplo, o IVA sobre o imposto sobre combustíveis ou o IVA sobre a contribuição para o audiovisual paga na factura da electricidade)
OXÍMORO: um imposto voluntário
SCIENTIA AMABILIS
Lisboa verde?
Lisboa tem melhorado muito na intenção de a tornar mais verde, com árvores, relva e plantas. Em regra, mesmo que com alguns “erros botânicos” nas escolhas das espécies, esta mudança dos últimos anos é de aplaudir. O problema é a manutenção. Com o “limbo” criado com a descentralização (ou não) para as juntas de freguesia desta fundamental tarefa, é lamentável o que se vê por tantos sítios da cidade. Já nem falo das ervas que crescem livremente nas calçadas e passeios, dando um ar de quase abandono, mas da quase falência da prontidão e qualidade da manutenção. Dois exemplos: o eixo Avenida da República/Fontes Pereira de Melo (ver fotografia junto ao Monumental) ou em frente ao Centro Comercial Fonte Nova. No início, tudo aprimorado. Agora, ervas daninhas em compita com as espécies plantadas, árvores mortas sem substituição, espaços verdes reduzidos a terra e pó. Mais teria valido, por exemplo, que alguns separadores tivessem a forma de calçada do que o ar de abandono que evidenciam. Há poucas semanas estive em Istambul (14,4 milhões de habitantes), supostamente menos cuidada do que Lisboa. E o que vi? Espaços arbóreos e verdes impecavelmente tratados por toda a parte.

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