sábado, 8 de setembro de 2018

Como pragas


Dantes, as alterações climáticas até atacavam os sonhos dos faraós, por intermédio de alegorias de vacas gordas e magras. E, por conta das decifrações de José, o povo hebreu instalou-se no Egipto, mas viveu ali escravizado durante cerca de meio milénio. E essa história das vacas gordas e magras é referida no Génesis, como anos de bom tempo e de fartura e o seu inverso. Um dia decidiram partir, e foi Moisés o eleito de Deus, história contada no Êxodo. Desta vez, foram pragas, que atribularam o povo egípcio, por conta da vara de Aarão, companheiro de Moisés, a qual, transformada em serpente, devorou as serpentes dos outros magos do Faraó. Foram dez as pragas que finalmente forçaram o Faraó a deixar sair o povo escravizado dos filhos de Israel para o deserto do Sinai, onde se lançaram as raízes do monoteísmo.  
Mas o certo é que pragas e pestes e cataclismos e mudanças climáticas, desde que o mundo é mundo, sempre houve na Terra, como nos mostram a geologia e a paleontologia, e toda a história humana, mas parece que agora tudo se está a precipitar, e é para isso que os “Verdes” chamam a atenção, culpando os donos do capital e construtores do progresso, pela cada vez maior poluição, fatalmente aniquiladora, e não só dos egípcios, que tudo se generaliza hoje, e é assustador pensar nos nossos vindouros, como vítimas da inconsciência e ambição e inteligência também. Do Homem. Deus nos acuda, menos feroz que o Jeová antigo.
Mas por enquanto, servem o nosso prazer estas crónicas, cheias de um humor maligno, de Alberto Gonçalves. Bem haja por isso.
O tempo está esquisito /premium
OBSERVADOR, 8/9/2018
De proibições está a História cheia, e seria expectável que os avanços científicos, que as sofreram, contribuíssem para um clima de liberdade. Ironicamente, se a ciência é isto, a ciência enganou-nos.
Eu não sei se o aquecimento global existe. Provavelmente não, já que a própria ortodoxia passou a substituir o termo por “alterações climáticas”, expressão que acolhe mais ou menos tudo o que acontece das nuvens para baixo. Também não sei se as alterações climáticas existem. Provavelmente sim, já que sempre existiram desde que a Terra é Terra, e não há nenhum motivo para terem terminado justamente há dez minutos ou um século. A benefício da conversa, vamos todos admitir que as alterações climáticas são reais. E que são provocadas pelo Homem. E que o Homem é o sr. Trump. Ou o clã Bush. Ou Ronald Reagan. Ou qualquer presidente americano e republicano dos últimos oitenta anos, os rostos naturais do capitalismo selvagem que ameaça o futuro dos nossos filhinhos, coitadinhos.
Nem assim se justifica o empenho de umas dezenas de cientistas portugueses em impedir uma conferência na Faculdade de Letras do Porto, a realizar no corrente fim-de-semana. Pretexto? Ora essa: a conferência é protagonizada por um “lóbi” de “negacionistas” das alterações climáticas, leia-se os sujeitos não gozam de “credibilidade” e “favorecem a desinformação” através de “ideias cientificamente infundadas”, leia-se aquilo é uma gente que não respeita o IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas), leia-se os biltres discordam dos inquestionáveis vultos que assinaram uma “carta aberta” ao reitor da instituição.
Não tenciono discutir o conceito de credibilidade científica em matérias que mudam tão depressa quanto um dia soalheiro cede lugar à trovoada (analogia deliberada). Ou evocar o currículo de impoluta seriedade do referido IPCC. Ou recordar com saudade as falecidas previsões do marido de Tipper Gore, a criadora do código moral para as letras das canções pop. Ou duvidar que técnicos esclarecidos receiem ver as respectivas convicções abaladas por um punhado de alegadas patranhas. Para facilitar, continuo a aceitar que os nevões e as secas têm origem antropogénica e perversa, e que a vida era boa era no Paleolítico e que urge acabar com as fontes poluidoras, excepto os aviões que carregam com cientistas para seminários onde se debate, em plena concórdia, os perigos do progresso.
Porém, porque é que a ciência se indigna com os ditos charlatães do clima e deixa em paz os charlatães restantes, no mínimo igualmente ameaçadores? Não conheço muitas cartas abertas contra certas vigarices, mentiras e equívocos que andam por aí à solta, sem contraditório nem sombra de razoabilidade. As “medicinas alternativas”. A Festa do “Avante!”. O “Avante!”. O candomblé. A importância dos “afectos”. Os “cantautores”. O “fervor clubístico”. A propaganda do governo. O patriotismo. O exotismo. Os tarólogos. O “anti-sionismo”. As Irmãs Mortágua. As “dietas milagrosas”. A “informação” das televisões. A “auto-ajuda”. A “auto-estima”. A auto-peças Teixeira e Filhos. Etc. Etc. Etc.
Se descessem do púlpito para me responder, os veneráveis cientistas explicariam que as calamidades acima não lhes dizem respeito na medida em que não decorrem sob legitimação académica, a qual deveria estar reservada ao Saber com “s” grande e à Razão com “r” maior. O problema, diriam, é o acolhimento da Universidade aos terríveis “negacionistas” das alterações climáticas. Muito bem.
Por acaso, frequentei durante meia década a exacta instituição agora criticada. Na Faculdade de Letras do Porto, tentaram, e presumo que ainda tentem, ensinar-me Marx como se Marx fosse para levar a sério, e não enquanto uma curiosidade folclórica equivalente à dança da chuva (analogia forçada) ou aos faquires. Pior, além de Marx perpetrava-se e perpetra-se o estudo de “pensadores” marxistas, cada um mais atreito a alucinações do que o anterior. Ó Deus do Céu: cheguei a ouvir por ali referências bibliográficas ao hoje ministro Santos Silva e referências não jocosas ao prof. Boaventura “de” Sousa Santos. O que nunca ouvi foi um grupo de cientistas furiosos e prontos a salvar a juventude de semelhantes trafulhices. Na época, vi-me obrigado a salvar-me sozinho, tarefa simples numa matéria que, ao contrário das alterações climáticas, não se limita a um aparentemente sólido quadro teórico: a fraude socialista está provada na prática.
Contas feitas, não me queixo. Excepto para os pacóvios dispostos a acreditar nelas, a exposição a extravagâncias sortidas diverte e, principalmente, assegura o direito à atoarda que quase todos prezam e quase ninguém defende. Se negar as alterações climáticas for uma tolice, não é diferente de tantas tolices que preenchem a nossa vida em sociedade – e na Universidade. Uma coisa é poder rir das tolices, outra é querer proibi-las. De proibições está a História cheia, e seria expectável que os avanços científicos, que muito as sofreram, contribuíssem para um clima (repararam?) de liberdade. Ironicamente, se a ciência é isto, a ciência enganou-nos.
COMENTÁRIOS:
ProtoTypical : A este respeito, devo pronunciar uma posição diametralmente oposta à do cronista. E não: não o faço por ser um Marxista seboso com tiques totalitários. Na verdade, faço-o, tal como os signatários da carta aberta, porque admito que a realização da conferência em causa se trata de uma mera campanha de desinformação, que não pretende senão enviesar a discussão do tema. Os dados a respeito de emissões de CO2 e de CH4 são claros e públicos, assim como o são os dados alusivos ao aumento da temperatura média da Terra durante as últimas décadas. E, para todos os efeitos, os signatários do documento acima referido pretenderam apenas expressar uma declaração de interesses - nunca proibir. Proibição foi o que os boçais afectos ao Bloco de Esquerda fizeram relativamente ao colóquio a realizar na Univ. Nova e que contaria com Nogueira Pinto. Não acredito em disposições mesquinhas e, a este respeito, proibições são uma expressão dessa mesma mesquinhez. Mas tratar com leviandade esta questão parece-me sintomático de irresponsabilidade; e ainda que seja saudável uma postura de gracejo ante as vicissitudes da Vida, convém não olvidar podermos estar perante um conjunto de nefastas e imprevisíveis consequências, cujo derradeiro alcance somos ainda incapazes de compreender absolutamente.
Quanto ao resto, não tenciono comparecer na dita cuja, pelo simples facto de que os aspectos em debate são já assumidos como certos em qualquer ensaio laboratorial; logo, dita palestra não terá nada para me ensinar.
Alexandre Guedes da Silva: Declaração de interesse: Estou a apreciar participar na Conferência do Tempo Esquisito ... e devo-vos dizer que a vista do Bar do 2º andar da FLUP vale a pena ...
Quanto aos meus colegas conferencistas, sobretudo moços e moças de provecta idade, que já deviam estar a contar histórias de cabeceira aos bisnetos, tenho a dizer-vos que são absolutamente inofensivos mas sabiamente determinados.
Pagaram todos do seu bolso a viagem e a conferência e estão a adorar o Porto e o conjunto de camelos que com eles se cruzou de forma epistolar... Expliquei-lhe que, devido à proximidade, recebíamos a visita ocasional de partículas do Saara e de vento Sueste que despertava uma "dromedandacia" estranha nas cabeças aclimatadas de uns tantos.
E foi o delírio .... Parabéns Alberto e que viva Marx, o Groucho ... Al
Professor Pardal: A ciência não tem grande importância, nos dias que correm. É um pormenor insignificante que não pode, nem que a vaca tussa, interferir com aquilo que se convencionou chamar de "marxismo cultural". Que tem, curiosamente, como principal característica a vontade de proibir ou classificar de "fascista", "racista", "homofóbico", "xenófobo" ou coisa que o valha, quem quer que se lhes oponha.
Quanto às alterações climáticas, não sou um entendido no assunto e já vi várias opiniões contraditórias sobre o tema. Partindo do princípio que alterações dessas têm vindo a ser registadas desde que existe o planeta, falta provar a interferência humana. Se calhar, seguindo o rasto de dinheiro gerado por conferências feitas sobre este tema, em redor do Mundo, se possa ter uma ideia das motivações.



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