Embora não seja difícil
compreender o significado do termo “identitário”
, desmontando o termo a partir da sua etimologia, transcrevo da Internet um
breve excerto explicativo, para melhor identificar o conceito expresso, na
lição de história recente americana que nos oferece Teresa de Sousa, em percurso que opõe governos e candidaturas, e
motivos da aceitação ou de repúdio dos diversos participantes da escalada
governativa americana:
«O Ideal
Identitário representa uma corrente do nacionalismo europeísta que surgiu no final do
século XX sob a influência de pensadores e ideólogos como Robert
Steuckers, Guillaume
Faye, Pierre Vial, entre outros, diferenciando-se em termos
ideológicos e da doutrina política dos movimentos nacionalistas tradicionais,
aproximando-se, porém, em termos comparativos, à corrente völkisch alemã
do início do século XX. O Ideal Identitário é abertamente etnocentrista,
rejeitando todavia o racismo primário. No seu
lugar os identitários promovem o etno-diferencialismo, um conceito que recusa
o universalismo homogeneizador
e que visa a preservação dos povos e das suas respectivas culturas, com vista a
um desenvolvimento assente no Direito à diferença e
no direito dos povos a disporem de si mesmos. Para os identitários a existência
das diferenças entre os povos é um facto inquestionável, seja desde a
perspectiva da antropologia, da história, da cultura, das tradições, dos modos
ou das mentalidades, sendo que qualquer tentativa de convívio sobre um mesmo
território torna-se inevitavelmente gerador de racismo e, consequentemente, de
conflitos.
Sendo os Estados Unidos uma nação de “comando”, as novéis
políticas de um Trump decidido - e sem grandes escrúpulos diplomáticos - têm dado
que falar e a cada passo ele surge como figura de charneira na condução dos
destinos – do seu povo e de outros que lhe estão ligados. Teresa de Sousa explica, pois, ao seu modo sereno e cordato, alguns
comentadores aprovam ou não os seus argumentos, eu gostei da lição, como luz aclarando
pistas de um conhecimento pessoal modesto:
Os perigos das políticas identitárias
Trump recuperou as políticas
identitárias, falando para homens brancos de rendimentos baixos.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 9 de Setembro de 2018
1. Há um outro lado da eleição
de Donald Trump que está menos presente nas análises e nos debates, mas que é
igualmente importante para explicar a sua vitória e ponderar o futuro da
América. O que desarmou os liberais perante a ascensão do Tea Party e a
vitória de um Presidente populista, nacionalista e nativista, e o que pode
impedi-los de derrotá-lo nas urnas. A questão não é nova. O debate sobre o
Partido Democrata permanece praticamente desde a era Reagan. Clinton e Obama alimentaram a ideia de que
era possível conquistar a Casa Branca desde que se fosse excepcional. O choque
da eleição de Trump foi também resultado do contraste absoluto entre ele e o
seu antecessor, como se existissem duas Américas irreconciliáveis, ignorando-se
uma à outra. Ainda hoje os índices de popularidade de Obama superam de
longe o apoio ao actual Presidente, mostrando até que ponto a realidade é
complexa. As eleições de meio de
mandato, em Novembro, com a possibilidade de retirar o Congresso aos
Republicanos, ainda escondem este debate fundamental. A leva de vitórias
nas “primárias” democratas de gente nova e mais à esquerda, porventura
inevitável diante do efeito Trump, continua a revelar que os Democratas não conseguem encontrar uma
ideia para a América que seja inclusiva e capaz de voltar a fazer sonhar.
Li recentemente um livro de pouco mais de 100 páginas que é, do meu ponto de
vista, uma pequena pérola para tentar
navegar através deste debate. O seu autor, Mark
Lilla, é professor na Universidade de Colúmbia e, sendo um democrata,
passou a ser o ódio de estimação de uma ampla facção de intelectuais liberais:
“The Once and Future Liberal – after identity politics”. Resumindo, a obra de Lilla é sobre os perigos das
políticas identitárias, à direita como à esquerda. Não poderia ser mais actual.
Para se ficar a saber rapidamente ao que vêm, leia-se um pequeno trecho
logo na introdução. “No momento em que escrevo, a página inicial do site do Partido Republicano
apresenta um documento intitulado ‘Princípios
da Revolução Americana’ (…) uma declaração em onze tópicos distintos. A
lista abre com a Constituição (‘A nossa Constituição deve ser preservada,
estimada e honrada’) e fecha com a questão da imigração (‘Precisamos de um
sistema que proteja as nossas fronteiras, faça cumprir a lei e fomente a
economia nacional’). Na página inicial do site do Partido Democrata não
temos nenhum documento assim. Em vez disso, avançando até à base da página,
encontramos uma lista de hiperligações encabeçada pelo título ‘Pessoas’ (…).
Mulheres, hispânicos, norte-americanos étnicos, comunidade LGBT,
norte-americanos nativos, afro-americanos, asiático-americanos, habitantes das
Ilhas do Pacífico… Estão lá 17 grupos distintos, para os quais existem 17
mensagens distintas”. Já se percebeu
onde Lilla quer chegar.
2. O que aconteceu nas presidenciais de 2016? Trump recuperou as
políticas identitárias, falando para os homens brancos, de rendimentos baixos,
que vivem no imenso espaço que vai da Costa Leste à Costa Oeste, que viram os
seus empregos esmagados pela globalização, que vêem nos imigrantes uma ameaça
ao seu modo de vida e que se sentem abandonados pelas elites de Washington. No
entanto, com uma simples frase, “Make
America Great Again”, conseguiu dirigir-se a uma maioria de americanos. O que fez Hillary? Dirigiu-se a cada
uma das “minorias”, incluindo a sua, apelando ao seu voto, e falou de uma
classe média “espremida” pela globalização. Para além de todas as fraudes, onde
estava a capacidade mobilizadora dos cidadãos americanos, para lá da sua
identidade e da respectiva vitimização?
3.Lilla lembra as duas grandes narrativas americanas do século XX, que
definiram durante décadas o rumo do país: a era Roosevelt e a era Reagan. FDR
que, a partir da crise de 1929, construiu a América do New Deal, capaz de
assumir a sua responsabilidade colectiva perante os que foram esmagados pela
crise, criando pela primeira vez as bases de um Estado social. A II
Guerra apenas contribuiu para reforçar a solidariedade interna da sociedade
americana. Tudo era possível: “A única coisa de que temos de ter medo é
do próprio medo”. A era que
inaugurou sobreviveu até Lyndon Johnson, cuja Great Society alargou os
direitos cívicos aos negros, numa luta violenta conta os Democratas do Sul.
Carter foi um pequeno episódio de
resistência já em tempo de mudança. Ronald
Reagan operou a segunda revolução, desta vez conservadora, que haveria
de marcar a política americana praticamente até à eleição de Obama, esmorecendo
agora perante um Partido Republicano que cada vez tem menos a ver com o seu
legado. Foi o regresso ao individualismo
e à responsabilidade de cada um pela sua vida, a crítica ao “grande Governo”
(ou melhor, “o Governo é o problema”), a desregulação de uma economia
estagnada, a ode à eficácia dos mercados na distribuição dos recursos. Mas
foi sobretudo a visão optimista de um país que tinha tudo para brilhar no alto
da colina, como nenhum outro. “Good Morning America”. Os liberais riram-se dele – um actor de série B
ignorante. Foi eleito com uma maioria esmagadora que cobriu de vermelho o mapa
da América. Clinton e Obama não
rompem totalmente com a sua herança, mas ambos conseguem responder a um momento
de esperança. Clinton, com a vitória da democracia sobre o totalitarismo no fim
da Guerra Fria, inaugurando um tempo em que tudo parecia possível. Virou os
Democratas para uma visão da economia e da sociedade que integrava parte da
herança de Reagan - do Welfare para o Workfare, influenciando a “terceira
via” que haveria de conquistar a Europa. Obama
era ele próprio a encarnação do sonho americano. Afastou-se da vitimização
das minorias (incluindo a sua, aquela que mais razões tem para se considerar
uma vítima) porque sabia que esse caminho nunca o levaria à Casa Branca. Não
hesitou em reivindicar a herança optimista de Reagan, o que incomodou os
Democratas, incluindo a família Clinton. Não deixou por isso de fazer do
Obamacare a sua batalha mais emblemática, aquela pela qual os Democratas
lutavam há décadas sem sucesso. Foi alvo da mais furiosa campanha identitária
do Tea Party, que culminou na polémica sobre o seu local de nascimento. Hoje,
exibe publicamente a sua improvável “cumplicidade” com George W. Bush, chocando
os liberais e enfurecendo os fanáticos. Bush não esconde o seu horror ao nativismo identitário de Trump. Obama
vê para além do somatório das múltiplas identidades que constituem a América.
4. As reivindicações das
“minorias”, apesar de décadas de conquistas importantes, continuam tão
legítimas como sempre. A defesa dos
direitos das mulheres ainda faz sentido. Continua a ser revoltante a condição
de negro, seja ele um jovem sem emprego de um subúrbio degradado, ou um
professor de Harvard: a polícia teima em não os respeitar. Mas o
“politicamente correcto” que aponta o dedo acusador a qualquer um que se atreva
a pôr em causa a “identidade” própria e exclusiva de cada grupo e o seu
estatuto de vítima tornou-se uma fórmula que não anda longe do nativismo
identitário de Trump. A Economist resumiu
recentemente este espírito “totalitário” com um exemplo da Universidade de
Sussex onde uma professora levantou uma questão sobre a definição dos critérios
para o reconhecimento do estatuto de transgénero, desencadeando uma guerra
contra ela entre os alunos: “Não
toleraremos o ódio no nosso campus. Trans e vidas não-binárias não são um
debate”. Perdeu-se o sentido colectivo. O conceito de cidadania diluiu-se.
Reduz-se drasticamente a capacidade de entender e aceitar aquilo que é
diferente e, consequentemente, aquilo que é comum. No campo da justiça social,
a recentragem de Clinton ou de Obama dá agora lugar a um “populismo económico”
em que o alvo indiscriminado são os bancos, Wall Street, o capitalismo em geral
e as multinacionais em particular, apelando às emoções, que afasta muita gente.
É uma mistura explosiva que muito dificilmente ajudará a América a curar as
suas feridas, a grande tarefa que o pós-Trump exigirá aos Democratas.
5. Obama acaba de entrar na campanha, saudado como a verdadeira
“alternativa” a Trump. Ninguém, de Bernie Sanders a Elizabethe Warren,
consegue perfilar-se como tal. Não desiludiu. Rejeitou “a noção disparatada
de que os Democratas têm de escolher entre tentar apelar aos votos da classe
branca trabalhadora ou os votos de cor, das mulheres, ou dos americanos LGBT”. “Ganhámos
porque chegámos a toda a gente, competindo em toda a parte e combatendo por
cada voto”. Puro Obama: “A ideia de que tudo vai ficar bem porque há gente na
Casa Branca que secretamente não está a seguir as ordens do Presidente – isso
não existe. Estou a falar muito a sério. Não é assim que a nossa democracia
deve funcionar. Essas pessoas não foram eleitas.” Desmontou, de seguida, a política de Trump, sem deixar pedra sobre
pedra.
COMENTÁRIOS:
João Macedo :
Artigo extremamente interessante. Só que assenta numa pequena-grande
inverdade, numa inexatidão na realidade arrasadora (V. ponto 3). Com efeito,
com todo o seu discurso voltado para os "homens brancos, de rendimentos
baixos, (...) que viram os seus empregos esmagados pela globalização [e] que
vêem nos imigrantes uma ameaça ao seu modo de vida", Trump terá sido
"eleito" (!), mas não "conseguiu dirigir-se a uma maioria de
americanos". Quem conseguiu tal façanha, ao dirigir-se "a cada uma
das 'minorias'", foi a Clinton.
Hillary não foi oficialmente eleita, mas foi a vencedora, em termos
universalmente considerados como normalmente, não aberrantemente, democráticos:
obteve mais de dois milhões de votos a mais do que o sortudo do seu opositor.
Não se submeteu às jiga-jogas do sistema, é tudo.
manuelserra72, 10.09.2018
Não deslegitimando as
reivindicações das minorias seria na minha opinião útil distinguir
reivindicações legitimas de concorrência vitimaria. A correria para a
"inclusão" e "diversidade" de raças, géneros, etc, parece
que se faz às custas da diversidade de opinião. Existe de facto um espírito
totalitário e autoritário nas universidades e o caso de Sussex não é caso único.
Veja-se o Evergreen State College e o Weistein / Laurier e Lindsay Shepherd /
etc.... Parte do problema é a explicação fácil de problemas complexos. A
lógica do oprimido e opressor, etc. Não estamos tão longe disso cá quando
nos explicam que "um piropo é um exercício de poder". É a mesma
génese.
A Teresa toca verdadeiramente num ponto importante ao falar de
políticas identitárias. Na América são absolutamente delirantes mas já está cá
na Europa... Tenho dificuldade em entender o "Trump
recuperou" ...dir-se-ia que estavam adormecidas? Durante os mandatos do
Obama a classe média americana desapareceu. Os tais "homens
brancos" são os tais culpados de tudo... (white privilege, mansplaining, e
outras "patologias"). é um bocado virar-se o feitiço contra o
feiticeiro. Entretanto o pensamento de esquerda dominante continua a dar-lhe.
Mas vejamos no que se torna o "black lives matter". Julgo que se
tornou simplesmente num movimento racista. Curiosamente parte deste movimentos
transformam-se naquilo que alegadamente combatem. É preocupante.
Sum Legend, Portugal 09.09.2018 : O
ponto 4 deste artigo esclarece algumas coisas: estava tudo tão bem quando
ninguém falava nos “homens brancos, de rendimentos baixos, que vivem no imenso
espaço que vai da Costa Leste à Costa Oeste”, não estava? É uma chatice falar
nesse “homem branco”, quase um crime de lesa-pátria. Acabem lá com esses
“homens brancos”, que tudo fica mais fácil. Ainda há quem não perceba que
estamos a falar de um país quase tão grande como a UE, com várias zonas
horárias, com mais de 320 milhões de pessoas. Era a mesma coisa que acabar com
os países na Europa (desejo orgásmico dos millenials mimados) e acharmos que os
cidadãos que vivem na Lapónia têm a mesma visão política, os mesmos objectivos,
meios e necessidades que quem vive, por exemplo, em Lisboa. Patético.
Wheeler
Catarina, 9.09.2018: Mas há outro aspecto, outra parte do
Ser-humano, para quem Trump falou (ele e todos os Identitaristas,
Nacionalistas, Liberais, etc.). E que está na base da guerra fratricida entre
as ideologias Esquerdista e Direitista (comunismo/socialismo vs liberalismo).
E, sem falar dessa parte, jamais se sairá desse impasse binário-dicotómico. Há
uma parte do Ser-humano irredutível a qualquer dissolução numa Comunhão. O Futuro
imaginado pelo «Comunismo» é incompatível com o Futuro imaginado pelos
«Identitários» (no sentido de Singularidade indecomponível e insolúvel).
Cada facção fala para si própria sem conseguir comunicar com a outra. São duas
línguas e dois universos que não conseguem traduzir o que dizem para o outro.
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