Por isso nos contorcemos. E
gememos. E saltamos. E rodamos. Ora aqui e ora ali. E quanto mais se apontam os
dislates do rodar, mais felizes nos sentimos porque os avisos não colam quando
as vaidades sobram na pequenez do pensar. Três actos, define Alberto, não são
actos mas são cenas na tragédia do ridículo de um país pequenino que só podia
redundar em velhaco ou dançarino. E as cenas vão continuar, porque os avisos
não colam na pequenez do pensar, na tragédia do ridículo que não deixa sossegar,
na farsa que julgo ímpar, num mundo bem variado que pretendemos amar, quando
nem o nosso amamos, na pequenez do pensar…
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA Uma semana em três actos /premium
29/9/2018
A fotografia é um mimo. Dentro de São
Bento algumas deputadas exibem o rosto fechado (porque a hora é grave). Outras
riem desalmadamente (porque a gravidade é descontraída). Eu agradeço-lhes a
coragem
Acto
I
O momento redentor da semana foi a fotografia, ampla e merecidamente
divulgada, de um conjunto de deputadas caseiras em protesto. Dado que o
protesto de parlamentares de partidos que ou estão no governo ou influenciam o
governo não faz muito sentido, as deputadas resolveram protestar contra os
acontecimentos internos de um país estrangeiro. No caso, o Brasil. O facto de
isso fazer ainda menos sentido não perturbou as senhoras, que interromperam o expediente
para posar para o boneco com slogans a recusar a candidatura de um sujeito às
presidenciais de lá, ao que sei legalíssima. Ou seja, enquanto as autoridades
brasileiras aceitam o sujeito, dúzia e meia de ociosas portuguesas não pactuam
com tamanho escândalo e desabafam através de “hashtags” (uns gatafunhos
precedidos por um “#”). Ignoro se, de agora em diante, as ociosas tencionam
emitir sentenças acerca de todas as eleições a realizar no planeta. Se
tencionarem, avisem que tem piada.
Aliás, tem imensa piada. A fotografia, a que vale a pena regressar e
que vale a pena contemplar, é um mimo. Dentro de São Bento, presume-se, algumas
deputadas exibem o rosto fechado (porque a hora é grave). Outras riem
desalmadamente (porque a gravidade é descontraída). Algumas levantam cartazes.
Outras não tiveram direito a cópia. Quase todas parecem vestidas pelo
costureiro dos UHF. Todas parecem estar ali de livre vontade. E eu
agradeço-lhes a coragem.
Uma pessoa dotada de compaixão
perderia uns minutos a imaginar a série de tragédias e equívocos que corroeram
a vida de uma infeliz a ponto de a deixar, aos 30, 40 ou 60 anos, naqueles
preparos, convencida da sua própria importância e de que segurar um papelinho
com a frase “#EleNão” é uma actividade compatível com a idade adulta. Mesmo
para deputados, a infantilidade é excessiva. À semelhança do que sucede nos
acidentes aéreos, é necessário que demasiadas coisas corram mal para se acabar
assim. Dramas familiares? Más companhias? Problemas clínicos? Cabe aos
especialistas decidir.
Por sorte, não sou especialista.
Donde prefiro usufruir da fotografia do que lamentá-la. Numa época em que, à
conta de proibições e susceptibilidade, o “politicamente correcto”, ou, mais
exactamente, a cruzada moralista ameaça exterminar a comédia, exemplos de humor
involuntário como o referido não se devem desperdiçar. Se não as tomarmos a
sério, leia-se se não formos maluquinhos, a falta de noção de ridículo que as
tais deputadas demonstram é genuinamente engraçada, daquela escola do burlesco que
uma ocasião levou o falecido comentador Luís Delgado a exigir numa crónica:
“Basta, senhor Clinton. Demita-se!”. Só não são impagáveis na medida em que
lhes pagamos os salários.
Acto
II
O sr. Trump discursou nas Nações
Unidas e lançou uma bazófia que motivou alguns risos na sala – inclusive o do
próprio –, seguidos de alguns aplausos. As rotativas, figuradas, pararam num ápice: segundo a generalidade dos
“media”, o mundo riu convulsivamente do sr. Trump. Não importa que, no caso, “o
mundo” se resuma a umas dúzias de diplomatas obscuros. O que importa é mostrar
que “o mundo” partilha o exacto desprezo pelo sr. Trump que leva certos
jornalistas com agenda e comediantes sem talento a torcer impecavelmente a
informação até obter o efeito desejado (os engajados não gostam de se engajar
sozinhos).
De qualquer modo, a verdade é que a assembleia-geral da ONU se encheu
para assistir ao sr. Trump e, no dia
seguinte, se esvaziou para não assistir ao prof. Marcelo. Talvez os
diplomatas receassem, em vez da galhofa anterior, ser esmagados pela densidade
intelectual do nosso estimado presidente e arranjarem, no mínimo, uma hérnia.
Fizeram bem. Como nós sabemos e os estrangeiros pelos vistos suspeitam, o
prof. Marcelo já costuma exibir uma retórica riquíssima em clichés e
vacuidades. Em Nova Iorque, então, a solenidade do momento e a sala repleta de
moscas inspiraram-no a reforçar a dose, numa lengalenga profunda a que não
faltaram o “multilateralismo”, a paz, as “alterações climáticas”, os
refugiados, o eng. Guterres, a igualdade de género, o sr. Mandela e os oceanos.
Foi muito bonito. E um aperitivo para o encontro ao mais alto nível com o
presidente do Palau, que o mundo não pára, leia-se não pára de rir do sr.
Trump. E os portugueses riem ainda mais, mesmo que não saibam do quê.
Acto
III
Um sorteio, como nas rifas, enxotou o juiz Carlos Alexandre do processo
do “eng.” Sócrates. Convinha que a Justiça definisse um rumo, a bem dos
cidadãos. Falo, em particular, dos cidadãos que, ainda há meses, julgaram que o
caso estava perdido e desataram a confessar na imprensa a traição que o “eng.”
Sócrates lhes infligiu. É verdade que, após longos anos a defender
a seriedade do homem contra as “cabalas” da praxe, a mudança estratégica caiu
um nadinha aos trambolhões. Entretanto, porém, já nos habituáramos à ideia de
que as namoradas, as viúvas, os discípulos, os simpatizantes e outros
companheiros de luta do Menino que Sonhava com Ventoinhas haviam de facto sido
iludidos e nunca sonharam nem com ventoinhas nem com as incontáveis falcatruas
de que o Menino é alegado autor. Agora, lá terão essas pobres almas que rever
novamente o texto e provar à humanidade que sempre estiveram ao lado do Menino,
um génio, um santo e o maior estadista a alguma vez ter frequentado um
apartamento do amigo Carlos. Ao trabalho, minha gente.
COMENTÁRIO:
José Carlos Lourenço: Esta
é uma crónica de antologia que vale a pena gravar para mais tarde ler...e
ler...e ler. Ironia cáustica e exemplarmente colocada, tanto na forma como no
conteúdo e oportunidade. A frase "E os portugueses riem ainda mais, mesmo
que não saibam do quê" é um portento em termos de profundidade e de
síntese do estado actual a que isto chegou (Estado incluído). Embora tal possa
não ser percebido / aceite pelos mais "distraídos", engajados ou pela
massa inepta e ignorante que aceita de modo acrítico e idiota todas as
patranhas e clichés propagados pelo "politicamente correcto". E no
caso das patranhas e clichés atascados de vacuidade, o Marcelo é um mestre
consumado...
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