E os tais escritos permanecerão nos enormes processos da sua
incomensurável fartura de opacidades que ninguém em seu perfeito juízo vai ler,
visto que nada têm para ler. Um autêntico inventário, sim, de enormidades
cavalares, com perdão para os cavalos, que são raça superior. Não, não fazia
ideia de uma tal lei parida na AR em
2013 – alterando uma tal do processo de
inventário, que, de apoio em apoio, sobre a lei ou o decreto que a
precedeu, não chega nunca a definir os seus fundamentos e intenções. Julgo que
tal aborto nos define em grotesco e inanidade. Ou antes, nulidade. Scripta manent. É pena que o provérbio
latino não esteja trocado: Scripta
volant, verba manent. Ao menos teríamos a esperança de que algures, no
vasto mundo, alguém nos definisse como povo bem-falante, livrando ideias nos espaços da Terra, como outrora semeámos gente. Não, não fazia ideia. António
Bagão Félix nem tem coragem para usar da sua ironia leve de arreganho. A
indignação virou em seriedade mordaz, em síntese de dureza sem sorrisos. Como a
nossa, sem jeito para amenizar, e tão só de lançar pedradas, em intifada de rua.
Mas sem proveito, é claro.
OPINIÃO
Hoje, o meu ipsis verbis é
literalmente ipsis verbis
Bem precisamos de leis enxutas com a devida maquinaria
de arrasto de adjacências, adjectivações e palavreado discursivo, e que sejam
entendíveis pela generalidade dos cidadãos.
24 de Agosto de 2018
Tal como podemos chegar à ideia da luz através da
escuridão, do som por via do silêncio, da presença em razão da ausência, também
podemos alcançar os princípios da clareza (nítido, límpido, inteligível)
através dos seus antónimos (obscuro, opaco, confuso).
Em 2013, a AR pariu a Lei 23/2013. Reza, assim, o seu primeiro
artigo (em jeito de remissões sudoku) que, ao longo dos anos, resulta de
166 alterações a leis e a códigos:
A presente lei aprova o regime jurídico do processo de
inventário, altera o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25
de Novembro de 1966, e alterado pelos Decretos-Leis nºs 67/75, de 19 de
Fevereiro, 201/75, de 15 de Abril, 261/75, de 27 de Maio, 561/76, de 17 de
Julho, 605/76, de 24 de Julho, 293/77, de 20 de Julho, 496/77, de 25 de
Novembro, 200-C/80, de 24 de Junho, 236/80, de 18 de Julho, 328/81, de 4 de
Dezembro, 262/83, de 16 de Junho, 225/84, de 6 de Julho, e 190/85, de 24 de
Junho, pela Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, pelos Decretos-Leis nºs 381-B/85,
de 28 de Setembro, e 379/86, de 11 de Novembro, pela Lei n.º 24/89, de 1 de
Agosto, pelos Decretos-Leis nºs 321-B/90, de 15 de Outubro, 257/91, de 18 de
Julho, 423/91, de 30 de Outubro, 185/93, de 22 de Maio, 227/94, de 8 de
Setembro, 267/94, de 25 de Outubro, e 163/95, de 13 de Julho, pela Lei n.º
84/95, de 31 de Agosto, pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12 de Dezembro,
14/96, de 6 de Março, 68/96, de 31 de Maio, 35/97, de 31 de Janeiro, e 120/98,
de 8 de Maio, pelas Leis nºs 21/98, de 12 de Maio, e 47/98, de 10 de Agosto,
pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de Novembro, pelas Leis nºs 59/99, de 30 de
Junho, e 16/2001, de 22 de Junho, pelos Decretos-Leis nºs 272/2001, de 13 de
Outubro, 273/2001, de 13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de
8 de Março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, pelos Decretos-Leis nºs
199/2003, de 10 de Setembro, e 59/2004, de 19 de Março, pela Lei n.º 6/2006, de
27 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho, pela Lei n.º
40/2007, de 24 de Agosto, pelos Decretos-Leis nºs 324/2007, de 28 de Setembro,
e 116/2008, de 4 de Julho, pelas Leis nºs 61/2008, de 31 de Outubro, e 14/2009,
de 1 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 100/2009, de 11 de Maio, e pelas Leis nºs
29/2009, de 29 de Junho, 103/2009, de 11 de Setembro, 9/2010, de 31 de Maio,
23/2010, de 30 de Agosto, 24/2012, de 9 de Julho, 31/2012 e 32/2012, de 14 de
Agosto, o Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6
de Julho, e alterado pelos Decretos-Leis nºs 355/85, de 2 de Setembro, 60/90,
de 14 de Fevereiro, 80/92, de 7 de Maio, 30/93, de 12 de Fevereiro, 255/93, de
15 de Julho, 227/94, de 8 de Setembro, 267/94, de 25 de Outubro, 67/96, de 31
de Maio, 375 -A/99, de 20 de Setembro, 533/99, de 11 de Dezembro, 273/2001, de
13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, e 194/2003,
de 23 de Agosto, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, pelos Decretos-Leis
nºs 263-A/2007, de 23 de Julho, 34/2008, de 26 de Fevereiro, 116/2008, de 4 de
Julho, e 122/2009, de 21 de Maio, pela Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, e pelos
Decretos-Leis nºs 185/2009, de 12 de Agosto, e 209/2012, de 19 de Setembro, o
Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de Junho,
com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 36/97, de 31 de Janeiro,
120/98, de 8 de Maio, 375-A/99, de 20 de Setembro, 228/2001, de 20 de Agosto,
273/2001, de 13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 113/2002, de 20 de
Abril, 194/2003, de 23 de Agosto, e 53/2004, de 18 de Março, pela Lei n.º
29/2007, de 2 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro, pela
Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, pelos Decretos-Leis nºs 247-B/2008, de 30 de
Dezembro, e 100/2009, de 11 de Maio, pelas Leis nºs 29/2009, de 29 de Junho, 103/2009,
de 11 de Setembro, e 7/2011, de 15 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 209/2012,
de 19 de Setembro, e o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto- -Lei
n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 47 690,
de 11 de Maio de 1967, pela Lei n.º 2140, de 14 de Março de 1969, pelo
Decreto-Lei n.º 323/70, de 11 de Julho, pelas Portarias nºs 642/73, de 27 de
Setembro, e 439/74, de 10 de Julho, pelos Decretos-Leis nºs 261/75, de 27 de
Maio, 165/76, de 1 de Março, 201/76, de 19 de Março, 366/76, de 15 de Maio,
605/76, de 24 de Julho, 738/76, de 16 de Outubro, 368/77, de 3 de Setembro, e
533/77, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 21/78, de 3 de Maio, pelos
Decretos-Leis nºs 513-X/79, de 27 de Dezembro, 207/80, de 1 de Julho, 457/80, de
10 de Outubro, 224/82, de 8 de Junho, e 400/82, de 23 de Setembro, pela Lei n.º
3/83, de 26 de Fevereiro, pelos Decretos-Leis nºs 128/83, de 12 de Março,
242/85, de 9 de Julho, 381 -A/85, de 28 de Setembro, e 177/86, de 2 de Julho,
pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, pelos Decretos-Leis nºs 92/88, de 17 de
Março, 321-B/90, de 15 de Outubro, 211/91, de 14 de Junho, 132/93, de 23 de
Abril, 227/94, de 8 de Setembro, 39/95, de 15 de Fevereiro, e 329 -A/95, de 12
de Dezembro, pela Lei n.º 6/96, de 29 de Fevereiro, pelos Decretos-Leis nºs
180/96, de 25 de Setembro, 125/98, de 12 de Maio, 269/98, de 1 de Setembro, e
315/98, de 20 de Outubro, pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, pelos
Decretos-Leis nºs 375-A/99, de 20 de Setembro, e 183/2000, de 10 de Agosto, pela
Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro, pelos Decretos-Leis nºs 272/2001, de 13
de Outubro, e 323/2001, de 17 de Dezembro, pela Lei n.º 13/2002, de 19 de
Fevereiro, pelos Decretos-Leis nºs 38/2003, de 8 de Março, 199/2003, de 10 de
Setembro, 324/2003, de 27 de Dezembro, e 53/2004, de 18 de Março, pela Lei n.º
6/2006, de 27 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 76 -A/2006, de 29 de Março,
pelas Leis nºs 14/2006, de 26 de Abril, e 53-A/2006, de 29 de Dezembro, pelos
Decretos-Leis nºs 8/2007, de 17 de Janeiro, 303/2007, de 24 de Agosto, 34/2008,
de 26 de Fevereiro, e 116/2008, de 4 de Julho, pelas Leis nºs 52/2008, de 28 de
Agosto, e 61/2008, de 31 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de
Novembro, pela Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, pelos Decretos-Leis nºs
35/2010, de 15 de Abril, e 52/2011, de 13 de Abril, e pelas Leis nºs 63/2011,
de 14 de Dezembro, 31/2012, de 14 de Agosto, e 60/2012, de 9 de Novembro 1.
Estamos
entendidos quanto à clareza? Eis um Simplex legislativo no seu
antípoda!
Verdade
se diga que esta maneira prolixa, enevoada e apopléctica de legislar é muito
comum, constituindo a delícia de muitos advogados e juristas. A lei atrás
referida é, tão-só, um exemplo muito expressivo.
Bem
precisamos de leis enxutas com a devida maquinaria de arrasto de adjacências,
adjectivações e palavreado discursivo, e que sejam entendíveis pela
generalidade dos cidadãos. Se a ignorância da lei não aproveita a ninguém, o
legislador tem o dever de lhe conferir clareza para o seu entendimento.
Este
empanturrado ipsis verbis tirou-me também espaço para a minha outra
secção Scientia Amabilis. Mesmo assim, termino com uma comparação
botânica. A clareza das árvores está ligada à possibilidade de ver a
floresta sem perder de vista cada uma delas. Uma luta leal entre as que já
chegaram ao dossel e as que, jovens, buscam a claridade. Elejo a araucária (Araucaria
heterophylla) como embaixadora da claridade com clareza. De uma simetria igual
nos eixos cada vez mais curtos à medida que o elegante e rectilíneo fuste
cresce para os céus, deixando espaço para que a luz abrace as que se lhe
juntam. Libertando claridade e desenhando clareza. Tão diferente do modo como
agora se legisla abundantemente.
1 transcrição
que não é 100% fidedigna, porque os nomes dos meses são iniciados por letra
maiúscula, o que não acontece no chamado “AO”.
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