quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Os conquistadores de agora (hac hora)



Não, nada têm a ver com os que Camões descreveu, ou, mais recentemente, Hérédia, no seu belo soneto parnasiano, de sons e imagens de esplendor a pontuar ambições humanas em heróico esforço de conquista:

Les conquérants

Comme un vol de gerfauts hors du charnier natal,
Fatigués de porter leurs misères hautaines,
De Palos de Moguer, routiers et capitaines
Partaient, ivres d'un rêve héroïque et brutal.

Ils allaient conquérir le fabuleux métal
Que Cipango mûrit dans ses mines lointaines,
Et les vents alizés inclinaient leurs antennes
Aux bords mystérieux du monde Occidental.

Chaque soir, espérant des lendemains épiques,
L'azur phosphorescent de la mer des Tropiques
Enchantait leur sommeil d'un mirage doré ;

Ou penchés à l'avant des blanches caravelles,
Ils regardaient monter en un ciel ignoré
Du fond de l'Océan des étoiles nouvelles.
José-Maria de Heredia
Recordam antes todo um povo inerte do descritivo final de Pessoa, na sua Mensagem, contudo, com um apelo final à acção, no nevoeiro entoldante:
Fernando Pessoa
Quinto
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
Valete, Fratres.

Hoje os textos são de crítica. E mágoa também que nos entolda a alma, sem esperar mudança. São esses que Helena Matos descreve, ou esse outro das galhofas de João Miguel Tavares, o qual Santana decididamente não quer perder pitada do bolo que sempre ambicionou, e que ainda hoje ouvi, tu cá tu lá, com Carlos César, acérrimo protagonista das severidades socialistas… Não, não há pachorra. “A Hora” não será mais. “O povo é sereno”.
I - PGR   Manual de sobrevivência para um país sob a política dos dois emes: Marx e Marcelo /premium
OBSERVADOR, 23/9/2018
O PS manda. O PCP governa-se. O BE policia. O PR diverte-se. A democracia apodrece. E, sim, porque havemos de querer contrariar este estado de coisas? Não podemos deixar-nos ir simplesmente?
Há três anos o PS perdia as eleições. No dia 4 de outubro de 2015 António Costa era um derrotado. A 4 de Outubro de 2018 é um dominador. Como foi possível? Juntando Marx e Marcelo.
Essa dicotomia tornou possível ao PS governar sem oposição. Ao PCP blindar-se para vários anos no conglomerado dos funcionários públicos (ninguém investiga o que se esconde por trás da língua de pau dos sindicatos sobre as carreiras, as progressões, os congelamentos…) Ao BE em particular e à “esquerda caviar” em geral tornar-se num secretariado do politicamente correcto, determinando sobre quem vai cair a onda de indignação da semana: só nos últimos dias tivemos a questão do “acordão machista” e da exposição em Serralves a motivarem pedidos de explicações e justificações. Os factos em si não contam. O que vale é o adjectivo que a brigada da indignação lhe cola: uma agressão por exemplo só conta se a brigada a definir como racista ou machista.
Todos os dias à frente dos nossos olhos desenrola-se uma espécie de farsa. Viver num país sob a política dos dois emes – Marx e Marcelo – é possível mas obriga a um enorme esforço não apenas de contenção da indignação mas também e sobretudo de manutenção da lucidez. Afinal a política dos dois emes – Marx e Marcelo – será tão melhor sucedida quanto mais aceitarmos como normal o que antes considerávamos um escândalo; quanto mais justificarmos o que antes inquiríamos; quanto mais desviarmos o olhar daquilo que já quisemos olhar de frente.
Protagonista incontornável deste processo é esse Presidente que do fogo de Pedrogão ao assalto aos paióis de Tancos ou à substituição da PGR tudo banaliza. A começar pelas suas próprias palavras: os esclarecimentos que iam ser “cabais” nunca apareceram. Os “inquéritos integrais” não se sabe onde estão. A procuradora sobre cuja substituição o PR dizia não fazer a “mínima ideia” afinal já estava substituída.
Como se sai disto? No passado os militares resolviam o assunto. Ou melhor dizendo abriam um novo capítulo nesse declive agónico que é o da degradação dos regimes. Na democracia portuguesa as falências têm cumprido esse papel. E agora como vai ser? Esperamos que um novo pedido de resgate resolva o assunto? Quiçá um escândalo. Alguma coisa há-de ser, não é?
Mas vamos à pergunta que três resgates impõem: para quê? Sim, não vamos discutir o quando nem o como do próximo momento  de crise porque isso é apenas uma questão de calendário e de procedimentos já devidamente rotinados. O que o tempo tornou urgente é sim o porquê: sim, porque havemos de querer contrariar este estado de coisas? Não podemos deixar-nos ir simplesmente?
Esta pergunta tornou-se-me mais urgente após ler no Observador o texto assinado por Passos Coelho a propósito do afastamento de Joana Marques Vidal. Nesse texto houve quem visse um sinal de que a vida política do antigo primeiro-ministro não terminara. Talvez tenham razão. É certo que me conto entre aqueles que fazem uma avaliação positiva quer do mandato quer da personalidade de Passos Coelho mas por mais que deseje que a vida pessoal e política de Passos Coelho seja bem sucedida não posso deixar de perguntar: Passos Coelho voltaria para quê? Que projecto tem para os portugueses? Sim, porque 2011 não se pode repetir: Passos não está a pensar voltar para pedir aos mesmos do costume – os contribuntes – que façam mais um esforço? Muito menos para lutar por uma vitória que nunca o será enquanto o socialismo-estatismo se mantiver como o modelo ideal, moralmente superior e constitucionalmente inatacável a que regressamos assim que existe uma folga orçamental? É que se for para isso muito francamente, não vale a pena Passos Coelho dar-se ao trabalho de sair de casa.
Segundo o INE, Lisboa e Porto ganharam 1600 moradores no ano passado. Helena Roseta, coordenadora do grupo de trabalho da AR para a habitação, estranha. Ou seja Helena Roseta não estranha o seu desconhecimento de algo que devia ter percebido: afinal há anos e anos que Lisboa e Porto perdiam habitantes. Quando a tendência se inverte a coordenadora do grupo de trabalho da AR para a habitação não só não dá por nada como “estranha”. Durante décadas Lisboa perdeu habitantes. Prédios degradados e vazios sucediam-se nas ruas. Nos anos 80, as quedas de edifícios vazios eram uma tragédia mais que anunciada. Depois vieram os incêndios. Mas na propaganda que por aí anda Lisboa e Porto eram cidades onde cada um conseguia alugar a casa dos seus sonhos por um preço acessível. Algo me diz que estes dados agora apresentados pelo INE ou vão ser ignorados ou hostilizados pois não se pode deixar a realidade destruir o activismo.
Inebriado com a mobilização em torno da causa da moda escreve o PÚBLICO: «Em Lisboa, turistas ouviram residentes dizer: “A cidade é nossa!” Centenas de pessoas vindas dos bairros históricos e das periferias desfilaram na capital pelo  “direito à habitação” e o “fim da especulação”Substituam-se turistas por migrantes ou refugiados e estávamos a falar de racismo e xenofobia não era?
Lembram-se do AIMI (vulgo imposto Mortágua) que ia incidir sobre o património dos ricos muito ricos? Pois como os ricos em Portugal são poucos e o dinheiro dos impostos nunca chega, os impostos criados para incidir sobre os ricos acabam a ter de ser pagos pelos pobres. E assim não contentes em tributar como o AIMI os ditos ricos proprietários de valiosíssimos imóveis o fisco está a intimar as administrações de condomínio de prédios ricos e modestos a também elas pagarem esse imposto não se percebe com que legitimidade pois as administrações de condomínio não possuem património algum e pelos imóveis os proprietários já pagam AIMI.
COMENTÁRIO
Rui Jacinto: Começo por dizer do imenso alívio que sinto ao ler este excelente e corajoso trabalho de Helena Matos. Afinal não estou só, com outras palavras é isto que venho a dizer desde há muito. Não votei Costa nem Marcelo, não por ser contra esta nova versão do estado/patrão à velha e caduca maneira soviética, ou por ver em Marcelo um seguidor do outro Marcelo. Faço-o porque nasci em 1939 e tenho boa memória das más memórias desse tempo. Da vida dos meus pais e sobretudo da vida na cidade de província onde nasci, a apenas 69 Km de Lisboa. Tive a sorte do meu suor, da minha objectividade, do rumo que tracei a mim próprio de não ser ignorante e querer dar mais do que recebi. Mas não alcancei o que sou por jogadas de bastidor, subserviência ou golpadas. Perdoem-me a imodéstia, mas no caminho até alcançar no norte da Europa um lugar de direcção na então maior tecnológica mundial, encontrei muita escumalha mais bem intencionada do que a maioria dos nossos políticos. Portugal é único na indiferença do Povo perante a carneirada que lhes dita as leis e os explora. Só isso torna possível que um incompetente presidente do BdP seja colocado em posição de relevo no BCE, e que um PM abandone a governação por sentir que o país está um pântano para ser hoje secretário geral das NU. Com este Povo tão trabalhador mas que se contenta com tão pouco, percebe-se a razão por que quase todos anseiam ser funcionários públicos.   'Malhas que o império tece'! Não é Marx e Marcelo. É Costa Marcelo e Ghandi. A afinidade é indiana.
 II - Aliança: divorciar à direita para casar à esquerda?
Em termos ideológicos, aquilo que o Aliança vem acrescentar ao sistema político é zero. Há mais divergências ideológicas dentro do PS do que aquelas que irão existir entre o PSD de Rui Rio e o Aliança de Pedro Santana Lopes.
PÚBLICO,21 de Agosto de 2018,
Eu não votaria em Pedro Santana Lopes nem para delegado de turma, mas isso não significa que a sua intuição política deva ser desvalorizada. Santana foi esperto: esta era a altura certa para criar um novo partido à direita, aproveitando o descontentamento que reina no PSD, a apatia do CDS e a dificuldade que o PS sempre terá em chegar à maioria absoluta. Imaginem que António Costa fica a dois ou três deputados dos 116 e que o novo partido de Santana Lopes tem esses dois ou três deputados — de repente, o novo Aliança pode conseguir um protagonismo, e um poder, que jamais alcançaria noutra conjuntura política. Era agora ou nunca.
Dir-me-ão: se é para casar com António Costa, o que não falta são pretendentes. Desde logo, Rui Rio. Certo. Mas isso é pressupor que a formação do Aliança se justifica por razões ideológicas, e que Santana só decidiu avançar porque havia uma bonita horta da direita portuguesa que Rio tem deixado ao abandono. Não é nada disso. É tudo, e só, uma questão de influência e acesso ao poder, porque é precisamente a isso que está reduzida a mansa política portuguesa pós-Passos. Em termos ideológicos, aquilo que o Aliança vem acrescentar ao sistema político é zero. Há mais divergências ideológicas dentro do PS do que aquelas que irão existir entre o PSD de Rui Rio e o Aliança de Pedro Santana Lopes.
Leram a descrição do “espaço político” que o partido quer ocupar, segundo o Expresso? É o banalíssimo espaço do centro-direita português, onde cabe tudo aquilo que lá se queira enfiar, e que vai do CDS à direita do PS. O Aliança diz que vai ser “um partido personalista, liberalista e solidário”, o que significa coisa nenhuma. “Europeísta, mas sem dogmas”, o que dá para tudo. Disposto a enfrentar “a agenda moral da extrema-esquerda”, o que é banal como um bocejo. Preocupado com a “cultura”, a “inovação”, a “justiça”, a “desertificação” e o “mar” (juro). E, sobretudo — vade retro! — um partido desejoso de “evitar rótulos e preconceitos ideológicos infundados”. É típico cozido à portuguesa. Tudo para dentro da panela. Onde a cada momento soprar o vento, lá estará Santana Lopes a largar as velas.
Poupem-me, já agora, a comparações com o movimento que levou Macron ao Eliseu ou com o papel do Ciudadanos. Esses deram uma resposta inovadora a sistemas políticos em desagregação acelerada, e a sua mais-valia foi a apresentação de caras novas em regimes velhos. Ora, se Santana Lopes é uma cara nova, eu sou o Lourenço Ortigão. Ideologicamente falando, Santana não tem nada para oferecer, e é até ridículo a Iniciativa Liberal estar a acusá-lo de roubar as suas ideias. Santana nunca foi, e nunca será, um liberal — e até já deixou claro que o seu novo partido 
Aquilo que Santana tem, e pode ser proveitoso para certos descontentes do PSD que vão ficar fora das listas de Rio, é capacidade discursiva, reconhecimento público, palco mediático e tarimba política — e isso significa capacidade de colocar deputados em São Bento, que é mais do que qualquer novo partido tem para oferecer. Note-se ainda que há vários movimentos independentes pelo país surgidos via autárquicas (Rui Moreira, desde logo), e que se Santana conseguir agregar esses movimentos pode alcançar resultados surpreendentes fora de Lisboa. O momento era mesmo este — e Santana intuiu isso bem. Mas ponham de lado as reflexões ideológicas, se faz favor. É de poder puro e simples que estamos a falar.


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