Não, nada têm a ver com os que
Camões descreveu, ou, mais recentemente, Hérédia,
no seu belo soneto parnasiano, de sons e imagens de esplendor a pontuar
ambições humanas em heróico esforço de conquista:
Les conquérants
Comme un vol de gerfauts hors du charnier natal,
Fatigués de porter leurs misères hautaines,
De Palos de Moguer, routiers et capitaines
Partaient, ivres d'un rêve héroïque et brutal.
Ils allaient conquérir le fabuleux métal
Que Cipango mûrit dans ses mines lointaines,
Et les vents alizés inclinaient leurs antennes
Aux bords mystérieux du monde Occidental.
Chaque soir, espérant des lendemains épiques,
L'azur phosphorescent de la mer des Tropiques
Enchantait leur sommeil d'un mirage doré ;
Ou penchés à l'avant des blanches caravelles,
Ils regardaient monter en un ciel ignoré
Du fond de l'Océan des étoiles nouvelles.
José-Maria de Heredia
Fatigués de porter leurs misères hautaines,
De Palos de Moguer, routiers et capitaines
Partaient, ivres d'un rêve héroïque et brutal.
Ils allaient conquérir le fabuleux métal
Que Cipango mûrit dans ses mines lointaines,
Et les vents alizés inclinaient leurs antennes
Aux bords mystérieux du monde Occidental.
Chaque soir, espérant des lendemains épiques,
L'azur phosphorescent de la mer des Tropiques
Enchantait leur sommeil d'un mirage doré ;
Ou penchés à l'avant des blanches caravelles,
Ils regardaient monter en un ciel ignoré
Du fond de l'Océan des étoiles nouvelles.
José-Maria de Heredia
Recordam antes todo um povo
inerte do descritivo final de Pessoa, na sua Mensagem, contudo, com um
apelo final à acção, no nevoeiro entoldante:
Fernando Pessoa
Quinto
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
Valete, Fratres.
Hoje os textos são de crítica. E mágoa também que nos
entolda a alma, sem esperar mudança. São esses que Helena Matos descreve, ou esse outro das galhofas de João Miguel Tavares, o qual Santana decididamente não quer perder
pitada do bolo que sempre ambicionou, e que ainda hoje ouvi, tu cá tu lá, com Carlos César, acérrimo protagonista das
severidades socialistas… Não, não há pachorra. “A Hora” não será mais. “O povo é sereno”.
OBSERVADOR, 23/9/2018
O PS manda. O PCP governa-se. O
BE policia. O PR diverte-se. A democracia apodrece. E, sim, porque havemos de
querer contrariar este estado de coisas? Não podemos deixar-nos ir
simplesmente?
Há três anos o PS perdia as eleições. No dia 4 de outubro de 2015 António
Costa era um derrotado. A 4 de Outubro de 2018 é um dominador. Como foi
possível? Juntando Marx e Marcelo.
Essa dicotomia tornou possível ao PS governar sem oposição. Ao PCP blindar-se para vários anos no
conglomerado dos funcionários públicos (ninguém investiga o que se esconde por
trás da língua de pau dos sindicatos sobre as carreiras, as progressões, os
congelamentos…) Ao BE em particular e à “esquerda caviar” em geral
tornar-se num secretariado do politicamente correcto, determinando sobre quem
vai cair a onda de indignação da semana: só nos últimos dias tivemos a questão
do “acordão machista”
e da exposição em Serralves a motivarem pedidos de
explicações e justificações. Os factos em si não contam. O que vale é o
adjectivo que a brigada da indignação lhe cola: uma agressão por exemplo só
conta se a brigada a definir como racista ou machista.
Todos os dias à frente dos nossos
olhos desenrola-se uma espécie de farsa. Viver num país sob a política dos dois emes – Marx e Marcelo – é
possível mas obriga a um enorme esforço não apenas de contenção da indignação
mas também e sobretudo de manutenção da lucidez. Afinal a política dos dois
emes – Marx e Marcelo – será tão melhor sucedida quanto mais aceitarmos como
normal o que antes considerávamos um escândalo; quanto mais justificarmos o que
antes inquiríamos; quanto mais desviarmos o olhar daquilo que já quisemos olhar
de frente.
Protagonista incontornável deste
processo é esse Presidente que do fogo de Pedrogão ao assalto aos paióis de
Tancos ou à substituição da PGR tudo banaliza. A começar pelas suas próprias
palavras: os esclarecimentos que iam ser “cabais” nunca apareceram. Os
“inquéritos integrais” não se sabe onde estão. A procuradora sobre cuja
substituição o PR dizia não fazer a “mínima ideia” afinal já estava
substituída.
Como se sai disto? No passado os militares resolviam o assunto. Ou
melhor dizendo abriam um novo capítulo nesse declive agónico que é o da
degradação dos regimes. Na
democracia portuguesa as falências têm cumprido esse papel. E agora como vai
ser? Esperamos que um novo pedido de resgate resolva o assunto? Quiçá um
escândalo. Alguma coisa há-de ser, não é?
Mas vamos à pergunta que três resgates impõem: para quê? Sim, não vamos discutir o
quando nem o como do próximo momento de crise porque isso é apenas uma
questão de calendário e de procedimentos já devidamente rotinados. O que
o tempo tornou urgente é sim o porquê:
sim, porque havemos de querer contrariar este estado de coisas? Não podemos
deixar-nos ir simplesmente?
Esta pergunta tornou-se-me mais urgente após ler no Observador o
texto assinado por Passos Coelho a propósito do afastamento de Joana Marques
Vidal. Nesse texto houve quem visse um
sinal de que a vida política do antigo primeiro-ministro não terminara.
Talvez tenham razão. É certo que me conto entre aqueles que fazem uma avaliação
positiva quer do mandato quer da personalidade de Passos Coelho mas por mais
que deseje que a vida pessoal e política de Passos Coelho seja bem sucedida não
posso deixar de perguntar: Passos Coelho
voltaria para quê? Que projecto tem para os portugueses? Sim, porque
2011 não se pode repetir: Passos não está a pensar voltar para pedir aos mesmos
do costume – os contribuntes – que façam mais um esforço? Muito menos para
lutar por uma vitória que nunca o será enquanto o socialismo-estatismo se
mantiver como o modelo ideal, moralmente superior e constitucionalmente
inatacável a que regressamos assim que existe uma folga orçamental? É que se
for para isso muito francamente, não vale a pena Passos Coelho dar-se ao
trabalho de sair de casa.
Segundo o INE, Lisboa e Porto ganharam
1600 moradores no ano passado. Helena Roseta, coordenadora do grupo de trabalho
da AR para a habitação, estranha. Ou seja Helena Roseta não estranha o seu desconhecimento de algo que
devia ter percebido: afinal há anos e anos que Lisboa e Porto perdiam
habitantes. Quando a tendência se inverte a coordenadora do grupo de trabalho
da AR para a habitação não só não dá por nada como “estranha”. Durante décadas
Lisboa perdeu habitantes. Prédios degradados e vazios sucediam-se nas ruas. Nos
anos 80, as quedas de edifícios vazios eram uma tragédia mais que anunciada.
Depois vieram os incêndios. Mas na propaganda que por aí anda Lisboa e Porto
eram cidades onde cada um conseguia alugar a casa dos seus sonhos por um preço
acessível. Algo me diz que estes dados agora apresentados pelo INE ou vão ser
ignorados ou hostilizados pois não se pode deixar a realidade destruir o
activismo.
Inebriado com a mobilização em torno da causa da moda escreve o
PÚBLICO: «Em Lisboa, turistas ouviram
residentes dizer: “A cidade é nossa!” Centenas de pessoas vindas dos bairros
históricos e das periferias desfilaram na capital pelo “direito à habitação” e o “fim da especulação”.»
Substituam-se turistas por migrantes
ou refugiados e estávamos a falar de racismo e xenofobia não era?
Lembram-se do AIMI (vulgo imposto Mortágua) que ia incidir sobre o
património dos ricos muito ricos? Pois como os ricos em Portugal são poucos e o
dinheiro dos impostos nunca chega, os impostos criados para incidir sobre os
ricos acabam a ter de ser pagos pelos pobres. E assim não contentes em tributar
como o AIMI os ditos ricos proprietários de valiosíssimos imóveis o fisco está
a intimar as administrações de condomínio de prédios ricos e modestos a também
elas pagarem esse imposto não se percebe com que legitimidade pois as
administrações de condomínio não possuem património algum e pelos imóveis os
proprietários já pagam AIMI.
COMENTÁRIO
Rui Jacinto: Começo por dizer do imenso alívio que sinto ao ler
este excelente e corajoso trabalho de Helena Matos. Afinal não estou só, com
outras palavras é isto que venho a dizer desde há muito. Não votei Costa nem Marcelo,
não por ser contra esta nova versão do estado/patrão à velha e caduca maneira
soviética, ou por ver em Marcelo um seguidor do outro Marcelo. Faço-o
porque nasci em 1939 e tenho boa memória das más memórias desse tempo. Da
vida dos meus pais e sobretudo da vida na cidade de província onde nasci, a
apenas 69 Km de Lisboa. Tive a sorte do meu suor, da minha
objectividade, do rumo que tracei a mim próprio de não ser ignorante e querer
dar mais do que recebi. Mas não alcancei o que sou por jogadas de
bastidor, subserviência ou golpadas. Perdoem-me a imodéstia, mas no
caminho até alcançar no norte da Europa um lugar de direcção na então maior
tecnológica mundial, encontrei muita escumalha mais bem intencionada do que a
maioria dos nossos políticos. Portugal é único na indiferença do Povo
perante a carneirada que lhes dita as leis e os explora. Só isso torna possível
que um incompetente presidente do BdP seja colocado em posição de relevo no
BCE, e que um PM abandone a governação por sentir que o país está um pântano
para ser hoje secretário geral das NU. Com este Povo tão trabalhador mas que se
contenta com tão pouco, percebe-se a razão por que quase todos anseiam ser
funcionários públicos. 'Malhas que o império tece'! Não é Marx e
Marcelo. É Costa Marcelo e Ghandi. A afinidade é indiana.
II - Aliança:
divorciar à direita para casar à esquerda?
Em termos ideológicos, aquilo
que o Aliança vem acrescentar ao sistema político é zero. Há mais divergências
ideológicas dentro do PS do que aquelas que irão existir entre o PSD de Rui Rio
e o Aliança de Pedro Santana Lopes.
PÚBLICO,21 de Agosto de
2018,
Eu não votaria em Pedro
Santana Lopes nem para delegado de turma, mas isso não significa que a sua
intuição política deva ser desvalorizada. Santana foi esperto: esta era a
altura certa para criar um novo partido à direita, aproveitando o
descontentamento que reina no PSD, a apatia do CDS e a dificuldade que o PS
sempre terá em chegar à maioria absoluta. Imaginem que António Costa fica a
dois ou três deputados dos 116 e que o novo partido de Santana Lopes tem esses
dois ou três deputados — de repente, o novo Aliança pode conseguir um
protagonismo, e um poder, que jamais alcançaria noutra conjuntura política. Era
agora ou nunca.
Dir-me-ão: se é para casar com António Costa, o que não falta são pretendentes.
Desde logo, Rui Rio. Certo. Mas isso é pressupor que a formação do
Aliança se justifica por razões ideológicas, e que Santana só decidiu avançar
porque havia uma bonita horta da direita portuguesa que Rio tem deixado ao
abandono. Não é nada disso. É tudo,
e só, uma questão de influência e acesso ao poder, porque é precisamente a isso
que está reduzida a mansa política portuguesa pós-Passos. Em termos
ideológicos, aquilo que o Aliança vem acrescentar ao sistema político é zero.
Há mais divergências ideológicas dentro do PS do que aquelas que irão existir
entre o PSD de Rui Rio e o Aliança de Pedro Santana Lopes.
Leram a descrição do “espaço
político” que o partido quer ocupar, segundo o Expresso?
É o banalíssimo espaço do
centro-direita português, onde cabe tudo aquilo que lá se queira enfiar, e que
vai do CDS à direita do PS. O Aliança diz que vai ser “um partido personalista,
liberalista e solidário”, o que significa coisa nenhuma. “Europeísta, mas sem
dogmas”, o que dá para tudo. Disposto a enfrentar “a agenda moral da
extrema-esquerda”, o que é banal como um bocejo. Preocupado com a “cultura”, a
“inovação”, a “justiça”, a “desertificação” e o “mar” (juro). E, sobretudo
— vade retro! — um partido
desejoso de “evitar rótulos e preconceitos ideológicos infundados”. É típico
cozido à portuguesa. Tudo para dentro da panela. Onde a cada momento soprar o
vento, lá estará Santana Lopes a largar as velas.
Poupem-me, já agora, a
comparações com o movimento que levou Macron ao Eliseu ou com o papel do
Ciudadanos. Esses deram uma resposta inovadora a sistemas políticos em
desagregação acelerada, e a sua mais-valia foi a apresentação de caras novas em
regimes velhos. Ora, se Santana Lopes é uma cara nova, eu sou o Lourenço
Ortigão. Ideologicamente falando, Santana não tem nada para oferecer, e é até
ridículo a Iniciativa Liberal estar a acusá-lo de roubar as suas ideias.
Santana nunca foi, e nunca será, um liberal — e até já deixou claro que o seu
novo partido
Aquilo que
Santana tem, e pode ser proveitoso para certos descontentes do PSD que vão
ficar fora das listas de Rio, é capacidade
discursiva, reconhecimento público, palco mediático e tarimba política
— e isso significa capacidade de colocar
deputados em São Bento, que é mais do que qualquer novo partido tem para
oferecer. Note-se ainda que há vários movimentos independentes pelo país
surgidos via autárquicas (Rui Moreira, desde logo), e que se Santana conseguir
agregar esses movimentos pode alcançar resultados surpreendentes fora de
Lisboa. O momento era mesmo este — e Santana intuiu isso bem. Mas ponham de
lado as reflexões ideológicas, se faz favor. É de poder puro e simples que estamos a falar.
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