As opiniões criteriosas de alguns comentaristas respondem ao ataque de João Miguel Tavares à utilização dos
fundos europeus, essencialmente como processo de despesa, mais do que de
promoção de rentabilidade, sendo o Estado o maior sorvedouro deles. Sim,
construiu-se bastante, com os empréstimos perdulários, num país habituado a
usar as riquezas – que as teve e boas – em glorificações monumentais e uso pessoal
das classes hierarquicamente mais destacadas. Os dinheiros da U E foram
utilizados na rede de comunicações – nem todas indispensáveis, julgo, e fonte
de desvios, e isso é outra história. Construíram-se blocos de ensino,
agrupamentos escolares, numa absurda tendência massificadora, que não elevou o
ensino e criou apenas algazarra e cansaço docente, num constante vaivém de
imposição de normas, no vazio infrene de reuniões, actas, palavrório e perda de
tempo indispensável para uma mais profícua valorização docente pelo estudo das
matérias específicas. Isto explica o método do disfarce, já na formação de
cidadãos, para mais, numa pedagogia centrada numa liberdade insensata,
desrespeitadora de todas as regras sociais e morais e inibidora de uma formação
capaz, que convergiu na falcatrua como meio de enriquecimento actual.
Construíram-se universidades, descentralizando e difundindo o ensino
universitário, o que foi um bem, sem dúvida, mas não significa isso, necessariamente,
uma apetência cultural saudável, nestes tempos de tecnologia monopolizadora e
alienatória, pese embora as vantagens de um desenvolvimento pela imagem e
rapidez gestual ou mesmo conceptual, que uma leitura mais consciente ajudaria a
concretizar. O facto é que a balada de José Afonso, da crítica salazarista – Os Abutres
- tem perfeita aplicação hoje, como prova João
Miguel Tavares. A diferença está em que dantes os abutres eram mais os
donos de empresas, algumas estatais, é certo, o funcionalismo ou os
trabalhadores das empresas sendo magnificamente explorados e sem as regalias de
assistência pública que os empréstimos ao estrangeiro possibilitaram hoje,
graças a uma solidariedade social que não é fictícia, contudo. Mas esta mesma,
de reivindicação constante e desestabilizadora, por meio das greves que tudo
arrasam, ajuda à formação de indivíduos cada vez mais reivindicativos e parasitas
desse sistema social, seres amorfos que a sociedade modelou. Dantes, a
mendicidade no nosso país era ganha com “o suor do seu rosto”, como exemplifica
Miguel Torga com o seu “Garrinchas” palmilhante, nas andanças do pedir. Hoje
existem associações e pessoas disponíveis para ajudarem os desistentes sociais
e isso parece-me admirável, embora, mais do que compaixão, eu sinta desprezo
pelos tais parasitas, mau grado as razões que possam apresentar em seu abono. Os
animais da selva lutam pela sua sobrevivência, os “pobres” humanos apelidados
de “sem-abrigo”, nem isso. E os governos e as sociedades permitem-no,
indiferentes a esse cancro social dos nossos tempos de promiscuidade. O Estado tornou-se
mais protector, sem dúvida, mas a exploração que foi sempre nosso apanágio,
continua, mesquinhos que somos. Sim, o Estado é quem canaliza os fundos
europeus e fez coisas que provam que é pessoa de bem. Mas é de bem como todos
somos, com disfarce e arranjinhos por detrás, como se tem visto e isso vem da
tal educação e da nossa idiossincrasia de povo mesquinho, jamais reconhecido
pelos tais “abutres”. Parece que os povos nórdicos são os mais democratas, por
educação e racionalidade, mas penso que também porque a sua densidade
populacional é mais reduzida. A nossa mesquinhez vem de longa data, fruto de
uma educação estreita e elitista e mal acompanhante do progresso europeu, mau
grado o contributo que deu para ele, outrora.
OPINIÃO
O Estado come tudo e não deixa nada
O Portugal 2020 é um orçamento de Estado paralelo.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 26 de
Julho de 2018
Se perguntarmos a várias pessoas para que servem os fundos europeus,
imagino que entre as respostas mais comuns esteja: “apoiar o desenvolvimento do país”, “ajudar empresas a expandir os seus
negócios”, “promover a inovação”, “aumentar o número de PME nacionais”. Sim,
todos sabemos que a primeira grande leva do dinheiro da Europa foi gasta em
viadutos e autoestradas (e jipes), mas após o enorme investimento em
infra-estruturas, qualquer pessoa achará natural e desejável que as novas vagas
de fundos estejam a ser canalizadas para o apoio à iniciativa privada. Pois bem: não estão.
O jornalista Edgar Caetano publicou um artigo no Observador onde analisa os projectos que
foram alvo de maior financiamento europeu ao abrigo do programa Portugal 2020.
E chegou a esta tristíssima conclusão ao olhar para o top 30 dos apoios
europeus: “26 dos maiores financiamentos
foram para o Estado e só quatro para empresas.” Ou seja, 87% dos
recursos de topo foram canalizados para financiar projectos estatais, e apenas
uns insignificantes 13% puderam ser aproveitados por empresas privadas. O Portugal 2020 é um orçamento de Estado
paralelo.
Que projectos estatais são esses? Para além da modernização da ferrovia e
do investimento numa hidroeléctrica da Madeira, a grande fatia do dinheiro vai
para o suspeito do costume – a obsessão nacional pela formação, ainda que o
tecido produtivo português não tenha depois capacidade para absorver tantos
formados. Entre os apoios prioritários estão “vários programas e bolsas para
estudantes, incluindo apoios a doutoramentos e
pós-doutoramentos (co-financiados a 85% e o restante pela
Direcção-Geral do Ensino Superior)” e também “apoios à realização de estágios
para estimular o emprego jovem, em conjunto com o Instituto do Emprego e
Formação Profissional”. Como é
evidente, isto é apenas utilizar fundos europeus para assumir despesa que de
outra forma estaria incluída no Orçamento de Estado. Os 26 mil milhões de euros
que o programa tem vindo a distribuir desde 2014 são demasiado preciosos para
que o Estado não lhes meta o dente, com a voracidade própria de quem tem pouco
dinheiro no bolso e muitas bocas para alimentar.
Lembram-se do mini-escândalo de Outubro de 2017, quando se percebeu
que parte dos donativos angariados para ajudar as vítimas de Pedrógão estava a
ser canalizada para equipar a unidade de queimados do Hospital de Coimbra?
Aqui a lógica é a mesma. Ajudar a
sociedade significa, em primeiro lugar, ajudar o Estado, que depois ajuda a
sociedade. Nem sequer é difícil conseguir isso. No caso dos fundos europeus, o
Estado é simultaneamente avaliador de candidaturas e candidato, e envolve tudo
numa dose infrene de burocracia. Qualquer empresa privada de média dimensão
interessada em inovar tem de ir bater a outra porta, porque o novo já é velho
quando finalmente chega o OK para libertar a verba.
Resultado: o dinheiro, como está
dito no artigo, “acaba por ir sempre para os mesmos” – universidades,
institutos, cursos de formação profissional com os quais andamos há 40 anos a
prometer desenvolver o país, sem sucesso. O Portugal 2020 é um quadro de
apoio ao desenvolvimento económico de Portugal, mas como nesta terra se
considera que o Estado é o único e verdadeiro motor de desenvolvimento, as
empresas ficam a chuchar no dedo e o dinheiro acaba retido nas redes do
Terreiro do Paço. Nem vale a pena protestar. O socialismo é mesmo isto. E
parece que os portugueses gostam muito.
Alguns comentários:
quinhe, 27.07.2018: "obsessão nacional pela formação"????
"o tecido produtivo português não tenha capacidade para absorver tantos
formados"???? Desde quando a
formação ocupa espaço nas empresas? Desde quando é que trabalhadores bem
formados é mau para a produtividade? Já agora porque não se fala na falta de
formação, a diversos níveis, dos empresários portugueses? Só num país como
Portugal é que um grande número de pessoas bem formadas (e já agora informadas)
em termos técnicos e académicos é um problema sério! Porque será? Será porque é
mais fácil enganar cidadãos e trabalhadores do que está subjacente a décadas de
analfabetismo e iliteracía como política pública? Quiçá? Espera-se que pessoas
tão bem formadas e informadas como o autor desta "opinião" possam
contribuir para esclarecer.
Jose 26.07.2018:
Os neoliberais lutam contra o
Estado através de mais Estado. Quanto mais Estado mais neoliberais (quadros do
PS, PSD, CDS) ocupam a gestão de fluxos financeiros para desviar e mais poder
interno têm para reprimir, usar e abusar de trabalhadores por conta de outrem.
Essa corja de abutres (quadros do PS, PSD, CDS) são os agentes do desvio de
dinheiros públicos para as empresas privadas para onde irão ser CEO's e abutres
como Mexia... Esse mecanismo leva os salários para baixo do mínimo e por isso
se empobrece trabalhando e leva os impostos para a carga máxima que impede o
investimento privado. Os abutres privados reclamam então investimento público
para serem eles os usufrutuários desses investimentos.
Javali Javali
profissional 27.07.2018 Então porque é que o PCP e o BE pedem sempre mais Estado? LOL cada vez
mais cómico.
Jose Vitorino,
Palmela Todos falam contra o Estado, mas todos comem do Estado. Ha 15 anos desabafava
um administrador de um banco de investimento, que não havia investimento em que
não houvesse o aval do Estado. Em todos os casos conhecidos em que o Estado era
maioritário nas empresas e que acabaram vendidas com o argumento que a gestão
privada seria muito melhor para todos, depois de vendidas visivelmente só foi
melhor para os que promoveram as vendas (políticos e escritórios de advogados)
e accionistas foi mau para os consumidores para os trabalhadores dessas
empresas para o Estado que vendeu e ainda paga (veja-se as rendas) .
Ramiro
Carrola: 26.07.2018 : Digam-me cá: Se não fossem
todos estes milhares de milhões de euros que desembocam de Bruxelas no Terreiro
do Paço, para além das já três ou quatro bancarrotas socialistas dos últimos 40
e picos anos que levamos de partidocracia, que teria sido de Portugal do Sol e
dos Turistas? Respondo: acho que estaríamos em instrução, vias de comunicação,
saneamento básico, saúde, e etc., nos mesmos sombrios patamares do ano, já não
digo de 1974, mas, recuando uns anitos, de 1910. Tristeza!
Perseguido e
Despromovido: Vivam
todos os Javalis 26.07.2018 ! Os
fundos estruturais e os empréstimos são uma faca de dois gumes, pois estimulam
tanto o investimento como os delírios de grandeza. O primeiro foi bom para o
país, os segundos fazem pobreza e bancarrotas e arrasam o seu futuro. Penso que
agora só temos os segundos.
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