Mas Macron desceu ao povoado, e António Costa passeou-se com ele, e o
repórter até falou na dificuldade de os acompanhar do Rossio até à Praça do
Comércio, para nos mostrar o companheirismo de Macron e de A. Costa, este
serviable como convém, aquele condescendente, mas parece que se trata duma boa
liaison económica entre a Espanha, a França e nós, que não gostamos de deixar
os nossos créditos por mãos alheias e por isso eu até apreciei a passeata e o
sorriso rasgado de Costa revelador do seu prazer nisso dos créditos, apesar da desordem cá, por
causa das greves prolongadas, comandadas pelos tais donos e as suas vozes de
que fala A. G.. Além de que já se pagou mais da dívida, texto que transcrevo
para confirmar, e desfazer a má vontade de Alberto Gonçalves, que para mais se
esquece, quando compara a falta de mortos nos incêndios suecos com os dos
incêndios gregos e portugueses, a diferente densidade populacional e tamanho
dos respectivos países, o que torna o confronto menos equitativo. Mas leiamos a epígrafe
do texto do Público, de Sérgio Aníbal, e alegremo-nos com a boa nova:
Dívida ao FMI fica com juros
baixos e ainda há espaço para poupar mais. Do empréstimo inicial de 26.300
milhões de euros, Portugal vai ficar a partir desta quarta-feira a dever apenas
4600 milhões. Mas mesmo agora que as taxas estão mais baixas ainda pode fazer
sentido pensar numa amortização antecipada. .
PÚBLICO, 24 de Janeiro de 2018
Quanto ao artigo de Alberto
Gonçalves, coloco o comentário de apreço do Professor Pardal, que subscrevo, é
claro:
Um comentário:
Professor Pardal: Uma brilhante alegoria
do Estado da Nação. Um excelente reflexo daquilo em que se tornou este país e
este mundo. Aquilo a que chamamos o mainstream
media controla a agenda e regula a informação que chega à maioria
da população, chegando, por vezes, a deliberadamente manipulá-la.
Dou como exemplo a muito actual "crise dos
refugiados". É absolutamente impressionante como os casos de violações,
motins e coisas afins que se vão passando diariamente em inúmeras cidades europeias passam
olimpicamente à margem dos telejornais. A recente invasão de Ceuta é só mais um
caso.
Poderia acrescentar muito mais exemplos de falta de
seriedade jornalística actualmente. Para não ser fastidioso deixo apenas mais
um, talvez o mais flagrante que é a parcialidade existente em relação a Israel.
Incrivelmente, centenas de rockets e de engenhos explosivose incendiários que são enviados da faixa de Gaza nunca
são noticiados. Incrivelmente, uma cultura de morte e guerra é glorificada
enquanto uma sociedade pacífica e democrática é ostracizada.
São mesmo a voz do dono.
As vozes e os donos /premium
Há sobretudo o aroma
da doença que precede o fim, e a terrível impressão de que ainda estamos no
princípio. Portugal tornou-se uma imensa exposição de fancaria que as vozes dos
donos vendem aos berros.
Um deputado do antigo PSD,
Carlos Abreu Amorim, comparou os incêndios gregos aos portugueses e despertou a
cólera das boas consciências. As boas consciências irromperam a rejeitar a
utilização de uma desgraça para fins políticos. Uma obscuridade do PS
classificou o comentário de “vergonhoso e indigno” (ao invés dos comentários
vergonhosos e dignos). Uma moça do BE falou em “demagogia barata” (a do Bloco
sai caríssima). E a sensível filha de Adriano Moreira afirmou que “não se pode
descer mais baixo”. Ou pode?
Claro que sim. Trinta e cinco segundos após as patrulhas
definirem os limites da linguagem e proibirem o aproveitamento da tragédia de
lá para caluniar o governo daqui, passou-se à fase posterior. A fase posterior consistiu no
aproveitamento da tragédia de lá para desresponsabilizar o governo daqui,
exercício que, ao invés de fúria, suscita regozijo geral. Na ânsia de agradar
aos chefes, numerosos serviçais da oligarquia desataram a explicar às massas
porque é que os governos (socialistas, escusado acrescentar) não devem ser
criticados quando as coisas ardem. Em prosa pungente, o novo director de um
defunto diário evocou o calor, os ventos, as árvores, a humidade, as mudanças
climáticas, a densidade urbana, o turismo, o sr. Trump e a pesca da solha para
concluir, acho eu, que nenhum governante (salvo os de “direita”, suspeito) tem
culpa dos incêndios.
Alguém disse o contrário?
Entre gente civilizada, julgo que não. E os serviçais da oligarquia, as vozes dos donos, sabem. Não sendo
demasiado iluminados, sabem o suficiente para saber que o problema não passa
exactamente pelos incêndios, mas pelas vítimas que estes causaram. Sabem que
a recente devastação na Suécia, provocada pelo “aquecimento global”, pelo
Abominável Homem das Neves e pelo que se lembrarem, até ver não matou uma única
pessoa. Sabem que os massacres portugueses e gregos de 2017 (em dose dupla)
e de 2018 são dos fogos florestais mais mortíferos dos últimos 70 ou 80 anos,
no Ocidente e não só. Sabem que os dois (ou três) exemplos constituem casos
singulares de ineficácia do Estado no cumprimento da solitária missão que de
facto lhe cabe. Sabem que pior do que apanhar o sacrossanto Estado em flagrante
delito é, logo de seguida, apanhar as suas figuras gradas numa impecável
exibição de mentiras, desorientação, sentimentalismo, desprezo, cinismo e
crueldade. Sabem que, no auge da calamidade, um primeiro-ministro de férias em
Espanha entra no território do grotesco. Sabem que a nossa gloriosa nação está
nas mãos de criaturas cuja competência não as prepara para sequer gerir um
galinheiro, e cujo carácter aconselha a que não sejam deixadas a sós com as
galinhas.
As vozes dos donos sabem. E sabem que a vassalagem que prestam as torna
menos recomendáveis do que os respectivos amos, e menos habilitadas a emitir
palpites acerca das vítimas que manipulam a troco de uns trocos. E sabem que
nós sabemos que as vítimas não importam e nunca importaram, excepto na medida –
aborrecida, concedo – em que obrigam a controlar eventuais danos na
popularidade. Apesar de beatas e repulsivas, as vozes dos donos sabem. E não
querem saber: a fim de defender a nomenklatura, são capazes de tudo.
Na verdade, porém, não
precisavam de quase nada. Os esforços de propaganda das televisões em peso e da
vasta maioria da imprensa (?) padecem de excesso de zelo e redundância. O país
já se rendeu aos que nele mandam, sem condições e sem necessidade de sujeitar
as vozes dos donos a semelhantes trabalhos. Quando o dr. Costa passeou o calção
a mil quilómetros dos cadáveres de Pedrógão e não houve alcatrão e penas para o
acolher no regresso, percebeu-se que desistimos em definitivo de nos
assemelharmos a uma sociedade moderadamente higiénica e suportável. De então
para cá, a pocilga fatalmente refinou-se, tal como a jovial resignação dos seus
habitantes aos enxovalhos que lhes atiram para cima.
Hoje, a nomenklatura poderia cantar a “Casinha” no velório de falecidos
à conta dos cortes hospitalares – e não sofreria qualquer remoque. Há amigos da
saúde pública que se tratam na privada, e inimigos da especulação imobiliária
que especulam com fervor. Há desastres sucessivos nas finanças e saques
imparáveis no fisco. Há palco aberto aos fascistas das “causas”, crescentemente
fanáticas e amalucadas. Há corrupção impune, pulhice recompensada, populismo em
rédea solta. E isto sem consequências, sem escrutínio, sem dissensão, sem
vergonha, sem esperança, sem remorso. Há, principalmente, o aroma da doença
que precede o fim, e a terrível impressão de que ainda estamos no princípio.
Portugal tornou-se uma imensa exposição de fancaria, que as vozes dos donos
vendem aos berros.
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