Uma noite em cheio, como recuo no mergulhar nas notícias que nos
atordoam, deixando-me enfeitiçar pelo espectáculo de comemoração do 90º
aniversário de Line Renaud,
organizado por France 2 e transmitido pela TV5 esta noite de 27/7. Um serão
maravilhoso que deixa, contudo, também um sabor amargo, pelo confronto que não
podemos deixar de estabelecer entre os nossos espectáculos, definitivamente de
cariz popularucho, e a elegância, bom gosto, simpatia e beleza de um
espectáculo em grande escala, com orquestra, figuras várias perpassando,
recordando os êxitos de Line Renaud
presente e bonita, a quem foi oferecida a surpresa da presença de tantos seus
amigos que cantaram as suas canções, terminando com o êxito “Une cabane au Canada” e uma bela
representação final de “French Can Can”.
Line Renaud bem viva sempre, quer na
referência aos amigos, quer no discurso de agradecimento por tão expressiva
festa, em que o próprio Presidente Macron não deixou de participar, não em
presença mas com o seu discurso de simpatia televisionado, por uma actriz e
cantora de tanta notoriedade e que tanto se empenhou no combate à Sida.
Mas o programa
acabou, leio algumas notícias dos Públicos:
de Diogo Queiroz de Andrade, de
11/7, de João Miguel Tavares, de
21/7. O primeiro sobre as afinidades perigosas de Trump com Putin, e a
destruição da EU. o segundo, sobre as afinidades de nós, portugueses, com nós
próprios. For ever. A mais recente, essa do aproveitamento dos dinheiros para o
refazer das casas ardidas de Pedrógão, utilizado para refazer outras, que nem
sequer foram chamuscadas. Somos ou não somos espertos?
E assim vamos andando, de esperança em
realidade, de realidade em desesperança…
I -EDITORIAL
Trump encena o mundo perfeito de Putin
Mais uma aparição europeia do
Presidente americano que confirma que os EUA já não são um aliado da Europa nem
da democracia liberal. É tempo de arrepiar caminho.
DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE
PÚBLICO, 13 de Julho de 2018
O Presidente americano foi igual a si mesmo na cimeira da NATO:
disruptivo, disfuncional, ameaçador, demagogo. Na verdade, Donald Trump parece
nem sequer entender como funciona a organização, repetindo mentira atrás de
mentira e revelando um épico desconhecimento histórico que só envergonha os
americanos. O problema é de fundo: Trump não entende a
lógica das alianças estratégicas nem acredita em aliados. Para o Presidente
americano uma aliança implica a exploração de um ou vários dos seus membros e a
estabilidade é coisa incómoda, pelo que uma parceria mutuamente benéfica está
excluída da sua mundividência.
Não há lógica nas suas atitudes porque, na verdade, o homem não se gere
por princípios de racionalidade. Quando Trump diz a Macron
que o melhor seria que a França abandonasse a União Europeia e lhe promete em
troca um acordo comercial mais vantajoso com os EUA, está a tentar a mesma
forma de relacionamento directo que tentou com Kim Jong-Un. Quando ataca Merkel
pelas suas relações comerciais com a Rússia, está a tentar desestabilizar a
imagem global de um aliado de forma a lucrar com a agitação. É a lógica do
“quanto pior, melhor” aplicada a nível global.
Todos os líderes ocidentais desviam o olhar e assobiam para o lado
enquanto esperam que o mandato de Trump termine. Esta pode ser a única atitude
possível a curto prazo, mas é a abordagem errada. Em vez disso, seria melhor
perceberem que a dependência dos Estados Unidos é algo que tem mesmo de
terminar, seja na égide da defesa ou na persecução de valores comuns. Os EUA já
não são um parceiro fiável dado o extremismo do seu clima político, que
condiciona qualquer acordo de longo prazo e funciona como uma permanente ameaça
com impacto potencialmente global.
E há aqui um outro
enquadramento grave. É que se Vladimir
Putin tivesse sonhado com uma nova ordem mundial, dificilmente seria diferente
disto: uns Estados Unidos isolacionistas, a NATO e a União Europeia em risco de
dissolução e os acordos de comércio livre em cacos. Acrescente-se a isto a
rédea solta que os russos têm na Síria e a facilidade como que espalham os seus
exércitos de hackers, para que este seja o melhor mundo possível
para o Kremlin. A questão passa então a ser porque é que este é também um mundo
interessante para Donald Trump.
II - OPINIÃO
Este país não é para gente honesta
Enquanto esta
mentalidade perdurar, não há nada a fazer. Teremos sempre Pedrógão. Como
teremos sempre a PT.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
PÚBLICO, 21 de Julho de 2018
Olhar para as capas das revistas Sábado e Visão na
passada quinta-feira, bem juntinhas numa banca de jornais, era uma dor de alma. Na capa
da Sábado tínhamos Ricardo
Salgado, José Sócrates, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, e por cima o título
“O assalto à PT – Saiba como eles destruíram a maior empresa portuguesa”.
Lá dentro havia pormenores inéditos sobre a queda da PT e a informação – para
que todos tenhamos uma boa noção do valor ali destruído – de que em 20 anos
a empresa distribuiu “11,7 mil milhões de euros de dividendos” por “pequenos e
grandes accionistas”. A capa
da Visão, por seu lado, trazia a investigação sobre o chocante
aproveitamento dos dinheiros de Pedrógão para a reconstrução irregular de
casas: “O truque de alterar a morada
fiscal, depois dos incêndios, funcionou: várias habitações foram reabilitadas,
apesar de já estarem em ruínas antes do fogo ou de nem serem residência
permanente dos proprietários.”
Aquelas duas capas, postas lado a
lado, dizem mais sobre Portugal do que uma estante inteira de livros de
Sociologia, História e Ciência Política. Elas explicam exemplarmente o
fracasso do país, a sua incapacidade de convergir com os países mais avançados,
a nossa eterna presença na cauda da Europa, esta sensação angustiante de
estarmos sempre a perder o comboio do desenvolvimento. Sobre o escândalo
da PT, do BES ou do governo Sócrates já muito foi dito e escrito. Não vale a
pena repetir-me, ainda que todos os dias me continue a perguntar como foi
possível. Mas a investigação sobre as casas de Pedrógão, onde é revelado um
desvio de fundos na ordem do meio milhão de euros – valor significativo quando
olhamos para o montante global da reconstrução (dez milhões), mas ridículo face
à dimensão das grandes golpadas – na recuperação de habitações inelegíveis ou
não-prioritárias, é tão relevante para a explicação dos constrangimentos do
país quanto o desaparecimento da PT.
O esquema que está na base do desvio de dinheiro de Pedrógão – a alteração da morada fiscal, para fazer
passar uma segunda morada por primeira – é comum a outras situações. Os
deputados da nação fazem o mesmo para receber indevidamente subsídio de deslocação
– e os serviços do Parlamento dizem que não é nada com eles. Tal como a recente
mudança nas regras de acesso às escolas provocou uma corrida à alteração da
morada fiscal no cartão de cidadão – parece que ainda ficou mais fácil do que
antes aldrabar o local onde se vive.
Há mais. Perante todas as
suspeitas, veja-se a postura do presidente da Câmara de Pedrógão Grande,
Valdemar Alves. Primeiro, não respondeu às perguntas da Visão. Depois,
disse à TV que era “uma afronta” e “uma perseguição”. Seguiram-se queixas de
“denúncias de má-fé” e de ser um “trabalho jornalístico encomendado”. E
concluiu dizendo que é “inveja do trabalho que foi feito”. É o método socrático
da cabala aplicado na perfeição.
Eis a triste verdade: Portugal
não é para gente honesta. Isto não significa que não existam pessoas honestas,
mas que a relação dos portugueses com o Estado é em simultâneo de dependência e
de desconfiança, o que se traduz numa cultura de arranjinhos, à qual só os
parvos não aderem. Ninguém sente que o dinheiro do Estado é de todos – o
dinheiro do Estado é de ninguém. Apropriarmo-nos dele através de golpes grandes
ou pequenos demonstra inteligência, não falta de carácter. E enquanto esta
mentalidade perdurar, não há nada a fazer. Teremos sempre Pedrógão. Como teremos
sempre a PT.
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