Pois! Era a irmã do Solnado, que gostava de dizer coisas,
que dizia “pois!” em comentário da sua participação nas conversas. Era no tempo
em que ainda não havia esta coisa da Internet, que facilita as adesões às
escritas com os “Gostos” da aprovação, e ela tinha forçosamente que utilizar a
interjeição da sua anuência, que é muitas vezes também a nossa - como no caso ora
descrito por Vicente Jorge Silva, sobre Trump. Mas também havia uma “cadeira de
baloiço” para quando algum dos familiares de Solnado era despedido. E foi daí
que Solnado, desempregado repentinamente, por ter partido um comprimido no
laboratório onde trabalhava, respondeu ao anúncio da guerra de 1908. É,
provavelmente, a nossa cadeira de baloiço para os tempos que se avizinham, da
nossa incompreensão. O comentário de Jose
responde às preocupações de Vicente
Jorge Silva, que são as mesmas que as nossas. Mas terão um fim, tal como a
guerra do Solnado. Entretanto, vamos baloiçando, na cadeira dos despedimentos.
OPINIÃO
Quando o inverosímil não tem limites
A incredulidade mistura-se,
cada vez mais, à habituação com o novo normal deste teatro grotesco de Trump.
VICENTE JORGE SILVA
PÚBLICO, 22 de Julho de 2018
A 3 de Junho passado escrevia aqui: "De Trump já nada pode vir que nos
surpreenda." Enganei-me. Como vimos nas últimas semanas, Trump
parece apostado em ultrapassar todos os limites de um comportamento errático,
caótico, irresponsável, irracional, impensavelmente
infantil e em choque absoluto com a natureza das funções que exerce – e que, no
seu caso, são as de presidente da (ainda) maior potência mundial.
Havia fundadas suspeitas de
que estivesse refém de Putin, suspeitas essas que se acentuaram nas vésperas da
sua cimeira com o chefe do Kremlin, quando foram acusados 12 espiões russos por
pirataria informática durante a campanha eleitoral de 2016. Ora, que fez Trump
na conferência de imprensa depois da cimeira com Putin? Pois fez tudo para
confirmar essas suspeitas, declarando confiar na palavra do líder russo
enquanto invectivava os serviços secretos americanos. Depois, perante o tumulto
que provocou nos Estados Unidos – nomeadamente entre as altas esferas do
Partido Republicano e media que
lhe eram afectos –, suscitando acusações de "traição" e outras
amenidades, acabou por dar o dito por não dito com
uma das declarações mais patéticas que algum dia se ouviram da boca de um chefe
de Estado (americano ou não). Admitiu, assim, que dissera o contrário do que
devia ter dito sobre a interferência da Rússia nas eleições presidenciais,
responsabilizando Putin por essa eventual interferência. Mas como isto parecia
comprometer a sua lua-de-mel com o Presidente russo, logo avançou com o convite
para uma nova cimeira entre os dois em Washington, notícia essa que apanhou de
surpresa alguns dos círculos mais próximos da Casa Branca e levou o responsável
pelas agências dos serviços secretos a soltar uma gargalhada quando interrogado
na NBC: "Repita lá isso…" A incredulidade mistura-se, cada vez mais,
à habituação com o novo normal deste teatro
Se enquadrarmos estes episódios
no contexto precedente, do G7 à cimeira da NATO, em que, entre outras coisas,
Trump apontou o dedo à União Europeia como "o inimigo" ou a Merkel
como refém de Putin (por causa da dependência energética da Alemanha em relação
à Rússia, mas antecipando com isso, infantilmente, o disfarce da sua própria
dependência perante o líder russo), sem esquecer a nova declaração de guerra
comercial com a Europa e a China, temos os ingredientes de uma ficção
cinematográfica onde se cruzam o Dr.
Strangelove com It’s
a Mad, Mad, Mad, Mad World. Mas o que noutros tempos seria mais do
que suficiente para desencadear um processo de impeachment (tantos
são os sinais de total descontrolo ou demência e suspeitas cada vez mais
fundadas de "traição" ou submissão a uma potência estrangeira) parece
hoje dissipar-se num ambiente interno e internacional propício a relativizar
tudo isto como as "excentricidades" de Trump ou uma "fixação
doentia" na sua personagem (é o que faz, por exemplo, Rui Ramos no Observador).
Se a América perdeu a bússola e tarda em encontrá-la, quase o mesmo
podemos dizer de uma Europa que demorou tempo demais a unificar-se e
autonomizar-se face à América (é isso que Trump capitaliza, acusando os
europeus, demagógica mas certeiramente, de viverem à custa da protecção militar
americana). O lado perverso da globalização gerou fenómenos convergentes dos
dois lados do Atlântico e que sustentam a deriva populista em curso: as crises
identitárias e de exclusão social, a crescente fragilização dos valores
democráticos entre as classes mais afectadas por essas crises e que se recolhem
nas redes sociais onde cada um busca apenas o reflexo das suas próprias
fixações. Daí este tempo das "democracias iliberais" ou das
nostalgias autoritárias, quando o espírito crítico e o discernimento da razão
perdem terreno para a irracionalidade mais grotesca e o inverosímil deixa de
ter limites.
Um comentário merecido:
Jose, 22.07.2018: 1.º não se pode reduzir às pessoas de
Trump, Putin, Merkel, Xi, Qium... Os problemas da humanidade. 2.º não é
razoável reduzir a zero a soma das vontades dos cidadãos e das suas
instituições e discursos. 3.º as mudanças surpreendem sempre os que,
acomodados, são desapossados inesperadamente. 4.º as mudanças geram reações
naturais que se exprimem de várias formas desde a colagem à mudança à
descrença, à frustração e à impotência. 5.º a história é só passado não
determina o futuro que pode sempre ser a descontinuação do passado. 6.º a
América não é pai e mãe da humanidade e pode decidir dizê-lo. 7.º a Rússia não
é nem nunca foi o papão do mundo. 8.º as teorias da conspiração são fantasias.
9.º quem espera por sapatos de defunto anda toda a vida descalço. Conclusão:
cada povo trate da vida!
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