Que sais-je?
Mas gosto de saber. Por isso
transcrevo os textos que nos ilustram sobre o mundo otomano em geral e Ergogan
em particular.
Mas
Erdogan venceu as eleições de 2018
I - ANÁLISE
É difícil ser turco
Apesar da completa
hegemonia do Presidente Tayyip Erdogan, que acumula todos os poderes e asfixia
a informação livre, a política turca não morreu. Os inquéritos confirmam o
reforço do nacionalismo mas também uma clara defesa da democracia e das
liberdades. As eleições deste domingo são mais um desafio ao regime
autoritário.
PÚBLICO, 23 de Junho de 2018
A política não morreu, a
história não acabou. As eleições presidenciais e legislativas turcas deste
domingo são mais um teste ao poder autocrático do Presidente Recep Tayyip
Erdogan e à resistência da democracia política. Um estudo recente
confirma a força do nacionalismo, com uma “crescente obsessão pela soberania
nacional” e mais desconfiança perante o Ocidente. Mas também revela “um
profundo orgulho pelas reformas democráticas”. Este misto de sentimentos
contraditórios e as fundas divisões perante Erdogan sugerem que “a política
turca permanecerá incerta e crescentemente agitada nos próximos anos”.
A história política
turca é marcada por grandes viragens. O ciclo democrático e europeísta aberto
em 2002 é hoje perfeitamente explicável, mas foi uma surpresa. A primeira
década de poder do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) e do seu
líder, Recep Tayyip Erdogan, foi deslumbrante — “o melhor Governo que a Turquia
jamais teve”. A partir de 2011, Erdogan decide ser Presidente e
mudar o regime. Começa uma deriva autoritária. A pergunta passou a ser:
sobreviverá a democracia turca a Erdogan?
Como se chegou aqui?
Quando o autoritarismo
está no apogeu, convém olhar para as fissuras do regime. E
lembrar como “se chegou aqui”. A conversão à democracia dos islamistas
que fundaram o AKP foi uma necessidade. A sua aposta na Europa foi uma alavanca
decisiva para a democratização e para a demolição de uma democracia submetida à
tutela militar. Para lá da democratização e do sucesso económico, a Turquia
tornou-se um modelo para o mundo muçulmano.
A derrapagem começa após
a esmagadora vitória eleitoral do AKP em 2011. Erdogan decide mudar o
regime e estabelecer o seu poder pessoal. Um momento-chave na viragem é
o conflito com o movimento Hizmet, do religioso sufi Fethullah Gülen. Este é
acusado de tentar um “golpe de Estado” através dos seus membros na polícia e na
magistratura. O “golpe” era uma investigação judicial à corrupção no AKP,
incluindo membros do Governo e os filhos de Erdogan. Foi o pretexto para
uma vaga de repressão. Milhares de magistrados, polícias são demitidos e a
liberdade de informação é cerceada.
Em Agosto de 2014, Erdogan
é eleito Presidente da República, na primeira volta, com 51,2% dos votos. Mesmo
sem revisão constitucional, impõe “um presidencialismo sem contrapesos”,
em que o Presidente controla os outros poderes: o legislativo, o executivo,
o judicial — e o mediático. Nascia o “sultão Erdogan”.
Após o estranho “golpe
de Estado” militar de Julho de 2016, Erdogan conclui a depuração do Estado e de
instituições privadas, dos professores aos jornalistas. As eleições deste
domingo decorrem com mais de cem jornalistas presos e com 90% dos jornais e dos
canais de televisão encerrados ou nas mãos de “amigos” de Erdogan. A Turquia
vive desde 2016 em “estado de urgência”.
A revisão constitucional
que institui o presidencialismo é aprovada no referendo de Abril de 2017 por
51,4% dos votos, muito abaixo do que Erdogan desejava. Mas só entrará em vigor
após novas eleições. Entre as inovações, está a eliminação do cargo de
primeiro-ministro. O Presidente da República concentrará todo o poder
executivo.
Que pensam os turcos?
Para acelerar a completa
concentração do poder, Erdogan anunciou, a 18 de Abril, a antecipação do voto
previsto para Novembro de 2019. O novo texto constitucional permite-lhe exercer
dois mandatos de cinco anos. Tenciona ser Presidente até 2028?
Outra razão terá sido a
vontade de favorecer a reeleição à primeira volta, aproveitando a dispersão da
oposição e antes que a instável situação económica se degrade. E precisa de
garantir a maioria absoluta no Parlamento. São “eleições vitais” para Erdogan.
Mas terá sido surpreendido. Enfrenta cinco concorrentes, um dos quais, Muharrem
Ince, do Partido Republicano do Povo (CHP, herdeiro da tradição kemalista), se
revelou uma alternativa credível, com trunfos para o forçar a uma segunda
volta, em que contaria com o voto de quase todos os outros concorrentes.
As eleições deste domingo
serão tratadas noutro texto. Aqui interessa referir alguns dados do estudo
acima citado, do think-tank liberal
Center for American Progress, publicado em Fevereiro, com base numa amostra
nacional de 2453 pessoas, inquiridas em Novembro de 2017.
A primeira constatação é
que “os turcos estão profundamente divididos segundo linhas partidárias e
ideológicas”, mas também sob outros critérios menos evidentes.
Para começar, 45% dos
inquiridos pensam que a situação na Turquia está a caminhar “para pior”, contra
34% que acham que está a caminhar “para melhor”, e, para 17%, “nem melhor nem
pior”. É entre os simpatizantes do AKP que o optimismo domina (63% contra 17%).
Não se tirem conclusões precipitadas. Quantos aprovam e quantos desaprovam o
“modo como Erdogan exerce o seu cargo presidencial”? A aprovação é de 48% (91%
entre os votantes do AKP) contra 42%, que têm uma opinião negativa. A repressão
após o “golpe de Estado” de 2016 divide ao meio a opinião: “apropriada” para
44%, “desapropriada” para 44%. A aprovação domina nas categorias de ensino mais
baixas e a condenação nas mais altas.
No relativo ao
nacionalismo, manifestamente fortalecido pela guerra síria, há algumas
respostas interessantes. É a Turquia “um líder natural do mundo muçulmano”?
Sim, respondem 72%. “As elites económicas e políticas globais têm excessivo
poder na Turquia e devem ser limitadas?” Sim, dizem 84%. Orgulho no passado
otomano? “É muito importante” para 53% e algo importante para 79%. Um Erdogan
“forte é necessário para proteger os interesses turcos”? Sim, na opinião de
55%. Ser muçulmano faz parte da identidade da Turquia?: sim e “muito
importante” para 67% ou “importante” para 91%.
Qual a atitude perante os
“outros”? Merecem uma opinião “desfavorável” a Rússia (63%), a Europa (73%) ou
os EUA (83%). E também os cristãos (69%), os judeus (78%) ou os refugiados
sírios (79%).
Há mais dois pontos
relevantes. “Os direitos democráticos, como a liberdade de imprensa, a
liberdade de expressão, o direito de emitir as próprias opiniões são vitais e
não devem ser sacrificados por nenhuma razão.” Esta afirmação merece a
concordância de 70% dos inquiridos. Tal como “a defesa dos valores
democráticos” é “muito importante” para 59% e “importante” para 86%.
É difícil ser turco.
COMENTÁRIOS:
Luís Miguel terra alheia 23.06.2018: Muharrem
Ince. Candidato do CHP, partido herdeiro da tradição republicana laica de
Mustafa Kemal Ataturk. Comícios gigantescos em Esmirna e Ancara e hoje na parte
asiática de Istambul. Anunciaram 5 milhões de pessoas. Provavelmente exagero,
mas as imagens são impressionantes. Talvez Erdogan tenha calculado mal. Oxalá.
Hoje no comício: «Se for eleito, reabro a embaixada em Damasco e resolveremos
os nossos problemas com o governo sírio.» Já seria tempo
Joao
Portugal 24.06.2018: Oxalá.
É difícil, mas mesmo que acontecesse decerto não se atreveria a fazer nada do
que prometeu pois teria logo uma mensagem de Washington a lembrar-lhe que se
deve comportar ou levaria logo com um golpe em cima.
23 Junho 2018
II
II- Na
Turquia de Erdoğan vive-se um "medo constante" do homem que mudou o
país à sua medida à força de prisões arbitrárias e despedimentos em massa. Domingo há eleições — e a
oposição pode surpreender.
JOÃO DE ALMEIDA DIAS,
OBSRERVADOR
OBSERVADOR
Quando passamos em revista tudo o que se passou nos últimos anos na
Turquia de Recep Tayyip Erdoğan, o jornalista turco Ahmet
Dönmez suspira em iguais doses de cansaço e exasperação. Está em
Estocolmo, na Suécia, onde vive com o estatuto de refugiado após ter sido
perseguido pelo regime quando publicou uma série de artigos que tinham o nome
de Erdoğan no centro de um esquema de corrupção.
“Os últimos anos foram de loucos”, diz. E, como os últimos anos deixaram na
psique dos cidadãos turcos que a espiral de Erdoğan é longa e tortuosa, Ahmet
Dönmez antevê também um futuro complicado: “A Turquia tem pela frente dias e
dias de caos e turbulência”.
Este domingo, os turcos vão a eleições gerais, que se dividem em duas
partes: as eleições legislativas e as eleições presidenciais. Nas
presidenciais, se quiser vencer, Erdoğan terá de conquistar mais de 50% dos
votos. Caso contrário, haverá uma segunda volta, a 8 de julho. Porém, antes de
olhar para o futuro, é preciso olhar para o passado recente da Turquia. (…)
“Erdoğan está a tornar-se num
sultão otomano”, diz ao Observador Ilhan Tanir, analista turco que vive
atualmente em Washington D.C. e cujos tweets lhe valeram uma acusação de fazer
parte de um grupo terrorista. “Ele anda a emitir decretos como se fosse um
sultão, na cabeça dele não há diferença.”
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