Não, a “Ode Marítima” de Álvaro de Campos nada tem a ver com estes
tempos de instabilidade e simultaneamente a parecer de pedra e cal em que nos
movemos, entre o susto que os investigadores políticos e económicos fazem
acentuar, e a ilusão que os “condottieri” governamentais tentam difundir, na
sua mistura confrangedora de arrojo e falcatrua, não para o bem da nação mas para
o bem de si próprios, reclamantes de novo mandato, algo com que o povo dócil e
calaceiro compactua, indiferente e acomodado ao “quem dá mais?” do seu
interesse. Maria João Avillez naturalmente que o adverte, como o fazem tantos
outros denunciantes da ignomínia e conhecedores dos números que nos derrotam. Mas
não, não temos emenda, provam-no as estatísticas, e o nosso timoneiro actual
vai continuar a sê-lo no futuro, até ver. A política externa é que terá a
última palavra sobre a nossa nau encalhada, e vai avisando. Entretanto, leiamos
este pedacinho de Álvaro de Campos, que tão claramente e paradoxalmente nos
revela a relatividade, e, afinal, a insignificância de todo o processo humano e
histórico – e por isso o recordei, para um estímulo de inteligência ainda que
triste do nosso “Não somos nada”:
Todo o vapor ao longe é um barco de vela perto.
Todo
o navio distante visto agora é um navio no passado visto próximo.
Todos
os marinheiros invisíveis a bordo dos navios no horizonte
São
os marinheiros visíveis do tempo dos velhos navios,
Da
época lenta e veleira das navegações perigosas,
Da
época de madeira e lona das viagens que duravam meses.
Foi
você que pediu um copo de oposição? /premium
OBSERVADOR, 19/7/2018
Os socialistas nunca mudam para melhor:
na ex-AD não havia dinheiro pois a governação PS tinha dado cabo dele. Hoje
começa a não haver dinheiro porque os mesmíssimos socialistas estão a dar cabo
dele
1. Anda por aí um alarido político por causa da aprovação do
Orçamento de Estado – último da legislatura – ao qual se têm emprestado as mais
desproporcionadas conjecturas como fatais divisões partidárias, aflições
presidenciais, antecipação de calendários eleitorais, por entre outras dúvidas
disparadas como certezas. Além de
ocioso o exercício surge-me como puramente estival e por razões tão óbvias que
quase dispensam argumentos: alguma vez o Mário Centeno de Bruxelas poderia
correr o vexatório risco de ver um documento assinado por si ser derrubado no
hemiciclo parlamentar de Lisboa onde dispõe de um dócil amparo político que
tanto aliás desvanece os seus colegas europeus? Não, não podia. Antes a morte
política que tal sorte. Alguma vez António Costa se poderia dar ao luxo de
perder Centeno de vista governamental? Não. Haverá alguém normalmente
constituído que acredita que os radicais que sustentam a governação seriam
capazes de abrir mão do seu extraordinário estatuto geringoncional e das
generosas benesses – políticas, civilizacionais, sociais – que poderão vir a
receber, a somar às já recebidas? Também não.
E se pensarmos, como todos pensamos, que o Bloco acarinha o sonho de
um lugar cativo na rua Gomes Teixeira ou de uma morada fixa em S. Bento,
olharemos para as cenas da vida quotidiana daquela agremiação e das suas
artificiais exaltações para com o PS com um bocejo cansado e alguma pena: de
nós, claro, os que não somos eles.
Para o bem e para o mal tudo se
negoceia na política como na vida.
E como tal – pedirei desculpa se me enganar – adivinha-se que se trata disso
mesmo, uma negociação que com mais ou menos pressa, urgência e premência, está
laboriosamente em curso. Vasta, dura e detalhada como reclama o guião do outono
de 2018: o PS tem de mostrar que continua mestre do jogo, com a chave do poder na
mão e que não virou um sem abrigo político à míngua de tecto e esmola. De
caminho não se esquecerá de humilhar o PSD, sublinhando a dispensa dos seus
serviços, mesmo que seja – ou venha a ser – mentira. O Bloco continuará a
reclamar – com pouco tino e nenhuma responsabilidade – tudo o que lhe passar
pela cabeça, levantando televisivamente a voz às segundas, quartas e sextas
para, nos outros dias, com menor estridência e exigência, negociar o seu futuro
com os socialistas. Na penumbra dos bastidores.
Em resumo não vejo de todo como verosímil a imagem de António Costa
esfarrapado politicamente á porta da Rua de S. Caetano a pedir um prato de
votos ou a esmola de uma abstenção. Pedirei desculpa, repito, pelo erro de
avaliação, se erro houver.
2. Isto dito parecem-me
igualmente infundados os rumores do mal-estar que atingiria até picos de
“péssimo estar” no PSD por causa da votação do Orçamento de Estado. O mal-estar
nem é de hoje nem radica na questão orçamental, esta apenas exacerba aquele (já
lá vou). Mas se na “casa” há quem pense que promover uma abstenção no
Orçamento relevaria de um alto desígnio patriótico (não alcançando o grosseiro
erro político que seria dar ao PS o que os seus bons amigos da esquerda radical
lhe recusariam) o erro aceleraria a galopada do PSD que aí está rumo á sua
própria irrelevância. Irrelevância na política, na sociedade, no país, no
futuro dos portugueses. Duvida-se que mesmo mentes muito pouco dotadas venham a
ser capazes de tal gesto.
3. Já
o que não suscita sombra de dúvida – com ou sem orçamento – por se ter
enquistado na vida política nacional como uma lapa, é a ausência, crucial, de
oposição á direita do PS. Falo do PSD claro, um fantasma de si mesmo (mas em
menor escala no CDS, por vezes surpreendentemente mais esmorecido e menos
acertado na escolha do caminho).
Falo do PSD por me parecer
impossível não falar do PSD hoje e espanta-me que não se toquem trombetas,
acendam sinais vermelhos ou se chame os bombeiros. É que se há um ou dois anos
havia uma felicidade apatetada com a geringonça, sabe-se – về-se, sente-se,
percebe-se – que mesma apatetada, tal felicidade era notoriamente exagerada: as
coisas mudaram. Ou melhor, os erros da governação tornaram indisfarçáveis os
efeitos gerados: cativações a
eito para pagar reversões a eito, provocando estragos a eito no serviços
públicos; carga fiscal como nunca houve, não atendendo aos danos nos
(legítimos) projectos de vida de quem ditatorialmente a suporta; ministros
visivelmente errados em pastas cruciais como a Educação; ministros só
supostamente recomendáveis para determinadas pastas como a Saúde, que tardam em
ser substituídos por governantes verdadeiramente recomendáveis para tal pasta;
muito “fazer de conta” como na vã glória do crescimento económico, na verdade o
de um caracol subindo uma ladeira; ou como no conto de fadas do desemprego;
garantem-nos que ele diminui e vai- se a ver que emprego se criou: baixo e
barato devido ao turismo e à bolha imobiliária (e que Deus proteja a bolha do
desastre). O emprego a que tanto jovem com mérito aspira, é um bem escasso e no
entanto… somos bombardeados com enredos ficcionais e valsas de números “bons”
mas só a dança quem quer e o PSD se não valsa, parece que valsa: que diz ele,
agora que há matéria pesada, indesmentível, indisfarçável, para dizer? Que
propõem os sociais democratas, agora que há argumentos de difícil rebatimento
para esgrimir contra o que (nos) fizeram? Contra a governação que acabaria com
a austeridade (ao menos a outra era ás claras) e nos redimiria de um passado
negro propondo presentes radiosos e futuros fosforescentes mas parece que
afinal não há dinheiro para tanta luz e Vítor Gaspar não diria melhor. Se pensarmos bem porém os socialistas nunca
mudam para melhor: no tempo da coligação AD não havia dinheiro porque a governação
do PS tinha dado cabo dele. Hoje começa a não haver dinheiro porque os
mesmíssimos socialistas estão a dar cabo dele.
4. Se não é já, agora, hoje, que se bebem copos de oposição… é
quando?
PS. Nunca esquecerei, nem eu nem a minha família mais próxima, a
seriedade tão delicada, sincera, bondosa, com que João Semedo sempre se portou política e
humanamente com a minha irmã Maria José Nogueira Pinto. Nem da forma
compungidamente triste como dela se foi despedir, numa uma noite ainda mais
triste, à nossa casa. A Zezinha gostava dele, sabendo como a inteligência e a
boa fé podem suplantar a discordância. Agora voltaram a encontrar-se. Deus os
guarde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário