segunda-feira, 2 de julho de 2018

Poupemos a floresta, não o espectáculo


Duas tristes crónicas - a de José Pacheco Pereira, sobre um jornal antigo que deixa de existir em papel, a  de Helena Matos sobre um país que se afunda, no ridículo e no atropelo.
Percorri notícias no Jornal Notícias, li a entrevista a Pedro Mexia, muito mexerico, muita publicidade, as normais do estrangeiro, Trump e Kim e a desnuclearização, li a referência à ameaça de formação de um novo partido por P. Santana Lopes em comentário negativo de Marques Mendes na SIC,  senti a falta de António Barreto, que talvez esteja de férias, tal como Alberto Gonçalves, do Observador, li sobre descobertas científicas em mundos distantes, etc. Foi como se estivesse a ouvir os noticiários pela rádio ou televisão. E bastou-me. Pensei nas árvores necessárias para suster as terras e oxigenar os ares e não me importei com a passagem do Notícias a online, com a consequente poupança no abate das árvores.
A crónica de Helena Marques é mais severa e derrotista, e aí é que o requiem dá no vinte. Já tudo se disse, não temos safa, na pobreza e ridículo de comportamentos de governantes, que abafam as incapacidades com as suas inanidades. Não há árvores que nos safem, até porque os incêndios darão conta delas. Estamos no verão.
Mas não, não creio que Salazar se risse, amante que era da sua pátria.
0PINIÃO
Mais um marco a caminho da ignorância atrevida e do deficit cívico
Seja bem-vindo o novo site de notícias e o semanário que usa o nome do Diário de Notícias. Boa sorte!
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 30 de Junho de 2018
Em 1864, o primeiro editorial do Diário de Notícias era um documento notável e absolutamente moderno. Repare-se nesta frase-programa: “registar com a possível verdade todos os acontecimentos, deixando ao leitor, quaisquer que sejam os seus princípios e opiniões, o comentá-los ao seu sabor.
Eu compreendo que os jornalistas que sobram no novo projecto a que se vai dar o nome de Diário de Notícias reafirmem que para eles o que se diz no velho editorial continua válido. Podem ter essa impressão subjectiva, mas não é verdade. Já não era verdade há muito para uma parte dominante do jornalismo português, incluindo o Diário de Notícias, e é-o muito menos agora. Isto porque a crise do jornalismo português antecede estas passagens ao online de publicações falidas em papel. Não é modernização, é redução drástica de custos com a mudança do produto, beneficiando do valor residual de uma marca de prestígio. O que vai surgir não é um novo Diário de Notícias, é outra coisa, é um site de notícias sem dinheiro que chegue para pagar jornalismo de qualidade, investigação, opinião a sério, com um semanário em papel acoplado. Com tempo irá embora o semanário e o resto se verá. Desculpem a crueldade, mas é mesmo assim. Desejava e muito que não o fosse.O “único fim” que o editorial de 1864 enunciava era este: “interessar a todas as classes, ser acessível a todas as bolsas e compreensível a todas as inteligências”. Repare-se na lista dos temas propostos para o novo jornal: política, ciência, artes, literatura, comércio, indústria, agricultura, crime e estatísticas. E se o critério for, como deve ser, ter notícias, esprema-se este primeiro número do Diário de Notícias e saem muitas notícias. Hoje, em muitos jornais, espreme-se e sai ar e vazio, ar muito parecido com o do jornal do lado. Mesmo saber que “Suas Majestades e Altezas passam sem novidade em suas importantes saúdes” era o equivalente da exigência actual de conhecer o estado de saúde dos governantes.Os jornais portugueses, uns mais do que outros, deixaram há muito de querer “interessar a todas as classes”, deixando de fora das suas páginas uma parte maioritária dos portugueses, cujos problemas no trabalho, na escola, na casa, na vida quotidiana, de segurança, de violência e crime, não chegam aos jornais em contraponto com uma qualquer performance “artística” que ocupa duas páginas ou com as encomendas das agências de comunicação, cuja origem é ocultada aos leitores. Falta cobertura independente e isenta dos negócios, das empresas, em particular das grandes empresas e dos centros de poder fáctico, como os grandes escritórios de advocacia de negócios. Não é por acaso que todos têm agências de comunicação. A arte e a cultura, tantas vezes medíocre, mas urbana e trendy, tem uma cobertura particularmente acrítica, mas com lugar nobre. O que falta? Um exemplo: em plena luta dos professores, o que é que sabemos da condição de se ser professor hoje, numa escola comum, com alunos comuns, mas reais, os que existem, os que lá estão? Quase nada, muito pouco. Não é glamoroso, eu sei. Outra preocupação do editorial era o “estilo fácil” e “conciso”, “compreensível a todas as inteligências”, hoje diríamos a diferentes graus de cultura e literacias, preocupação que há muito deixou de existir. Era possível fazer uma compilação do tamanho deste jornal de frases rebuscadas e incompreensíveis, muitas vezes apenas por pedantice ou ignorância em notícias e reportagens, mostrando a debilidade da edição, um dos grandes problemas do jornalismo actual e da fragilização das redacções. Mas a recomendação seguinte é ainda mais actual: "nele são vedados” “absolutamente” a “exposição dos actos da vida particular dos cidadãos”, e será “escrito em linguagem decente e urbana”. A hipocrisia de aceitar os comentários não moderados, ou, pior ainda, moderá-los no jornal e depois permitir o Facebook sem regras, mostra como o valor da “linguagem decente e urbana” é puramente retórico. É que esses comentários grosseiros e sem nenhum valor informativo fazem parte do jornal e, com a passagem ao online, ainda vão ser mais centrais devido à economia dos cliques.O editorial define uma fronteira – “eliminando o artigo de fundo, não discute política, nem sustenta polémica” –? que o Diário de Notícias nunca cumpriu, em particular na direcção de Augusto de Castro. Foi um típico jornal de interesses e de regime, ligado à moagem e ao Estado Novo, até ao 25 de Abril. Depois foi também um típico jornal do PREC, com Saramago a fazer os estragos que esses anos trouxeram à vida pública portuguesa, de qualquer modo infinitamente menores do que os 48 anos de ditadura. Eu não tenho nenhuma nostalgia do papel, embora saiba que há aí coisas que não emigram para o online e que são vitais para se fazer jornalismo e opinião numa sociedade democrática e livre. Mergulhar no online tem o risco de aproximar o jornal do implodir subjectivista e egoísta das redes sociais, uma das fontes do populismo e do afastamento da vida cívica democrática. Vamos ver como será, mas à partida não é brilhante. Seja bem-vindo o novo site de notícias e o semanário que usa o nome do Diário de Notícias. Boa sorte!
A gargalhada de Salazar /premium
OBSERVADOR1/7/2018
Portugal é uma espécie de Pátio das Cantigas agora na versão Parque da Bela Vista. No cemitério de Santa Comba a esta hora ressoa uma gargalhada escarninha.
No palco do Rock in Rio, o presidente da República canta. O primeiro-ministro dança. O presidente da Assembleia da República pula. A dirigente do Bloco de Esquerda acompanha o ritmo. O presidente da CML revela-se um verdadeiro animador de palco… Nenhum deles quer ficar para trás. Todos sabem que o limite para aquela actuação é aquele que o Presidente estabelecer… E no palco Marcelo indubitavelmente ganha a todos  pois ultrapassa pelo desconcerto do populismo qualquer veleidade que a frente de esquerda tivesse de o cercar (no palco real da Bela Vista, Catarina Martins parece uma figurante ao lado de Marcelo). Mas se a táctica funciona às mil maravilhas, como estratégia é uma armadilha: o Presidente está refém da sua popularidade. Não ousará nada que belisque o coro de palmas com que está habituado a ser recebido. E tal como acontecia antigamente com as flores nos camarins das vedetas também as palmas se têm de renovar no palco dos políticos.
As personalidades que antes iam institucionalmente a alguns espectáculos e noutros eram avistadas enquanto público tornaram-se agora elas mesmas no centro do espectáculo. Morre um cantor? Eles cantam e o seu canto é a notícia. Joga a selecção? Eles pulam e o seu pulo torna-se espectáculo. Eles celebram-se a si mesmos através dos outros. Todas as semanas “as  personalidades” ou “as mais altas figuras da nação” como escrevem uns desconcertados jornalistas apresentam constantemente  novas performances.
Afinal o espectáculo não pode parar porque se isso acontecesse podíamos perguntar: quem foi responsabilizado no relatório sobre o roubo de armas em Tancos? O que é que isso interessa? Toca mas é a cantar porque quem canta seus males (e seus medos) espanta:Que saudades eu já tinha/Da minha alegre casinha/ Tão modesta como eu” ( o link segue para a versão original porque nestas coisas a origem conta)… Quando é que o ministro da Educação abandona o estado de holograma e responde pelas consequências de não ser capaz de controlar o monstro que libertou ao franchisar o ministério a Mário Nogueira? E para quando uma explicação sobre a alteração dos critérios da avaliação do exame de Matemática? Não se sabe mas à cautela o ministro aposta na assistência a jogos de futebol. E qual é o problema disso enquanto nos ecrans o primeiro-ministro balançar como quem se embala  ao ritmo do “Como é bom meu Deus morar/ Assim num primeiro andar/ A contar vindo do céu” na versão rokeira?…
Os outrora tão criticados espectáculos da política e a política-espectáculo deram lugar a algo completamente diferente e muito mais perigoso: o espectáculo enquanto forma de preencher o vazio da política.
Sintomática e reveladora desta mudança foi a resposta de Marcelo Rebelo de Sousa a Donald Trump sobre a possibilidade de Cristiano Ronaldo ser candidato à Presidência da República: “Portugal não é bem os Estados Unidos da América” — respondeu Marcelo a Trump e logo Lisboa foi unânime, em Portugal, nação secular, os jogadores de futebol não podem ser candidatos à Presidência da República. Espantoso, não é? Todos os dias nos enchem os ouvidos com o drama da desigualdade e das assimetrias, justificam-se verbas faraónicas para programas, unidades de missão, gabinetes e movimentos para as erradicar, fixam-se metas e definem-se calendários mas afinal, diz o nosso Presidente, um jogador de futebol não pode aspirar a ser presidente da República pois “Portugal não é bem os Estados Unidos da América”. Já o Presidente da República esse pode fazer de conta que é jogador de futebol ou treinador. Cantor ou comentador… Portugal não é de facto os Estados Unidos. Portugal é uma espécie de Pátio das Cantigas agora na versão Parque da Bela Vista. No cemitério de Santa Comba a esta hora ressoa uma gargalhada escarninha.
PS.“Ministério da Educação quer que os refeitórios de todas as escolas estejam ao serviço nas férias.” Portanto o Ministério da Educação, o tal que não consegue sequer fixar os critérios para o exame de Matemática, exige – exigir aos outros é sempre fácil para quem nada cumpre – que os refeitórios de todas as escolas funcionem nas férias. Mas para quê? Com que fim? E de todas as escolas?…  O monstro soviético da 5 de Outubro é incapaz de assegurar o essencial daquilo para que foi criado – ensinar – mas a voz engrossa-lhe na hora de cumprir a missão que cada vez mais privilegia: estatizar a vida das crianças e jovens. Substituir-se cada vez mais às famílias. Diminuir-lhes as competências. Desresponsabilizá-las. Ou seja torná-las menos capazes de tomarem conta de si e consequentemente mais dependentes do poder político. A não ser em circunstâncias excepcionais servir refeições nas cantinas escolares durante as férias é um absurdo.
É cada vez mais urgente que se avaliem as consequências daquilo que nos é apresentado como apoio social pois em vários casos todo esse arrazoado de medidas mais não faz que reforçar o protagonismo dos dirigentes e as situações de exclusão daqueles que se propõem ajudar. Além de claro proporcionarem muitos empregos e boas notícias numa imprensa que invariavelmente identifica mais Estado com melhores políticas.



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