As dívidas. Outro galo nos
cantaria. Helena Garrido aponta e
filosofa. Com que perícia o faz! João Miguel
Tavares argumenta e exemplifica e dá esperança de que as tais
operações investigadoras vão colher frutos.
Acredito mais na tese de Helena
Garrido e no cepticismo dos comentadores de JMT.
O certo é que a dívida sobe,
como o “balão” da Manuela Bravo, a pedir à estrela que a deixe lá ficar com o
seu amor. É estrela nossa, fado, sina, e temos vergonha disso, vergonha e
tristeza que não apagam nunca tais aspectos tão sinistros da nossa mentalidade inferior,
os quais rebentam a cada passo no nosso chão, pobre chão sem culpa, chão seco, de
incêndios também impunes, chão húmido de descargas poluentes traiçoeiras, chão
de gente bem apessoada, no disfarce da sua malandrice autorizada, no seu núcleo
de poder…
Bem-vindos ao reino da impunidade /premium
OBSERVADOR, 5/7/2018
Se deve mil tem um
problema, se deve milhões não se preocupe. Se pertence à elite que partilhou
escola ainda se deve preocupar menos. E nada se é parte do grupo certo, seja de
que partido ou clube for
O tempo passa e há já
quem tenha caído com o peso das suas dívidas durante a crise e já se tenha
levantado ou reduzido o seu nível de vida. Se é esse o seu caso é porque não
devia centenas de milhões de euros, não estava integrado na rede do poder ou
não pertencia a nenhum grande clube de futebol. Para esses, que deviam centenas
de milhões de euros, os bancos não têm meios para os obrigar a pagar ou a falir
e os mais diversos poderes defendem-nos com o sigilo bancário, ao mesmo tempo
que se apresentam como defensores dos desfavorecidos. Nunca como hoje se teve um
discurso e se actuou de forma oposta ao que se diz.
Porque não conseguem os
bancos que os grandes devedores lhes paguem? Estão protegidos por contratos
jurídicos invioláveis, argumenta-se. Ou nada têm nas empresas que eram suas e
que, em muitos casos, desnataram. Ou nada têm em nome pessoal como aconteceu
por exemplo com Nuno Vasconcellos da Ongoing que só tinha uma mota de água
quando o BCP finalmente resolveu executar a sua dívida de 9,7 milhões de euros.
Bem vindos pois a um
país onde os grandes devedores conseguem continuar a dever sem que nada lhes
aconteça enquanto outros, os pequeninos, pelo menos alguns, já tiveram tempo para
pagar o que devem e reconstruir as suas vidas. Ou estão ainda a pagar caro os
erros que cometeram.
Bem vindos a um país
onde um banqueiro pode receber uma liberalidade de um cliente sem que nada lhe
aconteça, para além de estar enredado em processos judiciais. Ou ao país em que
um banqueiro pode conseguir financiamento para empresas do grupo da família,
enganando gananciosos ou analfabetos, sem que nada lhe aconteça. Ou antes, o
que lhe acontece é o Estado substitui-lo como credor.
Bem vindos a um país
onde modestas pessoas, muitas iletradas e info-excluídas, ficam sem uma agência
bancária a poucos quilómetros do sítio isolado onde vivem porque houve homens
integrados nas redes do poder que não pagaram o que deviam ao banco do Estado
que, por sua vez, concedeu esse crédito por orientações políticas, amiguismo ou
critérios duvidosos que estão a ser avaliados pela justiça.
Bem vindos ao reino em
que alguns homens, que abriram portas financeiras ou jurídicas para outros
homens acederem a centenas de milhões de crédito que lhes dava o estatuto de
banqueiros ou empresários, continuam a com poder para ditar as regras que do
reino.
Bem vindos ao reino onde
se leva à miséria quem deve milhares à banca ou se processa sem dó nem piedade
quem deve centenas ao fisco e protege-se, a coberto do sigilo bancário, quem
deve centenas de milhões e tem nas costas a responsabilidade do dinheiro que
alguns bancos precisaram, nomeadamente a CGD.
Bem vindos ao reino que,
numa luta sem quartel pela sua auto preservação, defende-se o sigilo bancário
como se fosse um valor absoluto, indiferente à necessidade de apurar
responsabilidades que podem mudar mentalidades e atacar o coração de uma elite
rentista que condena o povo ao subdesenvolvimento.
Bem vindos ao reino da
impunidade, ao reino em que a elite responsável ou cúmplice do problema dos
bancos vai armadilhando a justiça com falta de meios e assim se vai
preservando.
Bem vindos, enfim, a um
reino que devia ser de uma fantasia de terror.
Quando se diz que não há
uma única pessoa responsabilizada pelo que se passou na banca portuguesa é
dizer pouco. Porque além de não existirem responsáveis pela concessão de
crédito sem a devida avaliação de risco ou com critérios duvidosos – porque é
disso que se trata e não de eventos inesperados que geraram incumprimento -, há
igualmente grandes devedores que se podem dar ao luxo de continuar a dever e,
no limite, a fingirem que são empresários porque são protegidos pelo “sigilo
bancário”.
Como se tudo isto não
bastasse está criada em alguns bancos a ideia de adiar ainda mais a limpeza do
malparado, opondo-se à proposta da iniciativa
da Alemanha e da França de obrigar a uma redução para 5% da carteira de crédito.
E ouvimos da Associação
Portuguesa de Bancos exactamente os mesmos argumentos usados
para convencer a troika a não aplicar em Portugal a solução de limpeza geral
usada na Irlanda – e que a CGD acabou por adoptar no seu último aumento de
capital. Estamos à espera de uma nova crise para termos ainda de gastar mais
dinheiro a salvar bancos? (Atenção que a salvação dos bancos é uma expressão
lata para dizer que estamos a salvar, e bem, depósitos. Mas esta solução que
considero ser a que tem menos custos para a economia não pode ser o caminho
para desresponsabilizar quem fez uma gestão danosa e perdoar grandes
devedores).
Quem assim reina
frequentou as mesmas escolas ou colégios, as mesmas faculdades, concentra-se
basicamente em Lisboa, é um grupo de amigos e conhecidos que troca
cumplicidades e favores. Um grupo transversal aos partidos que vai expurgando
quem a ele não pertence ou se atreve a tentar mudar esta elite que controla o
poder a seu favor, mesmo com discursos de defesa do povo. Este reino da
impunidade terá um dia consequências graves. Por tudo isto mas também pelo que
temos assistido nos últimos tempos, resta-nos estar gratos por não termos ainda
em Portugal um partido populista de tipo autoritário em Portugal.
II - OPINIÃO
Tutti Frutti ou Tutti Corrupti?
Haja polícias e magistrados para tudo isto. E tudo, sublinhe-se, em
quatro anos. É um autêntico terramoto político, financeiro e judicial.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 28 de Junho de
2018
A operação chama-se Tutti Frutti. Mas Tutti Corrupti talvez definisse melhor
aquilo que está em causa: uma mega-operação envolvendo mais de 200 pessoas e
três juízes de instrução, justificada por um inquérito a “crimes de corrupção
passiva, tráfico de influência, participação económica em negócio e financiamento
proibido”, que se traduziu – estou a citar o comunicado da PGR – em “cerca de
70 buscas domiciliárias e não domiciliárias, incluindo buscas a escritórios de
advogados, autarquias,
sociedades e instalações
partidárias, em diversas zonas geográficas de Portugal Continental e
Açores”. Parece que vamos ter bom entretenimento judicial para os próximos
meses.
Não sei se as pessoas
têm propriamente consciência disto, mas a pátria tem vindo a desenvolver, desde
a Operação Marquês,
uma espécie de variação portuguesa da Operação Mãos Limpas, só que em câmara lenta
e com a sonolência típica dos lusitanos. As consequências desse enorme conjunto
de processos e/ou falências criminosas ainda não foram bem digeridas pela
psique nacional, mas quando fazemos contas àquilo que aconteceu neste país
desde meados de 2014, a listagem é impressionante: queda do BES,
queda da PT, queda da Ongoing, queda do Banif, prisão e posterior acusação de
um ex-primeiro-ministro, investigações à EDP, investigações ao saco azul do
GES, vistos gold,
investigações ao Benfica e ao mundo do futebol, incluindo a Operação e-Toupeira,
investigações à própria magistratura (Operação Fizz e Operação Lex), e poderíamos
acrescentar todas as suspeitas em torno da concessão de créditos da CGD e do
antigo BCP, o estado comatoso do Montepio, já para não falar das absurdas PPP.
Haja polícias e
magistrados para tudo isto. E tudo, sublinhe-se, em quatro anos. É um autêntico
terramoto político, financeiro e judicial, e só mesmo neste soalheiro e
extraordinariamente pacato país é que as consequências deste abalo poderiam ser
quase nulas para o regime. Sim, foi chato, e tal, a troika andou por aí a comer
salários (note-se: foi a malvada troika e,
no máximo, o horrível Passos Coelho, não os responsáveis pela falência do
país), houve manifestações contra a senhora Merkel, mas a coisa mereceu alguma
reflexão profunda? Os partidos afundaram? Alguém bateu no peito? Há gente
presa? Claro que não. Ou, pelo menos – sejamos optimistas –, ainda não.
E agora surge mais esta
cereja para pôr em cima do bolo: Operação Tutti Frutti,
cujos contornos ainda não são inteiramente conhecidos, mas que pelos vistos
envolvem juntas de freguesias a abarrotar de boys e assessores, autarquias que privilegiam
negócios com militantes, e o velho financiamento partidário. Será desta que o
pessoal acorda? O Tutti Corrupti justifica-se
por isto: não estamos a falar de acontecimentos singulares, de indivíduos
corruptos que existem em todos os países (até na Suécia), mas de uma
característica genética do regime que Portugal construiu depois do 25 de Abril
(e que, em boa parte, já vinha de trás).
Há uma linha que une o
Dr. Ricardo Salgado à D. Isaura, esposa do presidente de Vilharim de Baixo, que
após a vitória do marido abriu uma florista para fornecer centros de mesa à
câmara por ajuste directo. Uns ganham milhões, outros ganham tostões, mas todos
dependem de favores públicos e do nosso dinheiro. Não são meras aldrabices
ocasionais – é o modo de vida do regime português. Venha de lá, pois, essa
mega-operação. E com ela a consciência de que já vai sendo hora de mudar os
nossos tristes hábitos.
Entre 83 COMENTÁRIOS:
Francisco
Pinto, 28.06.2018: A mais recente "bengala" de
Costa foi dos últimos, porque chegou tarde, a criticar a justiça, que é como
quem diz, a actual PGR, e a apoiar uma hipotética mudança no cargo, caso o
governo o decidisse. Os donos do regime sentem um grande incómodo com a actual
PGR, e ensaiaram a possibilidade de a substituírem, mas as reacções dos
eleitores no espaço mediático foi inequívoca na aprovação do desempenho de
Joana Marques Vidal. O regime é corrupto, e a extensão colossal. Não acredito que
a Justiça tenha poder e autonomia para julgar todos estes casos de corrupção
que envolvem as figuras maiores da política e da economia, quanto mais não seja
porque nem os seus agentes escapam a esta lama!
José
Manuel Martins, évora 29.06.2018:
é esse o problema: o sistema de corrupção é sempre acobertado por
um segundo e um terceiro anéis em meta-sistema, que impedem de alguma vez
desmantelar o monstro. O grande parasita é sempre interior e simbiótico,
tornando impossível objectivá-lo e anulá-lo como exterior.
José
P., Lisboa 28.06.2018: O
artigo do JMT é meritório. Faltou apenas dizer o que lhe custa tanto: Onde é
que está o trabalho do Ministério Público? Onde é que estão as investigações e
as provas, para que os juízes condenem? Ninguém sabe. Não sei se o JMT, com
esta sua fotografia crítica do sistema judicial, continua a defender a
recondução da Joana Marques Vidal, como defendeu recentemente em artigo nesta
coluna. Seria interessante saber.
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