quarta-feira, 11 de julho de 2018

HIROSHIMA, MON AMOUR



Um velho livrinho, da Gallimard, dos anos sessenta,  que foi surpresa então, por trazer à baila os temas do horror que perdurariam largamente, passada a guerra, na memória das gentes e que a literatura e a cinematografia não se inibiram de explorar, numa condenação sem tréguas. Trata-se de um roteiro para um filme de Alain Resnais, cuja trama e diálogos foram compostos por Marguerite Duras. Uma sinopse introdutória explica a evolução seguinte, uma história de amor efémero – exactamente de um dia – entre uma mulher francesa que viera participar num filme sobre a paz, em Hiroshima, local de um crime sem paralelo, com um homem japonês, nascido em Hiroshima, mas não sacrificado aquando do primeiro desastre, em 6 de Agosto de 1945, por se encontrar na guerra. As imagens históricas irão sendo reveladas, à medida dos diálogos seguintes, entre os dois protagonistas, que se desenvolverão ao longo de quatro partes, a primeira parte iniciando-se com a imagem do “cogumelo” monstruoso, elevando-se no écran sobre dois ombros entrelaçados “cobertos de cinzas, de chuva, de orvalho ou de suor, como se queira”, mostrando que a vida continuará, mau grado o horror, na reconstrução, no amor, no esquecimento. E no entanto, a violência das palavras de revolta da figura feminina sobre o que viu em Hiroshima – “o ferro quebrado, o ferro tornado vulnerável como a carne”. “dez mil graus sobre a praça da Paz”, e as imagens que surgem à medida das suas afirmações, sempre contestadas pelo companheiro: “Tu não viste nada”. “Tu inventaste tudo”, um amor recíproco de violência e descoberta crescentes, na curiosidade do homem pela mulher, que, nas partes seguintes se revelará com identidade própria, identificada como a jovem Riva, filha de um respeitado farmacêutico em Nevers, que, porque amou um soldado alemão, morto em Julho de 44, foi ”tosquiada em praça pública”, após a vitória dos Aliados. O horror da brutalidade insana e fútil dos homens, tanto no caso de Nevers como, e sobretudo, de Hiroshima, onde o amor intenso pôde surgir, mas não poderá manter-se, a mulher voltando para o seu destino – Paris – para o seu lar, o homem retomando o seu, ambos casados, com dois filhos cada. Amor simbólico, de intensidade e brevidade, correspondendo ao efémero no seu mais pungente absurdo.

Uma releitura de prazer, na admiração por um estilo de concisão e simultaneamente de profunda chicotada sobre as monstruosidades do mundo, em que não escaparam, naturalmente, as referências às atrocidades nazis. De Marguerite Duras. Veio a calhar, nas arrumações de verão, por, juntamente com a evocação das bestialidades passadas, vir lembrar os horrores no nosso tempo, onde as vidas humanas deixaram de ter significado, tantas as histórias de terror e misérias, apesar das tentativas de apoio social, tanto o receio por esta Terra que se vai degradando, com a multiplicação desses cogumelos da irracionalidade e vaidade impuníveis, e de receio pelos que virão depois de nós e dos nossos.

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