Um velho livrinho, da Gallimard, dos anos
sessenta, que foi surpresa então, por trazer à baila os temas do
horror que perdurariam largamente, passada a guerra, na memória das gentes e
que a literatura e a cinematografia não se inibiram de explorar, numa
condenação sem tréguas. Trata-se de um roteiro para um filme de Alain
Resnais, cuja trama e diálogos foram compostos por Marguerite
Duras. Uma sinopse introdutória explica a evolução seguinte, uma história
de amor efémero – exactamente de um dia – entre uma mulher francesa que viera
participar num filme sobre a paz, em Hiroshima, local de um crime sem paralelo,
com um homem japonês, nascido em Hiroshima, mas não sacrificado aquando do
primeiro desastre, em 6 de Agosto de 1945, por se encontrar na guerra. As
imagens históricas irão sendo reveladas, à medida dos diálogos seguintes, entre
os dois protagonistas, que se desenvolverão ao longo de quatro partes, a
primeira parte iniciando-se com a imagem do “cogumelo” monstruoso, elevando-se
no écran sobre dois ombros entrelaçados “cobertos de cinzas, de chuva, de
orvalho ou de suor, como se queira”, mostrando que a vida continuará, mau
grado o horror, na reconstrução, no amor, no esquecimento. E no entanto, a
violência das palavras de revolta da figura feminina sobre o que viu em
Hiroshima – “o ferro quebrado, o ferro tornado vulnerável como a carne”.
“dez mil graus sobre a praça da Paz”, e as imagens que surgem à medida
das suas afirmações, sempre contestadas pelo companheiro: “Tu não viste nada”.
“Tu inventaste tudo”, um amor recíproco de violência e descoberta
crescentes, na curiosidade do homem pela mulher, que, nas partes seguintes se
revelará com identidade própria, identificada como a jovem Riva, filha de um
respeitado farmacêutico em Nevers, que, porque amou um soldado alemão, morto em
Julho de 44, foi ”tosquiada em praça pública”, após a vitória dos
Aliados. O horror da brutalidade insana e fútil dos homens, tanto no caso de
Nevers como, e sobretudo, de Hiroshima, onde o amor intenso pôde surgir, mas
não poderá manter-se, a mulher voltando para o seu destino – Paris – para o seu
lar, o homem retomando o seu, ambos casados, com dois filhos cada. Amor
simbólico, de intensidade e brevidade, correspondendo ao efémero no seu mais
pungente absurdo.
Uma releitura de prazer, na admiração por um estilo de
concisão e simultaneamente de profunda chicotada sobre as monstruosidades do
mundo, em que não escaparam, naturalmente, as referências às atrocidades nazis.
De Marguerite Duras. Veio a calhar, nas arrumações de verão, por,
juntamente com a evocação das bestialidades passadas, vir lembrar os horrores
no nosso tempo, onde as vidas humanas deixaram de ter significado, tantas as
histórias de terror e misérias, apesar das tentativas de apoio social, tanto o
receio por esta Terra que se vai degradando, com a multiplicação desses
cogumelos da irracionalidade e vaidade impuníveis, e de receio pelos que virão
depois de nós e dos nossos.
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