Mas os discursos do PS são optimistas, felizmente
Dois
textos de assustar – de JOÃO MIGUEL TAVARES, de , sobre o
estado da economia no nosso país, em geral, sobre eles, os governantes, sobre nós, os
governados, em particular. Ou antes, desgovernados, crianças grandes, já vindas de trás, 44
anos atrás, reivindicativos, parados no tempo e nas responsabilidades, por desestabilização
na educação, por princípios de uma Constituição que não arreia pé da sua
orientação sindicalista. E em meio da palhaçada, o histrião Mário
Nogueira e tutti quanti, os pretensos condutores dos rebanhos dóceis, que, sem
pensar em consequências a curto prazo, talvez, se deixam fanatizar, como há 44
anos e seguintes, porque não? Não vivemos todos melhor agora?
I - OPINIÃO
António Costa acredita no Diabo
António Costa e Mário Centeno acreditam no diabo. Mesmo. Eles estão
convencidos de que a fragilidade do país é imensa.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO; 5 de Julho de
2018
António Costa tem um grande problema entre mãos: para conseguir formar
governo com o apoio do Bloco e do PCP ele foi obrigado a ser extremamente
eleitoralista no início do mandato, e agora, que o final do mandato se
aproxima, faltam-lhe recursos para praticar aquele género de eleitoralismo que
compra maiorias absolutas. Sacar as
chaves do Palacete de São Bento das mãos de Passos Coelho teve um custo
altíssimo: reposição acelerada de ordenados e pensões, regresso dos feriados,
recuperação das absurdas 35 horas de trabalho na função pública, um conjunto
infindável de reversões que custaram muito dinheiro ao país. O dinheiro que
distribuiu em 2015 é o dinheiro que lhe vai faltar em 2019.
Isso é péssimo para quem anda à procura dos mágicos 45%. Com um país
nas lonas, e os telejornais a abrir com abundantes descontentamentos e greves
um pouco por todo o lado, jamais António Costa conseguirá chegar aos 116
deputados. Não admira que o partido esteja a cair consecutivamente nas
sondagens. O barómetro de Junho da Aximage, publicado pelo Negócios e pelo Correio da Manhã, atribui ao PS 37% das intenções de voto.
Quarta queda em quatro meses. Há um ano, a mesma sondagem atribuía-lhe 43,7%, a
um pequeno passo da maioria absoluta. Hoje, já quase ninguém acredita que ela
seja possível.
Mesmo havendo sondagens mais
generosas para o PS em percentagem de votos, em todas elas os socialistas estão
a cair. Donde, uma pergunta impõe-se: porque é que António Costa esperou por
2018 para desvirar a página de austeridade e ter uma sucessão de ataques de
lucidez orçamental à frente das câmaras de televisão? Que estranho timing é
este? No dia 5 de Junho, ele afirmou, sobre o tempo de carreira dos
professores: “Não temos dinheiro para pôr mais 600 milhões de euros por ano a
pagar esta reivindicação salarial. É muito simples: não temos dinheiro para
todo o tempo de serviço.” Esta segunda-feira, na apresentação do plano para a
requalificação de um troço do IP3, disse: “De repente, toda a gente acha que é
possível fazer tudo já e ao mesmo tempo. Quando estamos a decidir fazer esta
obra, estamos a decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos.” Apetece beliscarmo-nos para confirmar
que estamos acordados. A que se deve esta súbita e surpreendente passoscoelhização de António Costa?
A minha teoria é esta: António
Costa e Mário Centeno acreditam no diabo. Mesmo. Eles estão convencidos de que a fragilidade do país é imensa, e que as
boas notícias que temos ouvido ao longo dos últimos três anos são largamente
exageradas. O crescimento que ocorreu desde a saída da troika apenas
levou o país de volta para os níveis de PIB anteriores à crise, e o mais
provável é que a partir daqui Portugal regresse à velha estagnação económica da
primeira década deste século. Sim, o défice parece controlado, mas as condições
económicas exteriores são irrepetíveis – basta um solavanco, e a subida de
juros acompanhada da subida do desemprego empurra o país outra vez para o
charco. Pior: mesmo sem solavancos, basta o inexorável correr dos anos e o
envelhecimento da população para revelar a absoluta insustentabilidade do nosso
Estado Social. Não admira que António Costa esteja zangado com os professores e
aproveite todas as oportunidades para explicar que o dinheiro não nasce do
chão. Muita gente pensa que a sua vitória nas próximas eleições será o justo
prémio pelos seus quatro anos de governo. Mas e se, em vez de prémio, for um
justo castigo?
Portugal não
tem silly season: é mesmo todo o ano bastante silly /premium
9/7/2018
Um país que está de novo a crescer pouco devia debater como ter um
melhor futuro, mas ocupa-se a lutar por voltar depressa ao passado. E até
celebra: “Meu deus como é bom morar/Modesto primeiro andar”
“Nunca aprendemos nada. Se calhar foi pena termos pedido o resgate
quando o pedimos. Mais um ou dois meses e falhavam os pagamentos aos
funcionários públicos. Se isso tivesse acontecido talvez se tivesse aprendido
de vez”.
Ouvi aqui há uns tempos este desabafo a alguém que não esconde o seu
desencanto com o rumo do país. A alguém que conhece a diferença entre estar bem
e parecer estar bem – ou seja, a diferença entre parecer ter as contas certas e
ter uma economia capaz de sustentar as contas públicas.
Infelizmente vivemos num país de aparências, onde parecer é mais
importante que ser. E onde há uma permanente penalização de quem procura falar
sobre as dificuldades e um prémio de popularidade para quem promete
facilidades.
Qual é o nosso problema? É que mesmo com
todos os ventos a soprarem a nosso favor crescemos pouco. Este ano, de acordo com as previsões da Comissão
Europeia, devemos ter o quinto crescimento mais baixo da União. Mais, e
pior: Bruxelas prevê que a Lituânia, a Eslováquia e a Estónia ultrapassem
Portugal em 2018 no que diz respeito à riqueza por habitante. O que significa
que nos arriscamos a terminar este “ano de rosas e festejos” como o terceiro país mais pobre da zona euro, só à
frente da Letónia e da Grécia. E a manter-se esta tendência não tardará muito
que também a Hungria e a Polónia nos ultrapassem (em 2019 prevê-se que Portugal
cresça 2%, contra 3,2% da Hungria e 3,7% da Polónia).
Se tivéssemos aprendido realmente alguma coisa com o que nos aconteceu
em 2011, se uma boa parte do país não continuasse a pensar que os anos duros
que se seguiram foram apenas fruto da teimosia “ideológica” de um governo de
malandros, nunca teríamos tido um debate público dominado pela urgência das
reversões, antes um debate focado no essencial – e o essencial é que, mesmo
tendo voltado a crescer, Portugal cresce menos do que os outros e, sobretudo,
cresce menos do que aquilo de que precisa para sustentar o nível de serviços
públicos a que se habituou, serviços públicos que os políticos não param de
prometer expandir ainda mais.
É este quadro que devíamos ter bem presente agora que começamos a
debater o Orçamento do Estado para 2019, ano de eleições. A pergunta que todos
deveríamos ter na boca devia ser só uma: como vamos
crescer mais e mais depressa? A pergunta que temos na boca é, infelizmente, outra: como vamos
calar os parceiros da geringonça e fazê-los engolir as contas públicas do
próximo ano?
É assim que vivemos da espuma dos
dias. “Não mudamos
nem uma palavra, nem uma letra”, grita Jerónimo de Sousa, pedindo mais dinheiro
para tudo. O Bloco sobe a parada no debate do pacote laboral, considerando-o “decisivo”
antes do Orçamento. E o PS
sente necessidade de avisar para que ninguém “ceda à
tentação de fazer ultimatos”. Mesmo sabendo que há nestas coreografias muito dos
jogos florais típicos de quem procura posicionar-se o melhor possível para um
ano eleitoral, a verdade é que este aparente nervosismo tem como pano de fundo
uma mudança no discurso do Governo que começou há alguns meses.
Primeiro foi Mário Centeno a
falar, no Parlamento, do passado, como se este “não tivesse mostrado riscos, avisos,
consequências e lições”. Depois foi o próprio António Costa a confessar aos deputados que “não temos dinheiro”. Adoptado
o novo tom, fosse em entrevistas ou em intervenções em Bruxelas, não faltou
quem atribuísse a nova dureza de Mário Centeno à sua condição de presidente do
Eurogrupo, ou então o desconcertante
realismo do primeiro-ministro a contar agora com o ombro amigo de Rui Rio. Tão
habituados que estamos a estes jogos de corte que evitámos olhar para o
essencial: apesar da irresponsabilidade com que prometeram mundos e fundos nos
três últimos anos, tanto Centeno como Costa sabem que caminham sobre gelo fino.
Tal como sabem que nem sempre se tem toda a sorte do mundo e os ventos todos a
favor.
Se pensarmos um pouco no “milagre Centeno” – redução do défice 3% do
PIB em 2015 para uns previstos 0,3% em 2018 –, fazemos as contas e verificamos
que isso representou uma redução do défice de 4.5 mil milhões de euros. Parece
imenso, mas não é: metade deste valor resulta apenas da redução da
despesa com juros e do aumento dos dividendos do Banco de Portugal, o que
significa, entre outras coisas que qualquer flutuação nas taxas de juro podem
atirar borda fora a tão falada mestria do “Ronaldo das Finanças”.
No entanto, em vez de discutirmos o que
fazer para termos mais crescimento, fazemos exactamente o contrário.
Primeiro exemplo: revisão das leis laborais. O Governo
sabe, mas nem às pedrinhas confessa, que o dinamismo do mercado laboral e a
excepcional criação de emprego a que temos assistido é muito fruto das mudanças
legislativas dos últimos anos, que começaram ainda no tempo de Sócrates e foram
das poucas reformas a sério dos anos da troika. A oposição também sabe, mas
curiosamente parece ter vergonha de o assumir, deixando todo o espaço público à
retórica dos parceiros da geringonça. O resultado é um debate cego à realidade
e centrado exclusivamente na obsessão da precariedade.
Segundo exemplo: a lei das rendas. O Governo sabe, as
autarquias também sabem, que a reanimação e recuperação dos centros históricos,
a criação de condições para o boom turístico e o reaparecimento do mercado do
arrendamento é fruto da nova lei das rendas. Por isso, mesmo chamando-lhe
António Costa pela frente “lei dos despejos”, pelas costas desdobra-se em
esforços para evitar que seja alterada a não ser em detalhes (e mesmo assim mal
alterada). É muito fácil estragar o
que se progrediu mesmo que esse progresso tenha dado origem a distorções
especulativas. Quem quiser defender mais crescimento e menos especulação
devia defender o aumento da oferta de habitações, pois isso faria baixar os
preços; quem vive no passado e na estagnação quer congelar o velho e afastar
novos investimentos. Neste quadro falar de preocupações sociais é pior do que
atirar areia para os olhos: é remeter para os senhorios as funções sociais do
Estado, uma prática com um século (pois o primeiro congelamento das rendas foi
ainda na I República) que deu o resultado que deu.
Terceiro exemplo: os bloqueios da Justiça. Não há um
só inquérito sobre o que tolhe o investimento em Portugal que não coloque à
cabeça o nosso sistema de Justiça. Mesmo assim foi na Justiça que o principal
partido da oposição, o PSD, decidiu surpreender-nos pelas piores razões. E se
chega mesmo a assustar no que se refere aos direitos fundamentais, como explicou o
Luís Rosa, o que o partido de Rui Rio parece ter como agenda é a sua própria obsessão com… reversões. Pior: o
PSD propõe-nos uma agenda que tem pouco de político de muito de corporativo,
sendo que desta vez a corporação (ou uma parte dela) está dentro da própria
direcção laranjinha, por via da antiga bastonária da Ordem dos Advogados.
Mas há mais, muito mais, pois a
especialidade dos nossos dirigentes parece ser a de passarem sempre entre os
pingos a chuva enquanto dão dois pés de dança. De facto, que dizer do silêncio
de Marcelo sobre o impacto nas despesas do Serviço Nacional de Saúde da lei das
35 horas? Há dois anos, quando
promulgou a lei, ameaçou
levá-la ao Tribunal Constitucional se houvesse aumento da despesa. Agora que
essa despesa se materializa, silêncio absoluto – até porque o hábil argumento
da eventual inconstitucionalidade ficou fora de prazo. Em vez disso sobe ao
palco do Rock in Rio de braço dado com António Costa, Ferro Rodrigues e
Catarina Martins para trautear uma
canção que, não
fosse este o elenco de personagens, cairia por certo sob o cutelo censório do
politicamente correcto, se não fosse mesmo acusada de salazarismo.
Entretanto, do lado que verdadeiramente
interessa, o do crescimento económico, as luzes que se acendem vão exactamente
no sentido contrário do desejado. No primeiro trimestre deste ano tivemos um
crescimento anémico (0,4%
em cadeia, 2,1% homólogo) e que ficou aquém das expectativas. Quantos minutos levámos
a debater este tema? Seguramente menos do que as horas dedicadas
à momentosa parolice dos estacionamentos da Madonna e muito menos do que
os diasdedicados a
um tresloucado que esteve aos comandos do Sporting.
Mas não nos incomodemos. Ao menos as
redes sociais já não fervem de indignação, antes nos vão mostrando como os
portugueses voltaram às praias, aos bons restaurantes, às viagens ao
estrangeiro e às doçuras da silly
season. É assim que, pelo menos até ao próximo sobressalto,
ou ao próximo “diabo”, continuaremos a ser silly todo o ano.
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