Com consequências. Algumas bem negativas, mas o apontá-los não
resolve. Os ódios que se criam à volta das personalidades que se destacam,
quando estas não partilham as opiniões em moda, superam, contudo, todo o bom
senso. Leiamos, todavia, Alberto Gonçalves, e meditemos nas suas razões, fruto
de sabedoria e coragem, mesmo sem esperança em retrocesso. Talvez que a inveja
pela sua veia cáustica nos torne, é certo, imunes ao ensinamento.
Repoltreemo-nos antes nos ódios e no ócio doce do far niente.
Sete
dias na selva /premium
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR21/7/2018, 0:12
“Os Maias” são
demasiado explícitos na chacota do pardieiro em que vivemos, o que aborrece os
donos do pardieiro e os leva a preferir “humanistas” como Alegre ou as senhoras
da colecção “Uma Aventura"
1º dia
Em
Coimbra, um par de homossexuais foi espancado por um grupo aos gritos de
“paneleiros” e “pedófilos”. Quando meio mundo se preparava para execrar o crime
de ódio, escrever panfletos inflamados, organizar vigílias e exigir adendas à
lei, descobriu-se nas entrelinhas da notícia que os agressores eram uma família
de ciganos. O assunto, pelo menos na perspectiva inicial, morreu ali. E, com o
cheiro a travões ainda no ar, as boas consciências transferiram a indignação
face à homofobia para a indignação face ao racismo. De repente, o problema
deixou de ser os dois infelizes agredidos e tornou-se o destaque, naturalmente
desajustado, que os “media” deram à “etnia” dos agressores. Sou testemunha: em
mais do que um jornal, a palavra “cigano” irrompia, abusiva e zombeteira, nos
fundilhos do texto, prova cabal de que o incidente apenas serviu de pretexto à
calúnia de uma “comunidade” a que tanto devemos. Não é mau jornalismo, é
péssimo. Claro que a identificação só se justificava se se conhecesse, na
longa, nobre e progressista tradição cigana, algum vestígio de intolerância
para com os gays ou, já agora, qualquer forma de vida “alternativa”.
Evidentemente, não é o caso. Com a eventual excepção dos militantes do Hamas,
não existe cultura tão permissiva à liberdade sexual. O povo roma (assim é
que é), modelo de abertura, não discrimina nada nem ninguém. Então porque é que
a tal família bateu nos tais rapazes? Porque os ciganos batem democrática e
impunemente em toda a gente, ora essa.
2º dia
O
ministro da Defesa afirmou não saber que parte do material roubado em Tancos
ainda não foi recuperado. Revelada em todos os momentos do processo, a
coerência do homem impressiona. Começou por não saber a dimensão do roubo,
prosseguiu a não saber se existira roubo e agora não sabe se o produto do roubo
apareceu ou não. De caminho, é provável que também não saiba o que é Tancos, a
função que ele próprio desempenha no governo e o nome de baptismo. O facto de o
dr. Azeredo regressar a casa todos os dias sem se perder é, no mínimo, um
milagre.
3º dia
A
presidente do Infarmed garantiu que a “deslocalização” (sic) da instituição é
uma ameaça à saúde pública em Portugal e no mundo. Talvez haja aqui exagero,
mas no que toca à saúde mental na cidade do Porto os riscos são óbvios.
4º dia
Rebentou
um pequeno escândalo porque “Os Maias” deixaram de ser leitura obrigatória no
liceu. Meia dúzia de pontos. Primeiro, parece que a obra é facultativa desde
2002, prova de que a indignação, embora implacável, foi decidida com vagar.
Segundo, é absurdo interromper a atenção das crianças em volta das novas
tecnologias (publicar fotos no Instagram e assim) para maçá-las com formas de
comunicação anacrónicas. Terceiro, ao que se vê por aí, a antiga
obrigatoriedade de Eça não convenceu várias gerações de portugueses a escrever
bom português, ou sequer a escrever português de todo. Quarto, se a criança for
normalzinha, a conotação de um livro com a escola é suficiente para dedicar-lhe
o tipo de afeição que se dedica à sarna, pelo que o currículo oficial deveria
limitar-se a produtos oficiais, género Mia Couto e os novíssimos romancistas
caseiros. Quinto, “Os Maias” são demasiado explícitos na chacota do pardieiro
em que vivemos, o que naturalmente aborrece os donos do pardieiro e os leva a
preferir autores “humanistas” como Manuel Alegre, as senhoras da colecção “Uma
Aventura” e aquele mãe com minúscula. Sexto, a demonstração de que o
liberalismo nacional vai longe está no facto de mesmo os liberais acharem que
compete ao Estado escolher as leituras, os interesses e provavelmente os
sapatos dos filhos. Sétimo, os indignados que vão chatear o Camões, fingindo
que o lêem.
5º dia
Se
descontar o assassínio de inocentes, as simpatias estalinistas, os surtos de
anti-semitismo e a facilidade com que caipiras o elevaram a santo, consigo
simpatizar com Nelson Mandela. A verdade é que, no poder, podia ter
aberto a temporada de vingança e decretado o puro genocídio. Não só não o fez
como, salvo percalços, ajudou a manter a harmonia possível em condições
impossíveis. Dito isto, não percebo a que título se enxovalha a memória do
homem através de um festival comemorativo dos 100 anos do seu nascimento. A
coisa, parcialmente paga pela autarquia com dinheiro subtraído ao contribuinte,
decorre em Matosinhos, literalmente a dois passos de minha casa, e pretendia
ser um evento musical. Por azar, apenas arranjaram o moço dos Aerosmith, o sr.
Geldof (juro) e mais uns nomes que desconheço. Não preciso conhecer: aqui na
sala soa tudo ao mesmo, uma vibração maligna que se propaga pelas paredes e
termina nos meus tímpanos. Pelo meio, deixa-me os cães em alvoroço. O estranho
é que, apesar de tamanho suplício, não fiquei a detestar Nelson Mandela. Pelo
contrário, passei a compreendê-lo melhor, sobretudo a parte em que justifica o
terrorismo com as situações extremas, e desumanas, que o fomentam.
6º dia
Como
dizia o Ricardo Araújo Pereira, meter-se na droga é de homem. Infelizmente, em
Portugal nem isso. Um festival de variedades a realizar em Idanha-a-Nova vai
beneficiar de um serviço de controlo dos estupefacientes que os choninhas
tencionam consumir. O serviço, gratuito, estará a cargo do Estado e o festival
diz-se “alternativo”. Alternativo a quê?
7º dia
Enquanto
se descobria que os donativos às vítimas de Pedrógão Grande terminaram em casas
de borlistas, o governo ofereceu à Suécia ajuda para combater os incêndios
locais. Fez bem: no meio da tragédia, os suecos precisavam de um alívio cómico.
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