«Andorinhas aos pares, Cruzavam-se voando em torno dos
meus lares, Suspensos dos beirais da casa onde eu nasci…»
A única realidade do texto
citado, de Guerra Junqueiro, neste momento, são as andorinhas, chiando, voando
em círculos, no recorte do céu azul, trazendo recordações de outros céus,
enquanto duas ou três pombas paradas no rebordo dos terraços, assistem, por
momentos, como nós, em pacífico mutismo, admirando a alegria da chiadeira,
neste contexto de vexame, que nos traz a leitura, à mesa da bica, das crónicas preocupantes
do Público – de Vicente Jorge Silva “Os novos sonâmbulos da política
portuguesa”, de 8/7 e de Miguel Sousa Tavares “Muitos parabéns,
senhor Farinho”, de 7/7.
Não vou comentar, os textos
são bem explícitos da nossa indolência, nestas questões de governação e de honra.
Lembremos antes Pessoa e o seu humor de sombria afirmação: “Quanto é melhor,
quando há bruma, Esperar por D. Sebastião, Quer venha ou não!
Temos pano para mangas nestas
temáticas do nosso Fado. Ouçamos as andorinhas, como distracção.
Os novos sonâmbulos da
política portuguesa
A reedição da actual fórmula governativa depois das legislativas
será, tudo leva a crer, irrepetível.
VICENTE JORGE SILVA
JORNALISTA
PÚBLICO, 8 de Julho de 2018
Já aqui citei diversas vezes Os Sonâmbulos, do
historiador australiano Christopher Clark, como uma das metáforas políticas
mais inspiradoras que se escreveram neste século. Apesar de ter como objecto a
Grande Guerra de 1914-18 e os percursos feitos pelos líderes europeus desse
tempo em direcção a uma das maiores carnificinas da história humana, o livro de
Clark tem revelado uma acuidade perturbante em relação a muitas outras
situações posteriores e ao ambiente mundial e europeu da actualidade – desde a
imprevisibilidade de personagens como Trump ou Putin até aos riscos de
desagregação que enfrenta a Europa.
O que está em causa desta vez tem um âmbito mais modesto e
bem menos assustador mas, mesmo assim, sintomático de outra forma evidente de
sonambulismo: o da política portuguesa dos nossos dias. Basta
observarmos o actual funcionamento (ou, mais exactamente, a disfuncionalidade)
dos partidos da "geringonça" e seus opositores para concluirmos que o
comportamento dos diversos protagonistas e figurantes só se pode explicar por
"movimentos automáticos que se produzem durante o sono natural ou
provocado" (cf. Novo Dicionário Lello).
A um ano e meio das eleições legislativas e a menos de um ano
das eleições para o Parlamento Europeu – que, adiante-se, ameaçam ter efeitos
verdadeiramente devastadores na paisagem política europeia – o Governo
socialista, apresentado até aqui como uma singular referência de estabilidade a
nível internacional, parece ver a sua base de apoio parlamentar posta em xeque,
pelo menos como nunca o fora até agora. Embora seja duvidoso que o PCP e o BE
impeçam a aprovação do próximo Orçamento (com a abstenção de uns e o voto
constrangido de outros), a reedição da actual fórmula governativa depois das
legislativas será, tudo leva a crer, irrepetível. E o PS, enquanto se
manifestam já sinais de divisão entre o Governo e o respectivo grupo
parlamentar, revela-se refém de um tacticismo à beira do esgotamento: por
um lado, simula continuar fiel à "geringonça", mas, por outro,
mostra-se inamovível nos seus compromissos com Bruxelas (o que o BE e sobretudo
o PCP se recusam cada vez mais a aceitar, embora sem proporem alternativas
viáveis no actual quadro europeu, para além das habituais proclamações
ideológicas que, no caso dos comunistas, parecem saídas dos manuais mais
arcaicos do marxismo-leninismo).
Ora, estas manifestações de sonambulismo dentro da
"geringonça" cruzam-se com outra: a do PSD, em que a
presidência de Rio é cada vez mais questionada internamente devido aos sinais
de aproximação ao PS e à perspectiva de um novo "bloco central"
rejeitado formalmente pelas lideranças socialista e social-democrata mas
sugerido por diversas convergências (sendo a última a legislação laboral, tão
asperamente contestada pelo PCP e pelo BE mas também causadora de mal-estar no
grupo parlamentar socialista). A verdade, porém, é que a agenda dos opositores
a Rio se limita a uma nostalgia do passado "passista", envolvida por
um voluntarismo puramente retórico. Quanto ao CDS, se parece excluir-se
deste cenário, é apenas porque não tem nada a perder e se encontra protegido
pela sua actual pequenez.
Como os sonâmbulos, ninguém sabe que terreno
verdadeiramente pisa enquanto tacteia no escuro à espera dos resultados
eleitorais de 2019 que, excluindo uma maioria absoluta do PS – aparentemente
não alcançável, como parecem indicar as sondagens –, uma inviável
"geringonça" e um improvável "bloco central", poderão
precipitar o país numa perigosa incógnita política. Sobra em
sonambulismo, tacticismo e vistas curtas o que falta em visão estratégica e
pedagogia política. Todo um território propício às tentações populistas a que
nos julgávamos imunes.
Comentários
Bento Caeiro, 08.07.2018:
"imprevisibilidade de personagens como Trump ou Putin até aos riscos de
desagregação que enfrenta a Europa": Talvez, por caricato que nos
pareça, tenhamos de agradecer à imprevisibilidade de Trump e de Putin por não
acontecer aquilo que nos estaria reservado pelo tipo de integração que certas
personagens europeias tinham reservado para a Europa - com a desagregação de
povos e nações e inundados de populações que nos são estranhas em hábitos,
tradições e costumes - sob o desígnio de um pretenso globalismo e
multi-culturalismo forçado. A Europa das Nações, defendida pelas suas
fronteiras nacionais, com os seus povos e nações, é a única que interessa aos
europeus e aos países da Europa.
fernando jose silva, LUSO 08.07.2018: A política
portuguesa não passa dum circo sem qualquer importância no contexto europeu,
ele mesmo também num desnorte completo como se pode concluir da reunião de 28
de Junho. É um "casino" como repete o presidente italiano, à
portuguesa, uma casa onde há fome, todos discutem e ninguém tem razão. Quando
entra a Srª Merkel, todos se calam e ficam aguardando, porque de facto a ela se
deve ainda a existência da União europeia. Enquanto não conseguirem deitá-la
abaixo talvez isto continue, porém , se isso acontecer como parece , qual os
efeitos num país como Portugal que continua a ocupar um dos últimos lugares na
cauda da Europa?? Será mesmo por isso que os ratos se vão preparando para
abandonar oo barco????
II - OPINIÃO
Muitos parabéns, professor Domingos Farinho!
Espero que o professor
Carlos Blanco de Morais, com a frontalidade habitual, possa divulgar esse
magnífico parecer.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 7 de Julho de 2018
Não li qualquer notícia
sobre o tema, e é uma pena. Há que colmatar essa tremenda injustiça: desde o
dia 4 de Abril, o professor Domingos Farinho, que nas horas vagas de 2013 e
2014 ajudava José Sócrates a escrever teses de mestrado e de doutoramento, é
oficial e definitivamente professor auxiliar da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Muitos parabéns, Domingos! Após cinco longos anos de
período experimental, a sua integração definitiva e inamovível no quadro da
faculdade foi finalmente aprovada em reunião do Conselho Científico. E por
unanimidade!
Vale a pena citar o ponto
7.1. da acta da reunião, só recentemente disponibilizada no site da faculdade: “Foi
apreciado o período experimental do Professor Auxiliar Domingos Farinho, tendo
sido lido o parecer elaborado pelo Professor Carlos Blanco de Morais e
subscrito pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Tendo em conta o sentido
favorável do parecer, o Conselho pronunciou-se por unanimidade no sentido da
sua nomeação definitiva.”
Bravo! Infelizmente, o
parecer não está anexo à acta. Portanto, ficamos sem saber se
o Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique Carlos Blanco de Morais
(condecorado pelo professor Aníbal Cavaco Silva) refere nalgum lado do seu
excelso parecer o capítulo 14.3 do despacho de acusação a José Sócrates,
intitulado “Contratos e pagamentos a Domingos Farinho e Jane Heloise Bobela
Mota Kirkby”, nomeadamente os pontos 12602 a 12642, que contêm bonitas
descrições de Domingos Farinho e da sua esposa, mais bonitos quadros cheios de
números e muitos euros. É nesses quadros que aprendemos que o professor
auxiliar Domingos Farinho recebeu, em 2013, 40 mil euros para ajudar na tese de
mestrado de José Sócrates; e que em 2013/2014 a sua esposa, Jane Kirkby,
recebeu mais 53 mil para ajudar numa futura tese de doutoramento.
Espero que o professor
Carlos Blanco de Morais, com a frontalidade habitual, possa divulgar esse
magnífico parecer, através do qual Domingos Farinho conseguiu integrar
definitivamente os quadros da faculdade. É só mesmo para verificarmos se nalgum
sítio é referido o facto desses 93 mil euros nem sequer terem sido pagos por
José Sócrates, mas por uma empresa do arguido Rui Mão de Ferro, para a qual –
garante a acusação – “Domingos Soares Farinho e Jane Kirkby não prestaram
quaisquer serviços” jurídicos. Eu tenho escrito alguns artigos sobre o
professor Domingos Farinho e sei que isto já parece perseguição. Mas reparem
que sou só mesmo eu a persegui-lo – de resto, ninguém quer saber.
Perante tão brilhante decisão académica,
entendo, pois, que vale a pena encerrar este texto prestando uma justa
homenagem aos 21 membros do Conselho Científico da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa que estiveram presentes na reunião, e aos quais nunca
passou pela cabeça um voto contra ou, sei lá, uma abstenção. Fixem os seus
nomes, porque eles merecem: José Duarte Nogueira, Elsa Dias Oliveira, Miguel
Teixeira de Sousa, Maria Fernanda Palma, Luís de Menezes Leitão, Luís de Lima
Pinheiro, Dário Moura Vicente, Maria do Rosário Palma Ramalho, Vasco Pereira da
Silva, Manuel Januário da Costa Gomes, Maria João Estorninho, Maria Luísa
Duarte, Ana Maria Guerra Martins, Jorge Duarte Pinheiro, Ana Paula Dourado,
Margarida Salema, Miguel Nogueira de Brito, Miguel Moura e Silva, Pedro
Caridade de Freitas, Miriam Afonso Brigas e Pedro Romano Martinez. Parabéns a
todos. O Direito e a Justiça portuguesa estão em boas mãos.
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