Um texto sobre uma entrevista
com uma opinião que se pretende avalizada e que, em minha “opinião”, (talvez não
tanto avalizada mas redutoramente apaixonada), me parece um acervo de pedantismos
de quem não se interessa tanto pela formação cultural da população jovem do seu país,
como pela exibição dos seus conhecimentos de pessoa viajada que, ao informar
sobre as leituras dos alunos ingleses de obras de Eça, esclarece, intencionalmente
amesquinhante da nossa panorâmica educativa, que esses ingleses o fazem sem
dificuldade - o que se acredita, certamente que de adolescências já privando
com os livros da Jane Austen e das irmãs Brontë, de Lewis Carroll para o despertar da imaginação infantil, além de todo um escol literário britânico
de nomes estimuladores das suas capacidades de sensibilidade e intelecto. Não assim entre
nós, mais limitados a traduções dessas obras dinamizadoras do despertar para o
mundo, já que os nossos escritores, de um modo geral, de uma criatividade um
pouco mais pesada e quantas vezes, rebuscada, não favorecem tanto esse
despertar cultural, para além da contínua perda de interesse por leituras, que
a alienação tecnológica dos nossos tempos cada vez mais estimula. Mas a
deselegância de Filomena Mónica na escolha do epíteto “formatados” para caracterizar os professores que têm a ingente tarefa
de fazerem entender o livro, naturalmente apoiados em esquemas de análise
favorecedores desse trabalho, (o que tanto se deve a Carlos Reis, como
descodificador dos processos de análise inteligentemente "formatadores") pareceu-me
igualmente grosseira manipulação de uma fútil vaidade de quem nunca defrontou um
programa literário de enorme extensão, onde se encaixa a análise de uma obra
igualmente ampla, dentro dos condicionalismos actuais mais limitadores do que nunca.
Todavia, como obra-prima que é, na perfeita conjugação dos seus elementos, quer
do nível estrutural, quer do nível de intriga, quer do nível de um humor
sublime de observação e actualidade, nunca “OS MAIAS” deveriam ser retirados dos programas, bem assim “OS
LUSÍADAS”, como algo de génio – do nosso génio – que, mau grado as contingências
do nosso empobrecimento cultural, que um Acordo
Ortográfico idiota mais perverte, merecem a projecção que
realmente só um país cada vez mais empobrecido de valores, permite pôr em
causa.
Alberto Gonçalves põe a
ridículo a questão absurda, na forma satírica arrasante que o demarca como escritor de craveira, e não resisto a
transcrevê-lo, do seu artigo de hoje, “SETE DIAS NA SELVA”:
4º dia
Rebentou um pequeno escândalo porque “Os Maias” deixaram de ser leitura
obrigatória no liceu. Meia dúzia de pontos. Primeiro, parece que a obra é
facultativa desde 2002, prova de que a indignação, embora implacável, foi
decidida com vagar. Segundo, é absurdo interromper a atenção das crianças em
volta das novas tecnologias (publicar fotos no Instagram e assim) para maçá-las
com formas de comunicação anacrónicas. Terceiro, ao que se vê por aí, a antiga
obrigatoriedade de Eça não convenceu várias gerações de portugueses a escrever
bom português, ou sequer a escrever português de todo. Quarto, se a criança for
normalzinha, a conotação de um livro com a escola é suficiente para dedicar-lhe
o tipo de afeição que se dedica à sarna, pelo que o currículo oficial deveria
limitar-se a produtos oficiais, género Mia Couto e os novíssimos romancistas
caseiros. Quinto, “Os Maias” são demasiado explícitos na chacota do pardieiro
em que vivemos, o que naturalmente aborrece os donos do pardieiro e os leva a
preferir autores “humanistas” como Manuel Alegre, as senhoras da colecção “Uma
Aventura” e aquele mãe com minúscula. Sexto, a demonstração de que o
liberalismo nacional vai longe está no facto de mesmo os liberais acharem que
compete ao Estado escolher as leituras, os interesses e provavelmente os
sapatos dos filhos. Sétimo, os indignados que vão chatear o Camões, fingindo
que o lêem.
Transcrevo também alguns dos muitos comentários ao texto sobre a
entrevista a Filomena Mónica, que poderiam
servir de apelo a um Governo mais formado por “ricos de espírito” – o que não
é, infelizmente, o caso, pelo que, a proposta irá mesmo avante, tal como o AO.
Filomena Mónica: "Professores
formatados" podem ser uma das razões para o fim de Os Maias como leitura
obrigatória
O fim, ainda não decidido, de Os Maias enquanto leitura obrigatória no
secundário não é um erro para Maria Filomena Mónica, estudiosa de Eça de
Queiroz e da sua obra. O problema reside em muito nos "professores
formatados"
JOÃO CÉU E SILVA
DN, 18 Julho 2018
— TÓPICOS
A hipótese de o romance de Eça de Queiroz, Os Maias, deixar de ser leitura obrigatória no
secundário não preocupa a especialista queirosiana Maria Filomena Mónica.
Considera que é "uma obra muito difícil e longa" que não atrai a maioria dos alunos e que
poderá ser substituída por outra do mesmo autor, por exemplo O
Crime do Padre Amaro, que
é mais acessível.
Sugere outras obras do escritor
como possíveis para serem estudadas e que poderão dar aos estudantes uma
impressão tão completa como Os Maias: "Há um conto do Eça, Alves e Companhia, que
é completamente amoral e que os divertiria e deixaria bastante interessados na
sua leitura." No entanto, ao sugerir um conto deste
autor, Filomena Mónica levanta a questão de as novas
regras colocarem de fora o género do conto: "É incompreensível!"
Para a socióloga, o entendimento
sobre um autor e a sua obra pode dar-se através até de um poema: "Aprendi
a gostar de autores apenas através de um poema, isto porque os professores
trabalharam muito bem os seus textos, e nunca mais deixaram de ser uma
referência para mim." É o caso de Cesário Verde, poeta sobre o qual já
escreveu uma biografia: "Ele tem um longo poema, O Sentimento
dum Ocidental, que se o professor o der em condições fica-se com uma opinião muito
boa sobre o poeta e a obra." Como uma das causas para o desinteresse dos
alunos na leitura de Os Maias e destas possíveis
alterações no programa de leituras obrigatórias, Maria Filomena Mónica coloca
duas situações: "Os professores estão cada vez menos preparados para
explicar aos alunos outras obras que não as mais óbvias, e isso vê-se refletido
nos textos escolhidos para os exames. Os alunos, por seu lado, estão numa idade
em que não se interessam assim tanto pela leitura e é preciso saber
encaminhá-los para as obras, ora a maioria dos professores não o sabem
fazer."
Considera que os professores "estão formatados" para tratar os livros através de resumos
e de guiões que existem, dando o caso do queirosiano Carlos Reis que "com
os seus estudos definiu o modo de analisar as obras do autor de Os
Maias e que os professores
seguem por terem a vida facilitada". Recorda que em Inglaterra,
os alunos com a mesma idade dos portugueses lêem obras de Eça de Queiroz e que
não têm dificuldade em o fazer: "Eles aplicam-se e estudam o autor,
portanto por cá pode acontecer o mesmo."
Maria Filomena Mónica não deixa
de recordar um texto introdutório que escreveu para a edição desta obra de Eça
de Queiroz publicada na Texto Editora em 2004 e onde já afirmava: "Muitas
vezes me tenho interrogado sobre a utilidade da elaboração de uma lista de
livros recomendados pelo Ministério da Educação. Às vezes, penso até que o
ideal seria a existência de uma compilação de títulos proibidos, à semelhança
do que, em 1864, o Papa Pio IX fez com o seu famoso Index. É na adolescência,
quando olhamos as coisas que os professores nos recomendam com desconfiança
instintiva, que o fruto proibido se reveste de maior atração."
Para concluir, Maria Filomena Mónica
considera o escritor e Os Maias uma obra fundamental para se perceber o
Portugal naquela época, tanto assim que no seu último livro, Os Ricos,
o usou para explicar o país: "É certo que é muito grande e nem
sempre fácil para os leitores mais jovens, contudo pode ser substituída por
outras do mesmo autor." E não termina sem se referir ao Plano Nacional de
Leitura: "É uma estupidez como está."
COMENTÁRIOS
Manuel Barbosa: Realmente o mundo está formatado, não só os professores e os alunos.
Nem no Facebook se dão ao trabalho de ler um texto com mais de 100 palavras. A
literatura passou a ser uma "seca". Até os jornais e revistas estão
em vias de extinção. Estamos mesmo a caminhar para formar ignorantes com
conhecimentos básicos de tecnologia mas sem a menor formação cultural. Formatamos
mas não educamos. A outrora chamada "cultura geral" era proveniente
do gosto pela literatura que a escola incutia nos alunos. Uns gostavam, outros
não. Mas pelo andar da carruagem já nem a banda desenhada se salva. Não admira
que a esmagadora maioria chegue à faculdade a dar erros ortográficos gritantes.
É o que temos. Sociólogos a defender o facilitismo para os
jovens e a culpar os professores.
Joao Pedro Moreira: Concordando
mas acrescentando. A cultura é um todo. Não é só no ler que se aprende. É certo
que através dela o registo cultural de um pais, de um sociedade de um
"mundo" transporta o saber. Só através da leitura se atinge o conhecimento. O que é importante é sobretudo o pensar e
estimular o raciocinio e a criatividade. Quando uma sociedade tinha disponível aos cidadãos poucas ofertas, a
leitura era uma das possíveis ocupações, lamentavelmente só para alguns.
Hoje consigo trazer os meus
filhos para a leitura, mas resulta num trabalho gratificante, sou
"pobre" na evolução profissional porque dedico tempo para eles....
LER não se resume a ter um livro à FRENTE.... é muito mais que isso... os pais
não querem, os professores não querem, os alunos não querem....
Kankan Martin: De acordo. Acrescento: os responsáveis
políticos não querem gente culta pois podem colocar em causa a situação. Ensinar a ler e a escrever acabou
por provocar o aparecimento de gente anti Salazar. Logo, a malta porreira da
abrilada aprendeu com isso e quer evitar que a situação se repita. Nada de
gente pensante.
Nuno Fernandes: mais uma forma de formar idiotas, é uma obra
clássica da literatura Portuguesa que reflecte com muito pormenor uma época
importante de Portugal, eles querem lá saber disso ahahahah só mesmo para rir
Julián
Domínguez Pajares: Não
acredito! Sou espanhol e Os Maias foi a minha primeira leitura em português, o
meu primeiro livro em português. É esencial para comprender, conhecer a
sociedade portuguesa actual e as mudanças sociais do siéculo XIX para XX.
Sergio Ribeiro: Sou brasileiro , moro no
Brasil em Copacabana , e sou Português de origem e coração, estive recentemente
em Lisboa e em excursão fui até o Porto . Fiquei admirado e feliz ao sentir um
Pais próspero, limpo , educado . Isso pode parecer comum para vocês , mas para
quem mora no Brasil é de se admirar e a conclusão lógica que se tira é de que a
educação é bem tratada em Portugal . Li "Os Maias " a primeira vez
com quinze anos " e já adulto, li novamente . Queria que aquí no Brasil um
livro dessa qualidade fosse também leitura obrigatória. Seria
muito melhor para nós, brasileiros.
Joao Pedro
Moreira: Os Maias foi o livro que gostei de ler e também
tive de ler A Ilustre Casa de Ramires. É certo que é uma obra complexa mas
ilustrativa de uma época, também tive a sorte na altura de ter disponível o
livro de apoio à interpretação da obra que me ajudou ... fez-me a papinha
toda....
Ana Lúcia Sttau Monteiro: A minha neta anda numa escola do ensino público
(agrupamento de escolas João Villaret) onde a indisciplina dos alunos é de tal
ordem que seja o que for que os professores digam nem sequer é possível de ser
ouvido, logo, já é totalmente indiferente a forma como os professores podem ou
não interessar os alunos pela matérias, sejam
elas literatura, matemática, história ou seja o que for. Quando as coisas
chegam a este ponto, opinar sobre os livros obrigatórios parece-me igual a
falar sobre o sexo dos anjos.
Ana Martins: Às vezes, mesmo gente com alguma
inteligência se entretém (para ser lembrada!) a vir à boca de cena declamar
supinas patetices. Pena não haver hoje a ironia de Eça ou de Camilo (o varapau
deste também servia) para desancar em certos iluminados.
José Ramos: De facto, talvez Os Maias seja uma obra
demasiado longa e densa que não desperta a maioria dos alunos, sendo a culpa
não certamente dos alunos, habituados desde tenra idade a não "se
interessarem" por nada que exija uma capacidade de compreensão superior à
"Carochinha e o João Ratão", numa versão mais modernizada e leve, e,
muito menos de Eça de Queiroz que nos deu com Os Maias uma das duas ou três
obras-primas do romance português. Mas a verdade é que temos de lidar com os
alunos que há e com os "profes" que têm. Talvez, de facto, O Crime do
Padre Amaro (apesar das anomalias cronológicas na narrativa), A Relíquia ou O
Primo Basílio?
Maria
Patrocinio: os tempos mudaram a ponte mandada construir por
Salazar ja nao se chama assim, e sendo assim a modernice dos telemoveis e afins
é que conta,vejam o exemplo do copianço ,se uma miuda usa o smarfhone no bolso
de tras das calças ,reparem todas emitam ..portanto a juventude vive na
emitaçao do que lhe metem na frente ,menos estudar Camilo, Éça ,Saramago.
Professora Andrezza Ribeiro: Acredito
que o melhor seja introduzir a obra sem o fator leitura obrigatória, este termo
assusta tanto os docentes, que tentam, muitas vezes em vão, adivinhar o que
será cobrado da obra em provas, tornar a leitura dos clássicos um prazer é uma
tarefa árdua, mas muito gratificante. Sou apaixonada por Eça de Queiroz, mas
entendo que muitos professores veem seus romances como uma leitura muito
detalhista e isto afasta qualquer adolescente da escrita de Eça. Uma pena!
……
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