Crónicas de
gente que lê e se preocupa, sobre um presente que vai evoluindo, ao sabor dos
percalços que as mudanças ideológicas e outras trazem, até ver - de Paulo Rangel, de Teresa de Sousa. Dois comentários
– o segundo - de Bento Caeiro - numa linha de pensamento oposta à das crónicas, refractário a uma
invasão de povos desordeira e ruinosa; o primeiro de João
Portugal - nitidamente troçando de
valores antigos e destes modernos que pretendem uma linha de conduta consensual
no sentido de uma garantia de estabilidade e de princípios de interajuda, em
vias de ruir, com a imposição dos novos nacionalismos, esquecidos estes da
ajuda financeira que representou a proposta de união de Estados Europeus, sobretudo
para os países da insegurança económica. Um Joao Portugal comentador, que
retira ilações do passado, céptico e trocista, descrendo de uma Nato e de um
Ocidente que vai contribuindo para o desmantelar das Uniões, criticando o
pensamento ponderado de Teresa de Sousa, e naturalmente o pensamento cediço de
Marcelo Caetano, mas nada mostrando, no seu prognóstico severo, do que seria para ele a
verdadeira reconstrução dos países. Provavelmente a mesma ainda dos Cunhais, Mao
tse Tungs ou Estalines passados, de resquícios cada vez mais fortes no
presente, pelo menos entre nós cá.
Mas as sombras
que pairavam sobre Angela Merkel estão em vias de se dissipar. Continuemos a
esperar, por mais uns tempos. Na UE.
OPINIÃO
Trump, migrações e a política europeia em migração (II)
É absolutamente redutor e basicamente insuficiente “culpar” a União
Europeia pela situação a que chegámos.
PÚBLICO, 26 de Junho de 2018
1. Assinalaram-se
no sábado 23 de Junho dois anos sobre o referendo britânico que nos ofereceu
essa verdadeira tragédia ocidental que tomou o nome de “Brexit”. Imediatamente
antes e depois disso, escrevi um punhado de artigos sobre o sentido político e
social e até político-social do “Brexit”. Uma das principais ideias
expendidas nesses artigos é de que o “Brexit” não representava nenhuma
singularidade britânica, mas que denunciava um movimento profundo, quiçá tectónico,
das sociedades ocidentais. A crise das migrações de 2015 na União Europeia ou a
erupção fulgurante do vulcão Trump estavam em clara sintonia com o sentido – na
dupla acepção de razão de ser e de destino – do “Brexit”. Foram muitos,
especialmente entre os que gostam de acreditar na excepcionalidade (e, já
agora, superioridade) britânica, aqueles que discordaram desta visão “unitária”
dos desenvolvimentos políticos ocidentais, mas cada vez mais me convenço do
acerto dessa visão.
Vem tudo isto a propósito
da coincidência temporal entre a crise migratória norte-americana, hipostasiada
no escandaloso caso da separação das crianças, e a profunda dissensão europeia
a propósito da questão migratória. Esta coincidência temporal não é
casual. Ela é um sintoma, ela reflecte um estádio da evolução política das
sociedades ocidentais. Não se trata, por isso, de um problema europeu; não se
cura, portanto, de um problema britânico; não se postula, afinal, como um
problema americano. É um problema comum às sociedades ocidentais que,
com diferenças muito assinaláveis, ainda têm enormes margens de conforto e de
prosperidade e que, mercê da sua sofisticação política, revelaram uma abertura
e uma tolerância sem paralelo geográfico ou até histórico. É um problema comum às
sociedades ocidentais que vêem agora emergir com sucesso tonitruante modelos
alternativos de governação e governança que prometem prosperidade, mas negam
liberdade e sonegam tolerância. As sociedades ocidentais, pressionadas por essa
nova competição e incapazes de satisfazer as altas expectativas inscritas nas
suas cartas de marear, sentem-se pois tentadas a seguir as pisadas musculadas e
restritivas dos competidores emergentes. São essencial e infelizmente
sociedades na defensiva.
2. Este ponto que quer aqui
marcar-se, o de que a crise é ocidental e não especificamente “europeia”, tem
sequelas políticas evidentes. A primeira delas é que é absolutamente
redutor e basicamente insuficiente “culpar” a União Europeia pela situação a
que chegámos. Se os Estados Unidos, país tradicionalmente acolhedor de
imigração, fazem das migrações o principal polo de tensão política, como
considerar que esta é uma questão puramente europeia? Se a razão mais
visível para o voto pela saída no referendo britânico foi a questão do controlo
de fronteiras, como confinar esta questão à política da União Europeia?
Ninguém nega, bem pelo contrário, que este é um problema europeu, porventura o
mais dilacerante. Mas é preciso ter consciência de que a formulação exacta é
matizada: este é um problema “também” europeu. A retórica antieuropeia,
sempre muito acarinhada na opinião publicada, procura esconder e secundarizar a
evidência: não se cura de um problema intrinsecamente europeu, criado e
exponenciado pela malévola União Europeia; trata-se isso sim de um problema
comum aos países ocidentais, aí incluídos os Estados Unidos (e, claro está, o
glamoroso Reino Unido). De modo algo diverso, mas bem presente, as realidades
políticas australiana e canadiana também o comprovam.
3. A segunda ilação a tirar, aquela a que
verdadeiramente queria chegar, é decerto mais ousada e diz respeito àquilo a
que poderíamos chamar o efeito Trump. A eleição de Trump, já o disse
há muito, foi extremamente negativa para o Ocidente, para o seu peso na equação
global e, bem assim, para o desenvolvimento político interno dos vários
parceiros da aliança ocidental. Basta ver a forma como encara a NATO e como
trata os aliados para o perceber. Basta atentar na guerra comercial que acaba
de atiçar para o compreender. Mas mais grave do que isso tudo e, de resto, em
corte com a tradição política americana vem a ser a sua afeição à democracia
iliberal. O desprezo pelos tribunais, pela independência dos juízes e
imparcialidade dos procuradores e, além disso, a hostilidade para com as
funções de controlo e de balanço do Congresso são sinais inequívocos da sua
falta de escrúpulo constitucional e liberal. Para já não falar do apreço pela
Rússia e por Putin, bem como por todos os tipos de autocracia. O despeito para
com a democracia representativa e a afinidade com as ideias de uma ligação
orgânica e directa entre o chefe e o povo são ostensivos. Esta atitude e
esta cartilha dão imensa força a todos os que do lado de cá do Atlântico são
adeptos confessos da chamada “democracia iliberal”. Foi assim com Farage na
Grã-Bretanha. Mas é evidente com Kaczynski na Polónia, com Órban na Hungria,
com Salvini na Itália. Muito do que estes políticos fazem não seria
viável se não encontrassem em Trump o colo e o conforto. Esta observação não é
do mundo da imaginação ou do delírio: atente-se tão-somente no que já
fez o embaixador americano em Berlim. Bastará, aliás, ler os tweets que esta semana o próprio Trump escreveu
sobre a situação política alemã (a respeito da crise entre CDU e CSU, Merkel e
Seehofer) para ver como ele instiga e ampara as forças iliberais em toda a
Europa. O que Putin faz, mais ou menos discretamente, por meio de hackers, Trump quer fazer, em modo manifesto, nas redes
sociais.
4. É necessário que
se reconheça: a voz grossa, o braço musculado e o punho em riste de muitos
dirigentes europeus não seriam os mesmos se não tivessem a almofada de Trump e
dos seus instintos. É por isso que, sempre que se encontram com Trump, é mais
avisada a circunspecção de Merkel do que o afago jovial de Macron.
II- ANÁLISE
A Europa não está
preparada para o fim do Ocidente
Trump significa uma ruptura com o que estava adquirido
na relação transatlântica desde o pós-guerra. A Europa não está preparada para
ele.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 28 de Junho de 2018
1. Na sua habitual carta aos líderes
europeus, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, avisou-os de que têm
de encarar de forma realista “o pior dos cenários”, lembrando que as tensões
transatlânticas vão muito para além da guerra comercial.
O “pior dos cenários” é,
evidentemente, a mudança de 180 graus da política do Presidente americano
relativamente à Europa. “Enquanto discutimos as migrações ou a
reforma do euro, é preciso termos consciência do contexto geopolítico que se seguiu ao
G7”, diz a carta. “Apesar dos nossos esforços para manter a
unidade do Ocidente, as relações transatlânticas estão sob imensa pressão
devido às politicas de Donald Trump”.
A carta de Tusk tem a
virtude de colocar o dedo na ferida, numa altura em que Angela Merkel, o alvo
principal da “guerra” do Presidente americano contra a Europa, parece estar
mais enfraquecida do que nunca. Trump será hoje, em Bruxelas, o elefante na
sala. O problema maior é que estarão sentados à mesa alguns dos seus novos aliados do lado
de cá do Atlântico.
O efeito Trump é hoje
incontornável. A Economist citava um
diplomata europeu para descrever a nova realidade: “Os meus colegas regressaram
da cimeira do G7 como se tivessem colocado as mãos numa torradeira”. O pânico instalou-se nas principais capitais
europeias, a começar por Berlim. Ninguém sabe o que esperar da
próxima cimeira da NATO, a 11 e 12 de Julho. “A Europa não está preparada para
o fim do Ocidente”, diz um conselheiro da chanceler, citado pelo Politico. Em matéria de segurança e defesa, acrescenta,
“não há plano B”.
Os principais responsáveis
políticos europeus caíram em si, depois de um período em que foram acalentando
algumas ilusões. Trump significa uma ruptura com o que estava adquirido na
relação transatlântica desde o pós-guerra. A Europa não está preparada para
ele.
2. A América foi a força motora da
integração europeia. Com três objectivos estratégicos: garantir a paz, resolver
a questão alemã e defender o mundo livre da ameaça soviética. A
NATO, fundada em 1949, foi a mais longa e bem sucedida aliança militar do
século XX. A União Soviética implodiu sem que tivesse de disparar um tiro.
Sobreviveu ao fim da divisão da Europa, transformando-se num produtor de
segurança à escala global. Alargou-se quase até às fronteiras da Rússia,
acompanhando o alargamento da UE. Enfrentou crises. Accionou pela primeira vez
o Artigo 5 na resposta ao 11 de Setembro. Esteve e está no Afeganistão.
Desempenha missões de treino no Iraque. Franceses e britânicos participaram com
os EUA no combate ao Daesh. Garante a segurança na fronteira europeia com a
Rússia, desde que a crise ucraniana e a ocupação da Crimeia puseram fim às
dúvidas sobre o revisionismo expansionista de Moscovo.
Durante algum tempo, os
aliados europeus, ainda acreditaram que o hábito acabaria por fazer o monge. O
Presidente da America First, que declarara a NATO obsoleta, "partiu a
loiça" na primeira cimeira da NATO em que participou, em Maio do ano
passado, recusando qualquer referência ao Artigo 5, garante da defesa
colectiva. Mas as sucessivas visitas a Bruxelas de Mike Pence, Rex Tillerson ou
James Mattis tentaram apagar o fogo, reafirmando o compromisso transatlântico.
A ilusão perdurou. Hoje, já não existe. Como disse a chanceler, “a Europa está,
pelo menos em parte, por conta própria”. O outro lado da moeda é que ninguém
tem ilusões sobre a capacidade europeia de garantir a sua própria
segurança nem do longo caminho para criar uma capacidade militar autónoma,
suficientemente dissuasora.
A chanceler alemã foi
sempre o alvo principal de Trump. “Os seus constantes ataques verbais a Merkel
são perigosos”, diz Judy Dempsey, do Carnegie Europe. E não apenas por causa do
excedente comercial, dos Mercedes e BMW que “poluem” as estradas americanas, ou
dos gastos, curtos, com a defesa. Merkel encarna os valores fundamentais
que estão na base da relação transatlântica e que garantiram a sua solidez. Os
mesmos que Trump pura e simplesmente despreza. “É quase como se quisesse uma
mudança de regime em Berlim”, diz ainda a analista do Carnegie.
O Presidente francês
ainda tentou a “lisonja” para dissuadir o seu homólogo americano de rasgar o
acordo nuclear com Teerão. O resultado foi nulo. O problema é que, sem os EUA,
não há motivos para que o regime de Teerão o respeite. Apenas os EUA poderiam
garantir que não haveria “mudança de regime”.
3. Contra as expectativas, Merkel
conseguiu manter a Europa unida, quando foi preciso enfrentar a Rússia. Putin
subestimou-a. Trump revela-se uma arma muito mais poderosa. Como escreve
o New York Times em editorial, o
Presidente “afasta os aliados, cancela acordos, ignora tratados de comércio,
elogia os déspotas e aplaude os demagogos populistas”. Na Europa, é hoje o
principal aliado dos partidos anti-europeus, xenófobos e identitários. Continua
a diário americano: “Houve um tempo em que uma Europa unida politica, económica
e militarmente era uma prioridade estratégica dos EUA”. Durou 70 anos. Esse
tempo acabou?
Ainda parece haver em
Washington alguma resistência. Enquanto, na semana passada, Trump invectivava a
chanceler, dizendo que os alemães se tinham finalmente virado contra ela, James
Mattis recebia no Pentágono a sua homóloga alemã num ambiente cordial,
insistindo embora em que a Alemanha tinha de aumentar significativamente os
seus gastos com a defesa. Numa entrevista ao Wall
Street Journal, Mike Pompeo garantia que o seu Presidente estava
apenas a adaptar a política externa às condições do pós-Guerra Fria. Não vê a
constante tensão com Berlim como uma mudança “permanente”. Desde que a Alemanha
reduza o excedente e pague o que deve pela sua defesa. A questão
politica fica de fora. Trump apoia as forças europeias que são contra a UE,
contra os imigrantes e contra a globalização. Um pormenor.
4. É tudo isto que está à prova em
Bruxelas. Não é apenas uma cimeira com um conjunto de temas
difíceis ou “impossíveis”. Merkel precisa de um entendimento europeu que lhe
permita a sobrevivência do Governo. A Europa precisa de uma estratégia de longo
prazo para a questão da imigração, que vai durar muito tempo, enquanto o
Mediterrâneo for a fronteira entre os países mais desenvolvidos do mundo e os
mais pobres. O eixo franco-alemão tornou-se ainda mais indispensável para
combater a crescente fragmentação da Europa. O problema é que os “inimigos” já
estão dentro das muralhas.
Dois comentários
Joao Portugal 28.06.2018
Ao ler o texto vieram-me
à memória os óculos do Marcelo Caetano no pequeno écran, dirigindo-se a mim, a
mim mesmo, nas suas conversas em família como eu nunca tinha ouvido alguém, e
que bem falava! Que bem explicava! Quase chorava eu ao ouvir as ameaças à honra
das mulheres portugueses que insurrectos comunistas queriam praticar em Angola
ou na Guiné, o espírito do Albuquerque entrava em mim e só ansiava estar lá na
África, na Índia, na Ásia a defender Portugal e a Democracia.
Também o texto da Teresa
é inspirador, nos inspira a defender por todos os meios a Nato único garante de
defesa contra os comunistas e ortodoxos que querem atentar contra a honra das
mulheres europeias e a sua democracia. A Nato, que empurrou até às suas
fronteiras os “comunistas maléficos”, já cercados de mísseis e bombas atómicas
do Mar Branco ao Mar do Japão passando pelo Mar Negro, de vitória em vitória,
com golpes, com ocupações e golpadas nos parlamentos, com bombardeamentos
abrindo caminho à vitória dos jihadistas, no centro da Europa, na Líbia,
Afeganistão, Iraque, Síria, Iémen, etc etc onde houver um resquício de
comunismo ou socialismo, ou houver um resquício de petróleo ou riquezas
minerais, aí está a Nato a bombardear, invadir, enviar terroristas jihadistas,
nazis ou mafiosos.
Também o Marcelo
enquanto falava e se gabava do crescimento da economia em quase dois dígitos e
na segurança e democracia que o governo nos assegurava, não se apercebia (ou
recusava perceber) que o sistema estava a ruir e esboroar…. Também a Teresa
continua e insiste nesta lenga lenga de terror e do perigo de invasão de Leste,
dos comunistas ou dos russos tanto faz é tudo o mesmo para a lenga lenga surtir
o efeito desejado, lenga lenga que tem dado resultados claro já desde o tempo
do Salazar, e insiste a Teresa , ou por hábito, ou por convicção, ou por ser
isso que tem sempre feito … enquanto o sistema já está a ruir e esboroar … com
a “invasão” vinda afinal do Norte de África e Médio Oriente, onde a trupe
bombista da Nato tem destruído com guerras, bombardeamentos e invasões.
Não se mude a lenga
lenga e isto não tem mesmo retorno, não se diga a verdade, não sejam os líderes
verdadeiros líderes esclarecendo claramente e com verdade, e apontando soluções
alternativas... isto vai de mal a pior... depois talvez venha a Teresa
lamentar-se como o Marcelo "Em poucas décadas estaremos reduzidos à
indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridículo continuar
a falar de independência nacional. Para uma nação que estava a caminho de se
transformar numa Suíça, o golpe de Estado foi o princípio do fim. Resta o Sol,
o Turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crónica e a emigração em
massa."
28.06.2018
Não o fim do
Ocidente, mas um Ocidente mais autónomo e consciente dos seus valores e das
suas fronteiras. O que inclui a sua relação, algo doentia, com os EUA. Não
permeável a quereres e desejos provenientes do exterior, nomeadamente às vagas
de populações com valores e interesses contrários aos nossos e que se acham no
direito de aqui entrar, permanecer e impor os seus valores e culturas.
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