sexta-feira, 27 de julho de 2018

Será que o Acordo Ortográfico de 1990 foi “postergado”?



Mais dois artigos sobre o ensino, o primeiro, sobre as “Aprendizagens essenciais” nos Ensinos Básico e Secundário, que não discuto. O texto de Filipe Oliveira debruça-se essencialmente sobre a Matemática e terá as suas razões. Quanto às diversas disciplinas, eu julgo que as matérias até têm sido prolixas e bem orientadas, pelo menos os manuais do Básico que tenho lido me parecem bem feitos e exigentes. O que continuo a condenar é o método de ensino que exclui a memorização de dados primários essenciais, com repetições de estruturas linguísticas básicas em termos de escrita, para obstar à proliferação dos erros, ou a aprendizagem das tabuadas como ponto de partida para o entendimento matemático mais saudável, o que não obstaria à utilização posterior do computador. Mas o que de repente me despertou a atenção no texto de Filipe Oliveira foi que, escrevendo segundo o AO, todas as palavras do texto, segundo os princípios desse Acordo Ortográfico, apareceram sublinhadas a vermelho, ao contrário do texto de Manuel Alegre, e mesmo deste meu, que já não me sublinha a falta dos cc e C.ia, o que muito me alegrou. Se o AO já não é aplicável, fico feliz, mas estranho o facto de essa flexibilização – ou condenação definitiva do AO90? - ser feita com matreirice, e sem a frontalidade do reconhecimento do erro, que é, afinal, frutuoso – segundo teoria pedagógica destes tempos. Quanto ao texto de Manuel Alegre, sobre a continuidade do estudo de “OS MAIAS” no Secundário, ainda bem que ele ama a sua língua e os bons escritores portugueses, como bom cultor que é da sua língua escrita. O mesmo não direi do seu amor da pátria que ajudou a reduzir, com falsos argumentos libertários, que se prova bem hoje quanto eles contribuíram para os males actuais.
Mas, sim, acima de tudo, digamos com António FerreiraFloresça, fale, cante, ouça-se e viva a portuguesa língua e já onde for, senhora vá de si, soberba e altiva...” Respeitemos os nossos filhos e eduquemo-los nesse amor, não por altivez mas apenas por bom senso.
II - OPINIÃO
Aprendizagens essenciais: menos trabalho, mais ignorância /premium
PÚBLICO, 20/7/2018
É lamentável a falta de confiança que o Ministério demonstra para com professores e alunos ao reduzir desta forma drástica os conhecimentos a adquirir e as capacidades a desenvolver no Secundário.
O Ministério da Educação colocou recentemente à discussão pública os documentos Aprendizagens Essenciais (AE), relativos ao Ensino Básico e ao Ensino Secundário. Segundo o Ministério, as AE são «documentos de orientação curricular base na planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem».
Começo pelo menos importante, ainda que grave e sintomático. Apesar de pouco extensas, as AE de Matemática – documento oficial do Ministério da Educação – estão repletas  de erros de ortografia e de gralhas (ficamos por exemplo a saber, após leitura, que «os alunos devem resolver tarefas por forma a que sejam capazes de (…)», devem também «identificar acontecimentos impossível, certo, elementar,(…)», e «estudar da sucessão de termo geral(…)»), existem casos de dupla grafia e inúmeros sinais de pontuação em falta, incluindo pontos finais esquecidos ou duplicados.
Mas o mais grave, naturalmente, são as próprias “aprendizagens” tidas por “essenciais” para o futuro cidadão do século XXI. Tal como a redacção das AE deixa adivinhar, não houve qualquer cuidado na selecção dos temas estruturantes para uma formação robusta em Matemática. Os conteúdos são enumerados de forma vaga e aparentemente aleatória, com recurso a muitas repetições e a flagrantes copy-pastes. Por serem documentos sem fio condutor, há inúmeros esquecimentos, omissões e incongruências. Foram também eliminadas todas as referências concretas às aplicações da Matemática ao mundo real prescritas no programa. Que mais-valia poderão estas directivas trazer ao ensino? Afogados numa miríade de documentos oficiais que se excluem mutuamente (Programas e Metas Curriculares em vigor, Programas anteriores revogados, Perfil do Aluno, Aprendizagens Essenciais e Orientações Curriculares da DGE) como se espera que os professores possam preparar o próximo ano lectivo com tranquilidade e segurança? E como esperar que documentos tão superficiais como as AE possam constituir-se enquanto referenciais de avaliação? É de prever que venham a causar sérias perturbações: a recente polémica em torno do exame nacional de Matemática A veio justamente sublinhar a necessidade de objectivos curriculares claros e precisos, bem como a inadequação de se trabalhar com base em intersecções confusas entre referenciais distintos.
Quando se trabalham conteúdos de forma avulsa e não se respeita a natureza intrinsecamente cumulativa da Matemática, rapidamente se cai num ensino centrado em receituários de fórmulas e de procedimentos, isto é, na pior forma de ensinar. É exactamente isso que as AE preconizam. Após tantos sucessos e tantas provas dadas, é lamentável a falta de confiança que o Ministério demonstra para com professores e alunos ao reduzir desta forma drástica os conhecimentos a adquirir e as capacidades a desenvolver ao longo do Ensino Secundário, ciclo em que as simplificações e omissões das AE atingem o seu paroxismo. Na verdade, nunca se pediu tão pouco à Escola, nem de forma tão desastrada.
Não era este o rumo que se preconizava para o nosso sistema de ensino. Nos anos recentes formou-se um amplo consenso em torno da necessidade de currículos claros, objectivos e que definam com rigor aquilo que os alunos devem saber em cada etapa da sua formação. Um dos primeiros passos nesse sentido foi dado por Isabel Alçada, ministra da Educação de 2009 a 2011, com a primeira elaboração de Metas de Aprendizagem. O processo foi subsequentemente reforçado e reestruturado, com a elaboração de Metas Curriculares mais precisas e completas durante o mandato de Nuno Crato.
Esta estratégia, acompanhada de uma avaliação séria e responsável, deu bons resultados. Dados recentes da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), referentes ao ano letivo 2016/2017, confirmam a descida sustentada das taxas de retenção e de abandono escolar que se tem vindo a verificar nos últimos anos. Essas taxas encontram-se actualmente em mínimos históricos. Também, um outro estudo recente da DGEEC, que compara as classificações internas nos anos lectivos 2012/2013 e 2015/2016, dá conta, na disciplina de Matemática A-10.º ano, de «uma deslocação sistemática no sentido das melhores classificações, com a consequente melhoria das respectivas médias.» Na verdade, dados oficiais do Ministério mostram um aumento «estatisticamente significativo» do sucesso escolar dos alunos do 10.º ano após a introdução do novo Programa e Metas Curriculares de Matemática em cada um dos três períodos que compõem o ano lectivo. Note-se finalmente que os alunos sujeitos a este novo programa do Secundário foram já avaliados pelo Exame Nacional de Matemática A de 2018. Mostraram-se extremamente resilientes face a uma prova consensualmente reconhecida como complexa, extensa e com uma estrutura muito penalizadora para os alunos. A realidade desmente categoricamente o «aumento brutal do insucesso» profetizado por algumas instituições, que advogavam também estarem criadas, com os novos programas, «as condições para piorar em grande linha os resultados dos alunos portugueses» nas avaliações internacionais de 2015. Na verdade, Portugal obteve no PISA 2015 o melhor resultado de sempre, situando-se pela primeira vez acima da média da OCDE. Também no TIMSS 2015 houve uma melhoria de resultados, ainda mais acentuada relativamente a 2011, tendo sido avaliados alunos do 4.º ano que seguiram o novo programa nos 3.º e 4.º anos de escolaridade – recomendado já no 2.º ano – e que foram submetidos a uma prova final do 1.º Ciclo de acordo com as Metas Curriculares.
À revelia de todos estes factos, e ao invés de criar uma comissão de acompanhamento que auxiliasse os professores a ultrapassar as naturais dificuldades que sentem na implementação de um programa novo (tal como está previsto na lei e foi praticado aquando de todas as alterações curriculares do passado), o Ministério decidiu deixar alunos e professores ao abandono durante três anos  e regressar agora ao obscurantismo curricular através desta e de outras iniciativas legislativas de natureza dita “reversiva”, que têm vindo a minar sistematicamente tudo o que o país conquistou de positivo na área da Educação nos últimos 20 anos.
Felizmente, o país conta com excelentes professores de Matemática. Sabem que as Aprendizagens Essenciais são inutilizáveis enquanto instrumentos de organização do Ensino. Como sempre, não deixarão de planificar o próximo ano lectivo tendo o melhor interesse dos alunos como principal prioridade. Por seu lado, a Sociedade Portuguesa de Matemática não se poupará a esforços para combater esta verdadeira obliteração intelectual que se prepara para os jovens que em Setembro iniciarão o seu percurso no Ensino Secundário.
Coordenador do Programa e Metas Curriculares de Matemática e Professor no ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.
II- O saneamento de Os Maias
Desiste-se da Escola Pública. Mas também do SNS, cada vez mais descaracterizado e reduzido a um serviço caritativo para pobres enquanto florescem as mil flores dos hospitais privados para quem pode pagar.
MANUEL ALEGRE
PÚBLICO, 26 de Julho de 2018
Depois de ler o artigo de Carlos Reis sobre o “saneamento” de Os Maias, pergunto-me se Portugal não estará a desistir de si mesmo, da sua literatura, da sua língua, da sua Escola Pública?
Os mais pobres, aqueles cujos pais não têm biblioteca em casa, não vão ler Eça de Queiroz, nem Garrett, nem Camilo, nem, pelos vistos, Cesário Verde. Fica para os colégios privados, a quem parece estar a deixar-se a preparação das futuras elites. À Escola Pública restará a leitura rápida de textos fáceis e curtos, ao contrário de uma cultura de exigência sem a qual jamais poderá cumprir o seu papel de ser um factor de igualdade de oportunidade para todos. Mas, enfim, Os Maias, como as Viagens na Minha Terra e o Amor de Perdição colidem com o facilitismo, não há espaço nem tempo, não cabem num SMS.
Desiste-se da Escola Pública. Mas também do SNS, cada vez mais descaracterizado e reduzido a um serviço caritativo para pobres enquanto florescem as mil flores dos hospitais privados para quem pode pagar. Como é que não se consegue travar a drenagem do SNS para o privado? Como é que se deixa degradar a TAP e os CTT a um ponto nunca visto? E como é que sectores estratégicos da economia continuam em mãos de empresas chinesas que são, como se sabe, instrumentos de um Estado que não é o nosso?
Vão com certeza chamar-me soberanista e um dia destes ainda vou ter de pedir desculpa por ser português, gostar do meu país, da sua língua (apesar do acordo ortográfico), dos seus Os Lusíadas e daqueles navegadores que segundo disse Amílcar Cabral, numa entrevista que lhe fiz para a Voz da Liberdade, “deram de facto novos mundos ao mundo e aproximaram povos e continentes”? Sim, eu sei que há limites para o voluntarismo e para uma “intervenção consciente num processo histórico inconsciente”. Mas também sei que foram a abdicação, o conformismo e o politicamente correcto que abriram caminho à vitória de Trump e de todos os populismos que estão a pôr em causa o que parecia definitivamente adquirido. Vejo a pavonearem-se por aí, em várias alas direitas, ex-esquerdistas que, no Verão Quente de 75, queriam substituir Camões pelos textos de dirigentes dos movimentos de libertação africanos.
Alguns de nós, que tínhamos estado presos e exilados por nos opormos à guerra e ao colonialismo, não nos calámos nem deixámos sanear Camões. Também hoje não sou capaz de me resignar perante esse atentado à cultura e à Escola Pública resultante da abdicação do Ministério da Educação que remete para as escolas a decisão de eventualmente passar Eça de Queiroz à clandestinidade.
ao Presidente da República cabe o cumprimento da Constituição no que respeita à defesa da língua e da Escola Pública. Gostava de saber o que pensam da retirada de Os Maias da “lista de obras e textos para a Educação Literária” no 11.º ano. Sei que há muitos números e contas a fazer até à aprovação do Orçamento de Estado. Mas gostem ou não, nada é tão prioritário como Eça de Queiroz e Os Maias.   
  


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