quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Leituras

Li hoje uma fábula certeira,
No tempo de La Fontaine,
Sobre o mal que os penachos imponentes
Podiam causar nas cabeças valentes
Dos reis, duques ou generais,
Por tornarem as cabeças grandemente salientes,
Em caso de quererem escapar
De uma guerra que estariam a perder,
Por os movimentos lhes tolher.

Hoje não seria mais verdadeira:
Já não há guerras em campo aberto.
As guerras são todas à traição,
Quer venham pelo ar, pelo tiro do canhão,
Pelo ataque de suicidária explosão.
Não têm gabarito nem penacho
E o próprio povo também é imolado
Sem nenhuma consideração
Nem justificação.

Mas o penacho continua a ser usado,
É certo,
Em ocasiões especiais
Em que o que conta é o tacho
E o cambalacho.
E o povo fica sempre a perder
Contrariamente ao que La Fontaine diz
Na sua argumentação feliz
De fabulista genial,
Sem rival.

Vejamos então
A fábula
“O Combate dos Ratos e das Doninhas”
Com perdão pela, provavelmente,
Deficiente tradução:

«A nação das Doninhas
Tal como a dos Gatos
Não quer bem nenhum aos Ratos;
E sem as portas estreitas
Das suas habitações
Malfeitas
A Doninha,
Animal de longa espinha,
Faria, bem imagino,
Grandes destruições
Na Rataria.
Ora, num certo ano,
Em que havia Ratos em profusão,
O seu Rei, chamado Ratapão
Pôs os seus exércitos em campanha
Com grande sanha.
As Doninhas, por seu turno,
Desfraldaram o seu estandarte
Com muita arte.
A acreditar na fama,
A vitória da batalha
Balançou.
Mais do que um campo engordou
Com sangue de parte a parte.
Mas a perda maior tombou
Sobre o povo dos Ratos inquietos.
A derrota foi inteira
Por muito que tivessem lutado
Artarpax, Psicarpax
Méridarpax
(E aqui lembro, em aparte
pessoal, que os autores do “Astérix"
- Uderzo e Goscinny, reputados -
se devem ter inspirado
nestes nomes por La Fontaine criados,
ao criarem o Obélix
e o Panoramix
e o próprio Ideiafix,
para além do chefe gaulês
Abracourcix
mais o bardo
por todos repudiado
Assurancetourix
pobre coitado enjeitado,
os quais deram tanto brado.
Aparte acabado,
Retomo a fábula, com perdão
Pela interrupção):

Cobertos de poeira, os tais generais já citados
Longo tempo sustiveram
Os combatentes esforçados.
A resistência foi vã;
Foi preciso ceder à sorte:
Cada um fugiu ao mais forte,
Fosse ele soldado ou capitão
Ou sequer ladrão.
Os príncipes todos morreram.
A ralé, achando a derrota eminente,
Fugiu sem grande espavento,
Cada qual para o seu buraco.
Mas cada um dos seus chefes
Tendo na cabeça um penacho,
Cornos ou uma coroa brilhantes,
Fossem como marcas de honra
Ou para meter mais medo às doninhas
Mau grado as suas longas espinhas,
Ficaram mais que tramados:
Completamente destroçados.
Que os buracos, fendas ou rachas
Não foram suficientemente
Largas para eles e os seus penachos,
Ao contrário da população
Que entrava facilmente
Nos mais pequenos buracos
Por terem as cabeças sem os penachos
Fatais.
A principal mortandade
Foi, incondicionalmente,
Nos Ratos principais.

Uma cabeça empenachada
Não é pequeno embaraço.
Uma equipagem soberba
Pode, por vezes, num passo,
Causar atraso irreparável
Nada amável
Para o homem sensível.
Em todas as questões os pequenos
Safam-se mais facilmente
Do que aos grandes é possível»

Lembrei-me de traduzir
Esta fábula de uma guerra,
Porque nós estamos em guerra
- De opiniões, de questões -
Que provém principalmente
De falta de provisões.
Mas, cá entre nós,
Contra o que diz o poeta,
Na sua guerra de fábula,
Na nossa constante rábula
Quem se lixa são os vilões.
Embora com excepções.

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