terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A amargura de uma pública figura

La Fontaine tem uma fábula
- “A Perdiz e os Galos” -
Que nos mostra uma perdiz
Obrigada a viver com eles,
Que às vezes a maltratavam
Tal como entre si faziam,
Frequentemente,
Às vezes zaragateando
E disputando,
Brutos que eram, em jeito de desrespeito,
Sempre a inflamar-se
E a magoar-se
Pela mais pequena razão
Da sua quase sempre sem-razão.
Culpou, então,
O dono da quinta que a prendeu
Na rede e a colocou
Na mesma capoeira onde lançou
Os galos de sangue quente.
E assim se resignou.
Vejamos a tradução:

«Entre alguns Galos incivis,
Turbulentos, pouco galantes,
Sempre em disputas impertinentes
Era alimentada uma Perdiz.
O seu sexo e a hospitalidade
De parte destes Galos, dados ao amor,
Faziam-na esperar, com ingenuidade,
Muita honestidade
E um tratamento de classe superior.
Este povo, todavia,
Muitas vezes em fúria,
Com respeito menor
Pela dama estrangeira,
Dava-lhe horríveis bicadas
Com rancor.
Ela sentiu-se perturbada
Mas logo que viu a tropa enraivecida
Em duelos de crista erguida
Batendo-se e ferindo-se ferozmente,
Consolou-se: “São os seus costumes,
Disse ela, não os acusemos
Antes lamentemos estas gentes.
Júpiter sob um único modelo
Não formou as mentes:
Há naturais de galos descontentes
E naturais de perdizes mais felizes.
Enfim, se dependesse de mim,
Eu a minha vida passaria
Em mais honesta companhia.
O dono destes sítios doutra forma ordenou.
Com redes me apanhou,
Meteu-me entre os galos, as asas me cortou.
Só desse homem me posso queixar
Para lamentar o meu viver.»


Isto pensou a Perdiz resignada
Por ser bem educada.
Mas em Portugal
Há quem não aceite tanto mal
E logo que possa
Pisga-se para longe da ofensa
De viver diariamente
Com gente
Pouco cerimoniosa
Como faria
À cautela,
O Damasozinho Salcede
Que para Paris se pilharia
Em caso de guerra.
O nosso Dâmaso actual
- Só no caso da fuga, embora -
Em todo o caso,
Fá-lo, di-lo, com amargura,
Por deixar o seu País em má postura,
- E não por cobardia.
Mas sabe bem que lá fora
A sua vida melhora,
Embora cá dentro a sua vida não seja
Totalmente insegura:
Bom vencimento, bom alimento,
Qualquer bicada da gente inclemente,
"Que o que tem é inveja",
- Pensa radiante -
Lhe é indiferente.
Mas cinicamente
Fala em amargura.

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