domingo, 7 de fevereiro de 2010

Histórias de um fabulário não imaginário

Um ministro chamado Mendonça
Nem sequer amigo da onça
Por ser ministro altamente cotado
Nas públicas obras a seu mandado
Do seu país sonhadoramente governado
Por quem o quer ver transformado
Não em “jardim da Europa à beira-mar plantado
Que isso já era antigamente,
Mas em praias de Madrid para o surf valente
E mais desportos náuticos de muito sabor -
Tudo isso para poder implantar
O TGV que o vai ligar
A Madrid no tempo do calor,
Mas nunca à Europa, não senhor,
Que o TGV parou aí
Em Madrid e nunca ali,
Na fronteira europeia
Nem sequer em Handaia
Que confina com a espanhola raia.
Pois para melhor convencer
Os portugueses obtusos
De que indústrias haveria
Que o TGV trucidaria
- Mas nunca, note-se, a dos parafusos -
Comparou os fardos de palha
Como “indústria do século XIX”,
Dos “industriais da palha” dessa altura,
Com os industriais de qualquer coisa agora
- Excepto, repito, os dos parafusos -
Os quais industriais actuais poderão vir a perder
No caso do TGV prevalecer.
Outrora, foram as carroças e os cavalos que ficaram
À margem dos comboios que causaram
Tanta dor aos homens da palha que perderam
A sua “indústria-mor” e protestaram,
Mas acabaram por se convencer.
Porque o progresso soberano,
Que tem sempre algo de desumano,
Mandou a palha substituir
Pelo carvão a arder
Dos combóios, dos quais o primeiro
Foi o de Lisboa ao Carregado,
Se não me engano,
Então,
Por alturas da Regeneração.
Achei graça à comparação
Do nosso ministro não da onça
Mas Mendonça,
Que por qualquer intuito irónico
Segundo ele bastante cómico,
Lembrou os “industriais da palha”
- Portanto da palha “fabricantes” importantes -
Tristes e lesados com os combóios de então,
Para amortizar a tristeza dos industriais actuais
Por causa da implantação
Do TGV imposto
Pelo ministro bem disposto
Desejoso de alargar
O domínio da palha a todo o povo.
Só não sei se a palha industrial
Que o ministro nos atira em maligna asneira
Não virá a ser, afinal,
A breve trecho coisa verdadeira
E teremos, na balança comercial,
De novo fardos de palha em profusão
Para alimentar já não cavalos
Que faltarão,
Mas animais menos nobres que os fardos comerão
Nos transportes futuros deste povo
Cada vez mais empenhado e reduzido
Num horizonte financeiro destruído.
E talvez – quem sabe? – a ter ele próprio que a comer
Como o ministro parece sugerir,
Ele e os outros pondo-se, antes, a cavar,
Com o TGV interrompido.
E lá vai o litoral lisboeta ao ar
Para o surf e a natação
Do madrileno no verão.
Mas talvez não.

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