Um texto de Maria João
Avillez, de evocação do PPD-PSD, o que ele representou num país repentinamente
ornamentado por “cravos”, que o tempo faria murchar na aridez das secas ou no
lodaçal das intempéries, todavia recuperados em cada ano, nas botoeiras dos
cidadãos conformes, e sobretudo dos governantes de todos os partidos, alinhados
mansamente no simbolismo da flor revolucionária - em oposição, contudo, entre
si, com ideologia ou sem ela, em luta pertinaz pelo “tacho”, segundo o conceito
do povo inculto mas desconfiado. Maria João Avillez recorda os seus preferidos
e, a medo, contudo, defende um Santana mais à direita, contra um Rio mais à
esquerda, exprobando a inércia de tantos que poderiam seguir melhor as
directivas do homem sério que foi Passos Coelho, vencedor e suplantado pelo
vencido sem escrúpulos.
Um texto dorido, o de Maria
João Avillez, por isso lhe acrescento o de Nuno Crato, que anota os
erros científicos de um filme, constituindo uma lição sobre vários temas, com a
simplicidade esclarecedora e eficiente que lhe é habitual. Aproveitando,
naturalmente, para fazer sentir quanto a posição política do filme é,
naturalmente retrógrada e ridícula: “É o equivalente a um grupo de
guerrilheiros fechados sobre si próprios, sem democracia, com muita
espontaneidade, mas com uma liderança hereditária ou herdada…..”
Uma leitura amena, de um texto
rico de lógica científica, repousante, após o texto justamente preocupado e
preocupante de Maria João Avillez.
O PSD
OBSERVADOR, 9/1/2018
Quem como eu testemunhou “in loco” o melhor do país sentado no
hemiciclo de S. Bento em 1975 não pode deixar de tropeçar hoje numa abissal
diferença de almas e procedimentos.
1. Conforme me teria competido e manda a
deontologia de quem leva este escrevinhar a sério, não havia meio de me
interessar. De abrir uma televisão, alinhavar duas ideias, ter uma opinião. Nem
ao menos ligar para o telefone certo e informar-me de uma vez por todas sobre
como ia a actual corrida à liderança no PSD.
Havia um alheamento, um
misto de preguiça e descrença que uma quadra de festas mais agreste que
natalícia não chegavam para explicar.
E no entanto… tratava-se
do PSD, o partido de quem sempre estive próxima, fossem altas ou baixas as
marés. O partido mais transversal da sociedade portuguesa, que mais reformou o
país, que mais maiorias políticas absolutas conquistou sozinho para o seu
eleitorado e onde nunca precisei de me filiar (filiação só no Benfica) para o
eleger como morada política. Rendendo-me (tardiamente, hélas) a Sá Carneiro,
homem de alma mas hoje deixaram de se fabricar; percebendo logo em 1985 que
Cavaco viera para ficar; testemunhando de perto a saga de Passos Coelho a
contas com um país esburacado mas, afinal, contas tão bem feitas que o
conduziram a uma segunda vitória eleitoral.
2. Há mais de 40 anos que o PSD é acusado de não ter
uma matriz ideológica clara, definida, uma etiqueta de identidade, como as das
malas. Mas como tê-la se o partido começou por ser uma resposta ao país e volto
a reutilizar aqui esta expressão: o PSD, em Maio de 1974, foi a resposta dos
“homens bons da terra”. Existia por essa altura em Portugal um corpo
intermédio da sociedade que começara a ganhar consciência cívica e política com
a Ala Liberal, a Sedes, a JOC e a JUC, encontrando diversos espaços de
intervenção. Não se revia numa solução marxista ou qualquer projecto que
tivesse como fim o comunismo ou o socialismo. Sim, já aqui o escrevi mas
repito-o hoje, nunca é demais lembrar como este parto político foi singular, de
longe o mais singular da democracia portuguesa. O PPD eram profissionais
liberais, médicos, advogados, mas também pequenos proprietários, pequenos
comerciantes, uma malha forte de gente que tinha já uma independência material
ou profissional, em suma. O partido começou por isto e por se implantar assim,
nacionalmente, primeiro no norte, depois país fora, e só falo do que vi. E
quando procedeu á sua própria exteriorização, ela ocorreu ao contrário: não como
nos outros partidos que iam nascendo de dentro para fora, mas de fora para
dentro e sem uma ideologia pré-existente. Era como que uma impressão digital
doutrinária originada pelo cruzamento do que fora o pensamento da Sedes, do que
era a doutrina social da Igreja, do que significara a Ala Liberal e não é senão
esta mescla que melhor traduzia o pensamento político dos primeiros homens do
PSD.
E depois, claro, havia Francisco
Sá Carneiro. Ou havia sobretudo Sá Carneiro que interpretou o que de melhor
havia no país, amalgamando energias e vontades — também me lembro disso — ao
mesmo tempo que tecia o que hoje poderíamos apelidar de social-democracia
portuguesa, na altura muito marcada pelo humanismo, o personalismo, pelo
primado da pessoa. É certo que ainda hoje, quatro décadas e muitas vitórias
depois, tudo “isto” é acusado de ser pouco, pobre ou nada, falta a etiqueta.
Mas “isto” não é senão o resumo daquilo que era o genuíno pulsar deste
vastísssimo quadro de gente que elegeu as cores alaranjadas do partido e se
acolhia naquele porto de abrigo político. Os cânones da ideologia
eram-lhes relativamente indiferentes.
3. E hoje? Hoje, duas coisas: houve uma brutal
deterioração da classe política, que não é de agora mas vem tombando em plano
inclinado, um “deslaçamento” e sabe Deus como não alinho na permanente
desclassificação dos políticos. Quem como eu testemunhou “in loco” o melhor do
país sentado com empenho e brio no hemiciclo de S. Bento em 1975 não pode
deixar de tropeçar numa abissal diferença de almas e procedimentos. Além disto,
que é imenso, a volatilidade — do tempo, das coisas, da política – é sulfúrica.
Políticos e partidos surgem mas também se somem. Grandes formações partidárias
já se sumiram dos mapas políticos europeus (quem sabe até das nossas aflitas
memórias). E outros, vindos do breu do desconhecimento, conquistam países e
poder. Não será exactamente o caso de Macron, que fora ministro de Hollande,
tinha sólida formação económica e currículo intelectual, mas o seu feito é
apesar de tudo extraordinário: em menos de um ano ergueu um movimento do vazio
absoluto o qual, como num passeio sem arestas nem escolhos, o levou directo ao
Eliseu. Ambos – o movimento e ele — tornaram-se donos da França e apreciariam
ser donos de mais.
Não sei o que ocorrerá
no PSD, ninguém arrisca um vaticínio nem sequer sobre quem ganha ou perde daqui
a dias. O PSD é forte de mais para desaparecer, mas outros partidos também
ditos “indispensáveis” à própria respiração política dos seus respectivos
países estão hoje no cemitério.
Pequena nota a propósito
mas não dispiscienda: se já repararam como Marcelo “bebe” Macron, se inspira em
Macron e gostaria de ser “um” Macron — e isto faz algum sentido — podemos
comprar já um bilhete na primeira fila.
4. Isto dito, faço parte de um grupo, não sei se
grande se pequeno, que teria gostado de ver a geração dos 40 anos saltar
para a cabeça do PSD. Constato, porém, que de cada vez que alguém propõe — ou
defende — o mesmo, logo o coro dos Velhos do Restelo começa a cantar: “Jovem?
Quem, se não há ninguém? “
Nunca há ninguém até haver
alguém, mas a permanente reedição desta (desculpabilizante) dúvida atirada como
uma certeza tolhe escolhas, inquina a política, atrapalha o futuro. De facto
nenhum quarentão recomendável — e há uma boa meia dúzia deles — se chegou à
frente. Estão à espera? Se estão, ao menos que saibam que se cada um não cria
as suas próprias circunstâncias e se bate por elas, não há política para
ninguém e, no caso, olhem para Santana ou Rio que em tempo as criaram. Não tenho
por onde excluir que não possa haver boas iniciativas na próxima liderança do
PSD (e admiro sempre quem se desinstala ao ponto de galopar uma campanha
eleitoral, entalado entre a temível — e ambígua — oligarquia que lá sobrevive e
um aparelho que apesar de porventura menos mau que a oligarquia deveria trocar
a sua manifesta fome de lugares pelo apetite de servir a política e através
dela, o país).
O que sei é que o momento
talvez pedisse um voo de águia de outra geração mas, garantem-me – surpresa –
que boa parte dela se transferiu para a campanha de Santana Lopes. Com a
independência de quem tem uma vida bem sucedida fora da política activa; o
mérito pessoal e a utilidade de um bom currÍculo na investigação, empreendedorismo,
ciência, Universidade, profissões liberais, start-ups ou autarcas com
lideranças já notadas e bem cotadas. Será assim? Se for, a livre escolha agora
feita por estes trintões ou quarentões não deixa de ser um sinal. Ter a
qualidade no topo da escala das prioridades na prática da cidadania não pode
obviamente deixar de contaminar a actividade política se esse vier depois a ser
o caminho.
5. Tem-se ouvido reclamar das “trapalhadas” de
Santana. É natural: primeiro porque existiram e não há tanto tempo; segundo
porque a esquerda prefere-lhe Rui Rio e ela lá sabe com o que conta.
Acrescento, porém, uma nota não anódina sobre trapalhadas, casos, chatices: são
sempre alvo de acusação, publicitação e ampliação se a sua autoria couber à
direita. Exagero? Então que dizer das trapalhadas de Sócrates e das de Costa
(não vale a pena enumerá-las, pois não?)
PS: Pode discordar-se,
concordar-se, aplaudir-se ou vituperar o verbo e a atitude de José António
Saraiva (com quem durante anos trabalhei no Expresso e conheço bem). Já com o
inconcebível arrazoado de uma organização chamada CIG que me pareceu assaz
desorganizada mentalmente dado o lamentável currículo público já exibido, só se
pode discordar. O desequilíbrio entre uma “actuação” e outra não me parece de
somenos (mas é para o que os tempos estão).
2º texto: PASSEIO
ALEATÓRIO
Star Wars: dos erros científicos ao esquerdismo retrógrado
OBSERVADOR, 9/1/2018,
Arthur C. Clarke, Isaac
Asimov e outros criadores de ficções imaginativas e inteligentes mostraram-nos
que se pode ser criativo sem maltratar a racionalidade científica, o que não
sucede em Star Wars.
Numa tarde em que nada de
importante tínhamos para fazer, meu pai convidou-me para ver o primeiro
episódio de Star Wars. Estávamos em 1977 e os efeitos especiais
maravilharam-nos, tal como maravilharam gerações de espectadores. Mas já na
altura tive reacções contraditórias: era um filme divertido e espectacular, mas
a história parecia-me pobre. Depois, como muitos milhões pelo mundo inteiro,
cedi à imaginação e ao humor de George Lucas e dos seus seguidores.
Nos anos seguintes,
continuei a ver os diversos episódios da saga. No Natal, aproveitando os tempos
livres e a disponibilidade dos meus filhos, regressamos frequentemente ao
grande écran para ver Luke Skywalker e a Princesa Leia. Assim aconteceu agora
com Os Últimos Jedi. Nesta última película, contudo, a imaginação é
mais fraca, o humor mais pobre e as personagens menos interessantes. Por tudo
isso, as limitações do filme saltam para primeiro plano.
Os erros científicos
repetem-se, e são tão frequentes que se torna difícil esquecê-los. O
erro mais repetido é o de se ouvirem sons no espaço vazio. Ora os sons são
vibrações que se propagam num meio material: ar, água, terra ou outros; nada se
pode ouvir no espaço vazio.
Outro erro é o de se
mostrarem naves atacadas explodirem no espaço. Na realidade, sem um meio com
oxigénio não é possível uma explosão com labaredas que se espalham e perduram
enquanto a nave é destruída.
Após a destruição, as
naves caem parabolicamente. Mas caem como, se não se manifesta força
gravitacional? Deveriam seguir o seu movimento inercial, quanto muito
desviando-se ligeiramente pelo impacto dos projécteis.
É também estranho que,
num planeta, se veja de noite uma lua junto ao horizonte com o limbo iluminado
do lado superior. Onde estaria a estrela desse sistema solar? Passando a noite
acima do horizonte? De dia, já agora, estaria abaixo do horizonte?
Tal como é estranho que se
fale de parsecs como se se tratasse de uma unidade de tempo. Na
realidade, um parsec é uma unidade de comprimento utilizada em
astronomia para distâncias elevadas. Um parsec equivale a
cerca de 3,26 anos luz, ou 206 mil vezes a distância média da Terra ao Sol, a
chamada unidade astronómica. Tecnicamente, é a distância que gera uma
paralax de um segundo de arco, ou seja, a distância a que se encontra uma
estrela que parece deslocar-se contra o fundo celeste de um arco de segundo
quando o nosso planeta se desloca uma unidade astronómica, perpendicularmente à
direcção da estrela. Não tem pois nada que ver com tempo.
Eu sei, eu sei… Eu sei
que tudo seria menos emocionante se não se ouvisse o zumbido das naves, se as
fortalezas voadoras não explodissem, se a lua fosse igual à nossa e se o tempo
fosse medido em horas. Mas Arthur C. Clarke, Isaac Asimov e outros criadores de
ficções imaginativas e inteligentes mostraram-nos que se pode ser criativo sem
maltratar a racionalidade científica. O mesmo acontece em trechos anteriores de
Star Wars. Não é o caso neste episódio.
Talvez ainda mais
paradoxal seja a sociedade que o filme retrata. Estamos a lidar com uma
civilização muito avançada, que domina as viagens galáticas pelo “hiperespaço”
(o que quer que isso seja!), que tem armas capazes de envergonhar as bombas
atómicas, que utiliza sistemas de comunicação instantâneos, que tem naves
capazes de atingir a velocidade da luz (o que é impossível de acordo com a
teoria da relatividade). Mas essa civilização avançada é, ao
mesmo tempo, incrivelmente retrógrada. A resistência popular (esquerdista?) é
dirigida por uma princesa, o império por um lorde. Têm crenças animistas e os
talismãs mostram um poder real. Há uma seita de eremitas que preserva livros
sagrados numa única cópia impressa e que pratica o bem por telepatia.
A resistência tem razão
porque tem razão. Estão do lado certo porque estão. O que fazem é a favor do
bem, mas não se vêem populações do seu lado. É o equivalente a um grupo de
guerrilheiros fechados sobre si próprios, sem democracia, com muita
espontaneidade, mas com uma liderança hereditária ou herdada.
O império chama-lhes
também “resistência”, o que é estranho. Um poder não se refere nesses termos
aos seus adversários. Chamar-lhes-ia “terroristas”, “bandidos”, o
que fosse. Mas aqui parece que há um entendimento entre as duas partes, de
forma que o mal se reconhece a si próprio como mal e o bem como bem.
Como este nosso planeta
seria mais simples se isso aqui acontecesse! Mas por esta galáxia os textos
sagrados já se encontram na internet e a realidade ultrapassa a ficção.
* * *
PS: A
fabulosa música que John Williams compôs para Star Wars foi o tema final do
concerto de ano novo que a jovem Orquestra Filarmónica Portuguesa ofereceu, sob
a direcção do maestro Osvaldo Ferreira e a apresentação culta e simpática de
Mário Augusto. Nas suas palavras finais, o maestro enalteceu o espírito empreendedor
da orquestra e afirmou, orgulhoso, que ela depende do público e não de
subsídios. Elogiou ainda as escolas profissionais, pelo seu papel na formação
inicial de jovens músicos. Foi um bom começo de ano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário