domingo, 14 de janeiro de 2018

Pontos de vista


De João Miguel Tavares, contestando uma opinião de José Pacheco Pereira, enfadado com uma comunicação social limitada a casos pontuais ou acidentais provocadores de controvérsia, limitativa da acção do governo; de José Milhazes esclarecendo sobre umas eleições russas com a especificidade dos truques para Putin continuar no governo, este último texto vindo a dar razão a Miguel de Sousa Tavares, ao alargar os domínios temáticos jornalísticos orientadores de opinião a outros domínios sociais ou políticos. O próprio J.M.T. é exemplo de pessoa que pesquisa e nos informa com o seu arrojo e trabalho jornalístico. Julgo que os considerandos de P. Pereira resultam da posição superior em que ele se coloca, de letrado apenas, que brilha e contesta, mas não se arrisca a assumir uma posição de construtor num governo, podendo revelar fragilidades que lhe desmanchariam o carisma. A opinião pública, limitada que seja, está sempre à coca - quer para destruir, quer para abençoar.
I- OPINIÃO        O jornalismo está melhor – e isso é óptimo
JOÃO MIGUEL TAVARES                   PÚBLICO, 2 de Janeiro de 2018
Eu tenho a minha quota parte de textos profundamente desiludidos com o estado da comunicação social portuguesa. A desgraça de 2005-2011 é culpa dos políticos, em primeiro lugar, mas também da comunicação social e do sistema de justiça, que se portaram miseravelmente ao longo de toda a primeira década do século XXI. Com ilustres excepções, foram demasiadas vezes moles, mornos e cobardes. Não desempenharam o seu papel. Prejudicaram o país. Estranhamente, em 2017, apesar de todas as dificuldades económicas e do estado preocupante dos grandes grupos de media, senti, pela primeira vez em muito tempo, que alguma coisa de significativo aconteceu. A maior parte dos jornais e das televisões começaram a fazer jornalismo com mais acutilância e sentido de dever. E obrigaram o poder político a dar resposta às suas notícias e às suas investigações.
Foi, por isso, com grande espanto que li, no último texto de Pacheco Pereira, homem sempre atento à comunicação social, uma crítica ao governo de António Costa e ao PS por se ter deixado desgastar em 2017 “ao aceitar haver algum mérito em questões casuísticas e anedóticas, mas mediáticas, que a oposição usa bem”. Pacheco Pereira não esclarece exactamente que “questões casuísticas e anedóticas” são essas, mas aproveita o embalo para dar o costumeiro pontapé nas canelas dos media: “A questão é que à falta de questões de fundo e com uma comunicação social muito limitada ao ‘caso’ da semana, explorado ad nauseam, seja ou não importante, o Governo desgasta-se ao actuar ao ritmo dos jornais e televisões, ou, ainda pior, das chamadas ‘redes sociais’.”
Esta frase incomoda-me porque ela facilmente se confunde com a conversa do terrível jornalismo populista (que nunca foi o principal problema do jornalismo português) e das maldosas redes sociais, que também têm, como qualquer ferramenta, para além dos abusos que todos conhecemos, inúmeras vantagens que os apocalípticos preferem não ver. Dos incêndios de Verão ao roubo de Tancos, passando por casos mais pequenos, mas muito significativos, como o da Raríssimas, aquilo que assistimos em 2017 foi aos jornalistas a fazerem o seu trabalho, impedindo em cada um desses casos, e em muitos outros, o Governo de assobiar para o ar. A proliferação do fact-checking; as explicações de temas complexos, seja a confusão na Catalunha ou o funcionamento do Montepio Geral; a não-limitação de espaço do jornalismo online, que permite aprofundar os assuntos; a amplificação dos casos nas redes sociais de uma forma positiva, ou seja, gerando uma justa indignação pública em casos que são efectivamente indignos (como ainda agora se viu com o financiamento partidário); tudo isto tem feito bem ao país e à qualidade da nossa democracia.
Tenho dificuldade em perceber o que quer Pacheco Pereira dizer com o seu lamento de um governo a “actuar ao ritmo dos jornais e televisões”, porque a maior parte das vezes esse ritmo de actuação significa apenas ter de responder publicamente às questões que são levantadas pelos media no exercício do seu escrutínio – e esse, de facto, é o dever tanto dos media como do poder político. O jornalismo português não se tornou de repente o melhor do mundo. Mas parece-me, com todas as suas limitações, que respira mais liberdade, tem maior consciência do seu dever e o público responde em conformidade: sempre que há bom jornalismo, há leitores e espectadores para ele. Que assim continue são os meus sinceros votos para 2018.

II- VLADIMIR PUTIN:        Guerra fria nas eleições presidenciais na Rússia
JOSÉ MILHAZES                           OBSERVADOR, 12/1/2018
Mas o pior está para vir. Há algum tempo atrás, a Rússia foi colocada, ao lado do Irão e da Coreia do Norte, como ameaça aos Estados Unidos. Em Fevereiro, espera-se uma nova onda de sanções.
A campanha eleitoral para as presidenciais na Rússia não promete levantar dúvidas quanto ao candidato vencedor, mas pode transformar-se em mais um campo de batalha entre Washington e Moscovo. Os norte-americanos preparam-se para estragar a vitória de Vladimir Putin.
Por enquanto, tudo corre segundo o previsto pelo Kremlin. Nenhum dos candidatos ao cargo de Presidente da Rússia tem capacidade de travar Vladimir Putin.
Alexei Navalni, o único concorrente que talvez conseguisse trazer alguma combatividade à campanha eleitoral, foi afastado da corrida pelos tribunais russos. Ele prometeu recorrer da sentença no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem mas, mesmo se a decisão chegar a tempo, nada fará mudar os planos de Putin, ou seja, manter-se no poder pelo menos até 2024.
Pavel Grudinin, o capitalista e milionário em que os comunistas russos apostaram para participar na corrida eleitoral, irá tentar cumprir o papel que estava até agora reservado a Guennadi Ziuganov, dirigente do Partido Comunista da Federação da Rússia, que é ficar em segundo lugar no escrutínio e legitimar a eleição de Putin.
As organizações de defesa dos direitos humanos e alguns órgãos de informação chamam a atenção para o facto de, nalgumas regiões da Rússia, os cidadãos serem coagidos a dar a sua assinatura de apoio a Putin (como o actual Presidente russo achou melhor não ser candidato de alguma força política, para sublinhar a sua independência, ele necessita de angariar 300 mil assinaturas, mas ninguém duvida que esse número será em muito ultrapassado), as estações públicas de rádio e televisão não param de sublinhar os feitos do líder, quase se esquecendo dos restantes candidatos, mas a Comissão Eleitoral Central da Rússia considera que tudo está a correr dentro da normalidade.
É importante recordar que as eleições presidenciais foram antecipadas do Outono para 18 de Março para que o escrutínio coincida com o 4º aniversário da ocupação da Crimeia pelas tropas russas, mais um motivo para atiçar os “ânimos patrióticos” dos eleitores.
Mas Washington parece mesmo interessado em estragar a festa a Vladimir Putin. A 11 de Janeiro de 2018, a Secretaria de Estado norte-americana aconselhou os cidadãos dos Estados Unidos a não visitarem a Rússia, explicando essa decisão com “os riscos de atentados terroristas e de agressões por parte dos habitantes locais, dos funcionários públicos e órgãos de segurança”.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia reagiu imediatamente, sublinhando que isso é feito porque “se os cidadãos dos EUA vierem em massa à Rússia, poderão ver com seus próprios olhos que não encontram nem encontrarão aquilo com que as autoridades americanas ameaçam”.
Mas o pior está para vir. Há algum tempo, a Rússia foi colocada, ao lado do Irão e da Coreia do Norte, como ameaça aos Estados Unidos. Em Fevereiro, espera-se uma nova onda de sanções, desta vez contra os círculos mais próximos de Putin. As autoridades americanas ameaçam publicar uma longa lista de cidadãos e empresas russos envolvidos em “enriquecimento ilícito”, “branqueamento de capitais” e noutros crimes.
Esta ameaça está a criar um clima nervoso entre políticos e homens de negócios russos. Por exemplo, a fim de evitar sanções, o banco russo Alfa-bank já veio anunciar que não tem o complexo militar-industrial do país como um dos seus clientes.

Dificilmente esta “guerra fria” irá impedir a reeleição de Vladimir Putin, mas poderá criar-lhe problemas internos e externos no seu novo mandato.´

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