António Barreto
descreve uns, Paulo de Carvalho canta outros, há um ror de gente que se
pode sempre descrever e cantar, mas a gente de Paulo de Carvalho é outra,
como de obrigação, conquanto também possa fazer parte da gente de que trata António
Barreto, desde que a isso solicitada. Tudo gente sem culpa e de trabalho, só
com o pecado original às costas, que o temos todos, e com o ferrete da expulsão
para a Idade do Ferro, que o Jeová era de gancho. Além disso há também a gente
do palco, de que faz parte, segundo canta, Paulo de Carvalho, e julgo que o
próprio António Barreto também, bons observadores e trabalhadores do lado de
cá, do palco, ensinando, com música e muita arte.
Gente
sem culpa
ANTÓNIO
BARRETO
DN,
21/1/18
O Presidente da República tem uma maneira muito própria de intervir:
exibe o seu optimismo, garante que o que deve ser feito está a ser feito e
afirma que o governo está a tomar conta. Este comportamento tem vantagens e
riscos. Os ganhos são evidentes e já tivemos várias experiências, a começar
pelos incêndios e Tancos, por exemplo. O governo assobiava, mas perante a
acção do Presidente teve de passar ao acto. Toda a gente ficou a ganhar.
Mas os perigos são também evidentes. Com efeito, se vier a verificar-se que o
governo não faz, o PR passa por mentiroso e fica na obrigação de tomar medidas
excepcionais.
De qualquer modo, vivemos um período fascinante. O governo
estabeleceu uma coligação inédita, fez uma aliança estranha e
encontrou uma solução inovadora. O Presidente, por seu turno, definiu um
estilo próprio, um comportamento singular e uma actuação
imaginativa. Ambos, presidente e governo, estão a contribuir para a
reforma política e para a criação de variedades constitucionais. É obra
importante.
Não sabemos se este processo tem um fim feliz ou infeliz. Logo se verá.
Mas, para compensar, há outros desenvolvimentos que podem ter desenlaces
nefastos. A começar pela impunidade nas áreas dos grandes negócios e da
corrupção.
Entre parcerias e aventureiros, há centenas de pessoas que lucraram com
decisões dos governos, com medidas tomadas pelas administrações dos bancos e de
empresas privadas e públicas, medidas essas e decisões aquelas pensadas para
defraudar e roubar bens empresariais ou públicos. Há gente que enriqueceu, sem
criar valor, só porque recebeu crédito sem garantias. Há gente que concedeu
esses créditos e recebeu prémios. Há políticos e gestores públicos nessa
condição. Há gestores privados, banqueiros e empresários nessa situação. Há
sobretudo as decisões formalmente lícitas, que fizeram a ruína do sistema
financeiro português! As designações de "crédito malparado" e de
"imparidades" são eufemismos que, na maior parte dos casos,
significam fraude, corrupção, gestão danosa, destruição deliberada de valor e
locupletação indevida com cumplicidade política! Onde está esta gente? Onde
estão os dinheiros que desapareceram?
São todos honestos até ser provado o contrário. São todos inocentes até
se ter a certeza de que são culpados. Mas vai ser tão difícil, tão complexo demonstrar a culpa! As
decisões dos governos que aprovaram projectos inviáveis, apoiaram créditos
impossíveis, garantiram compradores inexistentes, deram aval a negócios
improváveis e viabilizaram empreendimentos ruinosos serão sempre decisões
políticas lícitas, com boas intenções e com a certeza da procura do bem comum.
Demonstrar que tudo isso era uma armadilha e um assalto à riqueza pública vai
ser praticamente impossível. E se tal for demonstrado, a incapacidade da
justiça, os poderes dos advogados, a influência dos partidos e as artes
imaginativas dos recursos e garantias farão que a maior parte desta gente nunca
sinta a culpa, muito menos o castigo. Foi tudo a bem do povo. Mas
entretanto faliram empresas, arruinaram-se bancos, desapareceram milhares de
milhões volatilizados, foram dados sinais de que se pode capturar o Estado,
vender papel que nada vale, oferecer crédito sem retorno, financiar obras sem
viabilidade e apoiar projectos sem utilidade.
Estamos perante uma situação confrangedora de incompetência de polícias
e de ladrões, quer dizer, de inspectores, procuradores, magistrados,
secretários de Estado, ministros, gestores e banqueiros. Tire-se da cabeça a
ideia ou a esperança de poder ver, um dia, na presente ou na próxima década, explicações
cabais para o que se passou, esclarecimentos dos mistérios ocorridos,
julgamentos e condenação de criminosos! De recurso em recurso, de adiamento em
adiamento, de chicana em chicana, de impossibilidade em provar, de dificuldade
em demonstrar, não haverá responsáveis nem culpados!
As
minhas fotografias - A Fundação Champalimaud, à beira-Tejo, em Lisboa
Fundação Champallimaud
ANTÓNIO BARRETO/ DIREITOS RESERVADOS
Pelo local e pela forma do
edifício, a alusão ao mar é inevitável. Este navio em terra trouxe valor a uma
margem do rio que, ano após ano, século após século, se enriquece com edifícios
interessantes e obras notáveis. O sítio é de tal modo carregado que, mesmo
depois de décadas de abandono, sempre ali se volta e o sentimento de
permanência é inevitável. Depois da Torre de Belém, dos Jerónimos, do Terreiro
do Paço, do Padrão dos Descobrimentos, do Parque das Nações e da Torre de
Controlo Marítimo de Pedrouços, esta Fundação marcou o seu lugar com força e
ousadia. Depois dela, o MAAT e o Terminal de Cruzeiros de Santa Apolónia estão
igualmente aí para afirmar que a Lisboa ribeirinha, o estuário, o Mar da Palha
e a foz do Tejo formam, no seu conjunto, uma verdadeira maravilha. Pelo
edifício e sobretudo pelo que se passa lá dentro no domínio da investigação,
esta Fundação é obra importante e gosto raro na nossa história. Fotografia
de António Barreto
GOSTAVA DE VOS VER AQUI
Paulo de Carvalho
Gostava de estar aí
A ver o que se passa aqui, no palco
P’ra não fazer juízo errado
Pois isto de cantar,
É muito mais difícil
Cá deste lado
A ver o que se passa aqui, no palco
P’ra não fazer juízo errado
Pois isto de cantar,
É muito mais difícil
Cá deste lado
Ás vezes vocês daí
Nem sonham o que vai p’ra aqui, no palco
Nem pensam que na vossa frente
Quem canta, quem vos diz as coisas
Também é gente
Nem sonham o que vai p’ra aqui, no palco
Nem pensam que na vossa frente
Quem canta, quem vos diz as coisas
Também é gente
Gente que trabalha,
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Gente que vos diz
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Às vezes ficar aí
É fácil, é melhor que estar aqui
É fácil estar aí sentado
Por isto ou por aquilo
Julgar quem canta
Cá deste lado
É fácil, é melhor que estar aqui
É fácil estar aí sentado
Por isto ou por aquilo
Julgar quem canta
Cá deste lado
Gostava de vos ver aqui
Aqui ao pé de mim e não aí
E assim seria bem diferente
Fazia da canção um palco
P’ra toda a gente
Aqui ao pé de mim e não aí
E assim seria bem diferente
Fazia da canção um palco
P’ra toda a gente
Gente que trabalha,
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Gente que vos diz
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Gente que trabalha,
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Gente que vos diz
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Gostava de vos ver aqui…
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