domingo, 21 de janeiro de 2018

No palco, na plateia, com música ou em surdina…


António Barreto descreve uns, Paulo de Carvalho canta outros, há um ror de gente que se pode sempre descrever e cantar, mas a gente de Paulo de Carvalho é outra, como de obrigação, conquanto também possa fazer parte da gente de que trata António Barreto, desde que a isso solicitada. Tudo gente sem culpa e de trabalho, só com o pecado original às costas, que o temos todos, e com o ferrete da expulsão para a Idade do Ferro, que o Jeová era de gancho. Além disso há também a gente do palco, de que faz parte, segundo canta, Paulo de Carvalho, e julgo que o próprio António Barreto também, bons observadores e trabalhadores do lado de cá, do palco, ensinando, com música e muita arte.

Gente sem culpa
ANTÓNIO BARRETO
DN, 21/1/18
O Presidente da República tem uma maneira muito própria de intervir: exibe o seu optimismo, garante que o que deve ser feito está a ser feito e afirma que o governo está a tomar conta. Este comportamento tem vantagens e riscos. Os ganhos são evidentes e já tivemos várias experiências, a começar pelos incêndios e Tancos, por exemplo. O governo assobiava, mas perante a acção do Presidente teve de passar ao acto. Toda a gente ficou a ganhar. Mas os perigos são também evidentes. Com efeito, se vier a verificar-se que o governo não faz, o PR passa por mentiroso e fica na obrigação de tomar medidas excepcionais.
De qualquer modo, vivemos um período fascinante. O governo estabeleceu uma coligação inédita, fez uma aliança estranha e encontrou uma solução inovadora. O Presidente, por seu turno, definiu um estilo próprio, um comportamento singular e uma actuação imaginativa. Ambos, presidente e governo, estão a contribuir para a reforma política e para a criação de variedades constitucionais. É obra importante.
Não sabemos se este processo tem um fim feliz ou infeliz. Logo se verá. Mas, para compensar, há outros desenvolvimentos que podem ter desenlaces nefastos. A começar pela impunidade nas áreas dos grandes negócios e da corrupção.
Entre parcerias e aventureiros, há centenas de pessoas que lucraram com decisões dos governos, com medidas tomadas pelas administrações dos bancos e de empresas privadas e públicas, medidas essas e decisões aquelas pensadas para defraudar e roubar bens empresariais ou públicos. Há gente que enriqueceu, sem criar valor, só porque recebeu crédito sem garantias. Há gente que concedeu esses créditos e recebeu prémios. Há políticos e gestores públicos nessa condição. Há gestores privados, banqueiros e empresários nessa situação. Há sobretudo as decisões formalmente lícitas, que fizeram a ruína do sistema financeiro português! As designações de "crédito malparado" e de "imparidades" são eufemismos que, na maior parte dos casos, significam fraude, corrupção, gestão danosa, destruição deliberada de valor e locupletação indevida com cumplicidade política! Onde está esta gente? Onde estão os dinheiros que desapareceram?
São todos honestos até ser provado o contrário. São todos inocentes até se ter a certeza de que são culpados. Mas vai ser tão difícil, tão complexo demonstrar a culpa! As decisões dos governos que aprovaram projectos inviáveis, apoiaram créditos impossíveis, garantiram compradores inexistentes, deram aval a negócios improváveis e viabilizaram empreendimentos ruinosos serão sempre decisões políticas lícitas, com boas intenções e com a certeza da procura do bem comum. Demonstrar que tudo isso era uma armadilha e um assalto à riqueza pública vai ser praticamente impossível. E se tal for demonstrado, a incapacidade da justiça, os poderes dos advogados, a influência dos partidos e as artes imaginativas dos recursos e garantias farão que a maior parte desta gente nunca sinta a culpa, muito menos o castigo. Foi tudo a bem do povo. Mas entretanto faliram empresas, arruinaram-se bancos, desapareceram milhares de milhões volatilizados, foram dados sinais de que se pode capturar o Estado, vender papel que nada vale, oferecer crédito sem retorno, financiar obras sem viabilidade e apoiar projectos sem utilidade.
Estamos perante uma situação confrangedora de incompetência de polícias e de ladrões, quer dizer, de inspectores, procuradores, magistrados, secretários de Estado, ministros, gestores e banqueiros. Tire-se da cabeça a ideia ou a esperança de poder ver, um dia, na presente ou na próxima década, explicações cabais para o que se passou, esclarecimentos dos mistérios ocorridos, julgamentos e condenação de criminosos! De recurso em recurso, de adiamento em adiamento, de chicana em chicana, de impossibilidade em provar, de dificuldade em demonstrar, não haverá responsáveis nem culpados!

As minhas fotografias - A Fundação Champalimaud, à beira-Tejo, em Lisboa
Fundação Champallimaud
ANTÓNIO BARRETO/ DIREITOS RESERVADOS
Pelo local e pela forma do edifício, a alusão ao mar é inevitável. Este navio em terra trouxe valor a uma margem do rio que, ano após ano, século após século, se enriquece com edifícios interessantes e obras notáveis. O sítio é de tal modo carregado que, mesmo depois de décadas de abandono, sempre ali se volta e o sentimento de permanência é inevitável. Depois da Torre de Belém, dos Jerónimos, do Terreiro do Paço, do Padrão dos Descobrimentos, do Parque das Nações e da Torre de Controlo Marítimo de Pedrouços, esta Fundação marcou o seu lugar com força e ousadia. Depois dela, o MAAT e o Terminal de Cruzeiros de Santa Apolónia estão igualmente aí para afirmar que a Lisboa ribeirinha, o estuário, o Mar da Palha e a foz do Tejo formam, no seu conjunto, uma verdadeira maravilha. Pelo edifício e sobretudo pelo que se passa lá dentro no domínio da investigação, esta Fundação é obra importante e gosto raro na nossa história. Fotografia de António Barreto

GOSTAVA DE VOS VER AQUI
Paulo de Carvalho
  Gostava de estar aí
A ver o que se passa aqui, no palco
P’ra não fazer juízo errado
Pois isto de cantar,
É muito mais difícil
Cá deste lado
Ás vezes vocês daí
Nem sonham o que vai p’ra aqui, no palco
Nem pensam que na vossa frente
Quem canta, quem vos diz as coisas
Também é gente
Gente que trabalha,
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Gente que vos diz
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Às vezes ficar aí
É fácil, é melhor que estar aqui
É fácil estar aí sentado
Por isto ou por aquilo
Julgar quem canta
Cá deste lado
Gostava de vos ver aqui
Aqui ao pé de mim e não aí
E assim seria bem diferente
Fazia da canção um palco
P’ra toda a gente
Gente que trabalha,
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Gente que vos diz
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Gente que trabalha,
Como um carpinteiro
Como um camponês
Ou como um mineiro
Gente que faz o trabalho
Como faz amor,
Amor verdadeiro
Gente que vos diz
Que a canção sou eu,
A canção és tu,
Por isso cresceu
A canção é p’ra vocês,
E só p’ra vocês,
A canção nasceu
Gostava de vos ver aqui…



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