segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Só Evans para responder

Um texto de Paulo Rangel, sobre as coisas da nossa Justiça, e sobre Rui Rio que, apesar da confiança daquele no sentido de Justiça deste, lembro-me de que Rui Rio não quis definir-se a respeito do caso da Procuradora Geral da República, quando interrogado, durante a campanha eleitoral.
Quanto ao texto de Alexandre Homem-Cristo, é ainda sobre Rui Rio, num retrato que parece positivo, contrariando algumas opiniões de dúvida, de que o Eixo do Mal também se fez eco, semeador de dúvidas.  “Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra”.

I- OPINIÃO       Uma semana e um ano astral para a justiça
Por mais voltas que se dê, a posição da ministra da Justiça é insustentável e é indesculpável. Marca o ano, mancha o exercício ministerial.
PEDRO RANGEL
PÚBLICO,16 de Janeiro de 2018
1. Três acontecimentos de diferente natureza, ocorridos na semana que findou e sem qualquer relação entre si, convergem no sentido de pôr a justiça – enquanto poder e função constitucional – no cerne da agenda e do debate público.
O primeiro e mais antigo veio a ser a apresentação ao Presidente da República, por apelo deste, de um pacto “inter-profissional” para a justiça (denominado “acordos para o sistema de justiça). Trata-se de um contributo consensualizado pelas estruturas profissionais dos diferentes intervenientes no sector da justiça, vertido em medidas de alcance muito diverso (e controverso), que terá agora de ser recebido pela opinião pública e pelo sistema político. Enquanto contributo para uma discussão pública alargada revela-se um instrumento muito útil, mas, como no próprio texto se reconhece, em nada dispensa a assunção das responsabilidades políticas por quem de direito. O ano político, no âmbito da justiça, não poderá deixar de ser influenciado pela marca de água deste documento. 
O segundo, surpreendente e claramente inusitado, consistiu na declaração da ministra da Justiça de que o mandato da Procuradora-Geral da República não era renovável. Cura-se de uma intervenção grave – para não dizer gravíssima –, feita a destempo, por quem tem obrigação de conhecer (e conhece efectivamente) as regras constitucionais que estatuem precisamente o contrário. Esta pronúncia antolha-se, sob qualquer ponto de vista, absolutamente incompreensível, seja no conteúdo, seja na oportunidade. Quando se esperava que a delicada questão da substituição do vértice do Ministério Público só ganhasse tomo e dimensão em meados do Verão, a ministra assombrou e enfeitiçou a questão e pô-la na agenda dos desenvolvimentos político-judiciais do ano inteiro.   
O terceiro diz respeito à eleição de Rui Rio como novo Presidente do PSD. Rui Rio fez do sistema de justiça um dos pontos distintivos do seu programa eleitoral interno, de resto, uma velha bandeira do seu pensamento. Muito orientado para a questão da eficácia do sistema como um todo (lentidão) e para o pólo da investigação criminal (garantias e legitimidade), acabará por ser um dos dossiês em que é natural esperar-se algum poder de iniciativa. Também, portanto, por via da eleição do novo líder do PSD, o tema da justiça irá necessariamente declinar-se no ano político de 2018.
O alinhamento astral destes três acontecimentos da semana e a capacidade de projecção e irradiação de cada um deles são um forte indício de que o ano de 2018 será pautado pelo signo da política da justiça e das relações entre a justiça e a política.
 2. A conclusão do dito acordo “inter-profissional” e a agenda política do novo líder da oposição são obviamente desenvolvimentos salutares, na medida em que, concorde-se ou não com as linhas substantivas dos mesmos, facultam uma oportunidade para discussão, estudo, reflexão e, até, se não faltar à política a celeridade que mingua à justiça, para decisão e execução. Já a intervenção da ministra da Justiça é profundamente reprovável e seriamente perniciosa, introduzindo um factor de desconfiança, que pode inquinar não apenas o processo de designação do Procurador-Geral como também o previsível debate sobre esta agenda mais geral da justiça.
Por mais voltas que se dê, a posição da ministra da Justiça é insustentável e é indesculpável. A leitura dos preceitos pertinentes da Constituição não deixa margem a qualquer dúvida: o mandato do Procurador-Geral da República é renovável. Basta ler. Convém, todavia, desarmar outras linhas retóricas por aí ensaiadas para que quede cristalina a impropriedade da intervenção ministerial.  
 3. O argumento, quase ontológico, de que o mandato de 6 anos é um mandato longo por essência não renovável (ou desejavelmente não renovável) não colhe. O mandato tem 6 anos, propositadamente para não coincidir com o mandato dos dois órgãos que intervêm na respectiva cooptação (Governo, 4 anos; Presidente da República, 5 anos). Só por isso e nada mais. Na tradição constitucional portuguesa, ao contrário do que sustenta a Ministra e alguns dos seus sequazes, um mandato de 6 anos não é havido como longo. Com efeito, quando os juízes do Tribunal Constitucional tinham um mandato de 6 anos, este era renovável; só quando passou a 9 anos se volveu em não reconduzível. E, em todo o caso, sempre convém não confundir a posição de um juiz com a posição de um procurador. E, muito menos, a posição de um juiz do Tribunal Constitucional (ou de um tribunal supremo) com a do Procurador-Geral da República que, além do mais, não tem de ser um magistrado do Ministério Público (caso de Pinto Monteiro) nem sequer tem de ser um magistrado de carreira. Numa palavra, não renovabilidade do mandato de 6 anos não resulta da natureza das coisas.
 4. Não faz também vencimento – nem deve fazer – o argumento corporativo. Na verdade, com plena consciência de que a Constituição não adoptou o modelo do mandato único, uma forte corrente de magistrados do Ministério Público, também dominante no respectivo sindicato, defende a bondade da solução do mandato único. Por outras palavras, reconhece que a lei não impõe essa solução, mas considera-a a mais adequada e conveniente à chefia daquela magistratura. É porventura nesta corrente, com a sua longa e prestigiada carreira de magistrada do Ministério Público, que se filia a ministra da Justiça. Mas justamente por isso estava e tinha de estar perfeitamente ciente de que a Lei Fundamental permite a recondução. Ciência essa que, aliás, se manifesta flagrantemente no discurso tentativo da Ministra com a busca do contexto histórico e da alegada ideia “subjacente”.
 5. Nada desculpa, portanto, a declaração da ministra, que outro intuito não teve senão o de desencantar um pretexto jurídico para o anúncio precoce e temporão de um juízo político. Marca o ano, mancha o exercício ministerial.   
 SIM. Rui Rio. Marcou a agenda de médio prazo ao focar o novo ciclo e fôlego político na construção de uma alternativa clara e forte à frente de esquerda e ao seu imediatismo populista. 
 NÃO. António Costa. Ao vincular Portugal, pela calada, à criação de listas transnacionais nas eleições europeias prejudica o interesse nacional e, pior, despreza a competência eleitoral da Assembleia.

II- CONGRESSO DO PSD -   A (só) aparente ruptura no PSD
OBSERVADOR, 15/1/2018
Não há razões para mudanças de rumo no PSD. E, por isso, talvez os primeiros desiludidos com Rui Rio venham a ser aqueles que (como Pacheco Pereira) viram nele a oportunidade de se vingarem de Passos.
Um homem sério, de vida pública discreta e pouco aberto, que engendrou durante anos o alcançar da liderança do PSD, focado na economia e na saúde das contas públicas, indiferente aos círculos das elites lisboetas, rodeado no aparelho partidário de figuras e barões pouco recomendáveis e que fizeram caminho a criticar o PSD, sem pretensões de intelectualidade, pouco preocupado com os holofotes mediáticos, teimoso e corajoso, defensor das ideias em que acredita – e não daquelas que lhe dizem ser as melhores para acolher mais um ou dois votos. Eis uma apresentação possível de Rui Rio, o novo líder eleito do PSD. Mas eis também uma apresentação possível de Pedro Passos Coelho, o líder que, dentro de semanas, deixará de o ser. Curiosamente, a campanha das eleições internas do PSD sugeriu que, com Rui Rio, viria uma ruptura com o legado de Passos Coelho. Ou que à sua vitória corresponderia uma derrota do “passismo”. Ora, ambos têm mais em comum do que seria inicialmente perceptível. E, mesmo no plano partidário, essa ideia de ruptura é, no mínimo, precipitada.
Sim, muitos pontos de vista ideológicos separam Passos Coelho de Rui Rio – o primeiro mais liberal e à direita do que o segundo, que não se importa que o conotem com o centro-esquerda. Se o PSD fosse um clube de tertúlias, a clivagem seria motivo de rupturas discursivas e de algumas guinadas de orientação política nas propostas para o país. Mas o PSD é um partido político, em Portugal e na oposição a um governo apoiado por toda a esquerda parlamentar. O contexto é tudo. Nem Passos Coelho pôde implementar todas as reformas “liberais” que ambicionou, nem agora muitas das reformas implementadas foram sequer atacadas pelo PS – veja-se como o actual governo mantém discretamente várias das medidas do período da troika. Ou seja, a ideologia tem um peso menor nas reformas estruturais do que, acreditando no discurso político, se poderia julgar. Como tal, nesse plano, o PSD de Rui Rio não será realmente divergente do de Passos. Aliás, recorde-se que, quando o tema da campanha interna foi o ajustamento financeiro, Rui Rio até alertou que teria ido mais longe – afinal, aos olhos de Pacheco Pereira e de outros críticos da austeridade, qual dos dois seria o perigoso neoliberal?
No final, tudo leva aos nomes e, sim, as mudanças de caras surgirão no PSD. É natural que assim seja. E ainda mais quando, como é o caso, o novo líder não tem cadeira na bancada parlamentar e precisa de pessoas de confiança nos lugares-chave. Mas será isso motivo de “limpeza”, como se ouve por aí? Não há contexto para isso – e seria um erro de amador. Primeiro, porque Rio terá de depender de um grupo parlamentar que não escolheu e não se pode dar ao luxo de o transformar num ninho de vespas – o que requer tacto e convergências. Segundo, porque não existe uma ruptura real com o “passismo” ou com os que cresceram politicamente ao lado de Passos Coelho – até porque alguns apoiaram Rui Rio. Em termos de apoios internos, a único ruptura relevante surgiu com Luís Montenegro e Miguel Relvas, que decidiram converter estas eleições internas num jogo de xadrez para as suas ambições – leia-se, para se posicionarem para o pós-eleições legislativas de 2019, antecipando uma vitória eleitoral do PS. Ora, Montenegro e Relvas podem ter sido “passistas”, mas não são o “passismo”.
Tudo isto não significa que as lideranças de Rui Rio e de Passos Coelho venham a ser gémeas – cada um tem o seu estilo e isso marca uma liderança. Ou que Rui Rio não apareça rodeado de pontos de interrogação e sinais vermelhos – e são vários: o seu discurso por vezes ríspido e autoritário, uma relação potencialmente tensa com Marcelo, a sua hipotética aproximação ao PS de António Costa pós-2019, a sua má relação com a comunicação social, algumas companhias políticas que arrasta consigo. Significa, sim, duas coisas.
Primeiro, que as campanhas internas dão maus indicadores para prever o desempenho de um líder partidário – por exemplo, quando chegou ao topo do PSD, nada recomendava Passos Coelho (nem o currículo, nem as companhias, nem a fama de ter sido opositor interno a Ferreira Leite no combate contra Sócrates) e, no governo, veio a revelar-se. Segundo, que quem estiver à espera de alterações estruturais no PSD ficará por certo desiludido – não há razões políticas ou ideológicas que as justifiquem no actual contexto. E talvez os primeiros desiludidos venham a ser, precisamente, aqueles que (como Pacheco Pereira, António Capucho e Ferreira Leite) viram em Rui Rio a oportunidade de se vingarem de Passos Coelho.

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