quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

O Desaforo encartado


Nos EUA, pais acorrentam filhos. Nós por cá, imitando, ao que parece, desenvolturas europeias, mostramos a nossa elevada consciência de modernidade para lorpas engolirem, em programações abusivas de insensatez, provocação e miséria moral, na pretensão, ao que parece, de explorar perversões infantis - provavelmente justificadas por perversões parentais e sociais - que alguns canais televisivos, amorais e ávidos, impingem, no desrespeito absoluto pelo público, tal como dantes se passava por canais de exploração sexual à disposição de todos os utentes. Os textos abaixo – a EDITORIAL de DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE e seus comentadores, precedidos da Notícia sobre a SIC, com referência a críticas da Unicef, ilustram o acontecimento. Repugnante.

Unicef subscreve críticas, SIC defende-se. Já há queixas na ERC e Ordem dos Psicólogos
Comissão de protecção de menores considera que o conteúdo do programa Supernanny, que este domingo se estreou na SIC, é “manifestamente contrário ao superior interesse da criança". SIC rejeita as críticas. No primeiro episódio, menor de sete anos é apresentada como o “Furacão Margarida”.
15 de Janeiro de 2018,

 EDITORIAL
Superabusivo
DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE
Público, 17 de Janeiro de 2018
Não é preciso ter uma dose demasiado elevada de bom senso para perceber os riscos de um programa que expõe de forma tão abstrusa a privacidade de uma criança.

Um programa da SIC decidiu trocar audiências pela exposição pública de crianças malcomportadas. A Comissão de Protecção de Menores, o Instituto de Apoio à Criança e a Unicef já criticaram o programa. Mas show promete continuar porque é um negócio em que, aparentemente, todos ganham: ganham os paizinhos que expõem as crianças, ganha a estação com os anúncios que vende, ganha a psicóloga que tem um cachet e ainda impinge mais uns livrinhos aos incautos. Mas perde a criança e perdemos todos, porque a degradação do espaço público é uma derrota da sociedade.
Teresa Paula Marques, a psicóloga encartada que ganha dinheiro a explorar o direito à privacidade das crianças neste programa, tem um percurso que garante solidez: já deu conselhos nas revistas TeenagerBravo TVMais, para além de ter participado em programas como o Muita Lôco e o Queridas Manhãs.
Não é que estas polémicas sejam novidade para a SIC. A mesma estação já tinha humilhado uma criança no programa Ídolos, para além de dar regularmente voz a tarólogas que se aproveitam da ignorância alheia para sacar uns trocos e oferecer conselhos tão esclarecidos como o de propor que uma vítima de violência doméstica mimasse o seu agressor. Nada disto perturba a salomónica Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que assiste a tudo sem hesitações que não vão para além de deliberações suaves pouco incomodativas. É a ERC, note-se, que tem responsabilidades de gestão deste espaço público que é tão importante para a saúde colectiva — e é importante recordar que as antenas televisivas são um bem público, devidamente regulado e concessionado por um período limitado de tempo.
É certo que a gestão de um meio de comunicação social com uma elevada componente de entretenimento não é uma ciência exacta. Mas também não é preciso ter uma dose demasiado elevada de bom senso para perceber os riscos de um programa que expõe de forma tão abstrusa a privacidade de uma criança — que, ao contrário do que alguns desejariam e muitos julgam, não é propriedade dos paizinhos, nem deve ser a motivação maior para ganhar uns trocos.
O chavão dos “15 minutos de fama” a que todos têm direito já está mais do que estafado, mas parece valorizar-se nestes tempos — em que até vão tendo prioridade os que se aproveitam de quem não se pode defender.

Comentários vários:
  LUSO 
Diz o cronista de forma afirmativa que este espaço público é importante para a saúde colectiva. Pois eu direi, que se o é, as autoridades que superintendem nestas pindéricas televisões são tal qual como os fazedores dos programas, pois todos os dias há motivos para acabar com as vergonhosas televisões que temos. Se alguma coisa baixou ao mais baixo nível da cultura, da instrução e da educação e da falta de respeito em Portugal, foram estes transmissores de inutilidades,  pondo de parte toda a deontologia que um serviço de televisão exige. O que se vê, é dos mais rascas pacotes que se vêEm Europa fora. Chamar-lhes comunicação já é favor.

  Bruxelas 
Acho interessante esta polémica em Portugal sobre a emissão "Supernanny". Essa emissão passou em França (e nos países francófonos com acesso à televisão francesa) e, que se saiba, ninguém tugiu nem mugiu. Força!, é continuar!

  Terra 

Ainda bem que a ERC não intervém. Não devia nunca intervir para proibir seja o que for. Isso é censura. O que as pessoas deviam fazer era não ver o programa, por pudor. A SIC acabava logo com ele. A responsabilidade não é da ERC, é dos espectadores que comem qualquer coisa. Eu não vejo o programa.

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