domingo, 14 de janeiro de 2018

Um fado de Tony de Matos


Leu a minha irmã, escrito num papel, no nosso café domingueiro, depois dos  comentários sobre as mortes e feridos de mais um incêndio nosso – em Vila-Nova da Rainha (Tondela) - e outras “besteiras”, o refrão de um fado que ela costuma escutar, creio que na “Rádio Amália” que em casa encontrei na Internet, mas não cantado por Tony de Matos e sim por Rodrigo e outros. Tive pena, pois Tony de Matos tem uma profundeza de voz inimitável, como dissemos.
Lembrei-me do Luís e do seu discurso negativo e pu-lo a escutar, pelo telemóvel, primeiro a letra e depois o fado, cantado por Rodrigo. O Luís concordou que a sua falha actual de auto-estima tinha bastante a ver com a letra do “Leilão”, descontada a beleza da imagem, mas ponderei também que todos nós passamos por momentos de vazio e desgosto de nós próprios. Insensível à música, o Luís apenas lembrou que eu o fizera ficar pendurado, depois de já ter concordado que a letra que lhe lera tinha, de facto, a ver com ele e isso bastara. Mas ainda nos rimos com a imagem do pendurado ao telemóvel. Temos, realmente, letras e músicas de fado fenomenais.
Fiz leilão de mim
Talvez de razão perdida,
Quis fazer leilão da vida.

Disse ao leiloeiro:
- Venda ao desbarato,
Venda o lote inteiro,
Que ando de mim farto.
Meus versos, que não são versos,
Atirei ao chão, dispersos,
A ver se algum dia
O mundo pateta
Por analogia
Diz que sou poeta.


Refrão:
Fiz leilão de mim
E fui, por fim, apregoado.
Mas, de mau que sou,
Ninguém gritou: arrematado!
Fiz leilão de mim!
Tinhas razão, minha almofada,
Com lances a esmo,
Provei a mim mesmo
Que não valho mais que nada.

Também quis vender, meu fado,
Meu modo de ser errado:
Leiloei ternura,
Chamaram-me louco;
Mostrei amargura,
E o mundo fez pouco.
Depois, leiloei carinho,
E, em praça, fiquei sozinho.
Diz-me a pouca sorte
Que, para castigo,
Até vir a morte
Vou ficar comigo.

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