sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Globalizações, novas uniões, previsões, estremeções…


Teresa de Sousa e os seus conhecimentos da Europa na relação desta com o mundo, um Macron, ao que parece, em plena ascensão na orientação dos destinos, dando a mão a A. Merkel, em defesa sempre de uma Europa unida, contrariando as reivindicações populistas das várias nações, a versão China a impor-se na Europa, face aos caprichos e impertinências de Donald Trump desdenhoso da velha aliada necessitada, embora farol do mundo em ilustração. Um texto optimista e esclarecedor.
Por cá, os problemas de um PSD, no conflito eleitoral que Vicente Jorge Silva descreve, antes de lhe conhecer os resultados, talvez conceitos verdadeiros ainda, pelo prestígio da “geringonça”, a que o líder ganhador do PSD talvez não possa resistir. Mas o que é preciso é que o bolo vá dando para todos … os portugueses.

OPINIÃO
A dança das cadeiras
As sondagens dizem que os franceses estão cada vez mais optimistas. Já o poder inquestionável de Merkel parece ter sido levado pelo vento, depois das eleições de Setembro.
TERESA DE SOUSA
Público, 14 de Janeiro de 2018
1. O que é impressionante nos dias que correm é que tudo pode mudar de um dia para o outro. Em menos de um ano, as três potências europeias mudaram de lugar a uma velocidade incrível. O Reino Unido era uma das economias mais poderosas da Europa, a sua maior força militar e a ponte entre os dois lados do Atlântico. Hoje, está remetido a uma espécie de prateleira da história recente da União Europeia e ninguém sabe exactamente aquilo que o futuro lhe reserva. A França estava em plena “malaise”, incapaz de se reformar internamente, uma espécie de sombra da Alemanha, apenas para manter a ficção do eixo Paris-Berlim. A Alemanha era potência hegemónica, ainda que relutante, e Angela Merkel chegou a ser entronada como a líder do mundo livre (embora ela própria não aceitasse a designação), quando Obama saiu e Trump entrou na Casa Branca. Hoje, esta realidade evaporou-se. Nem vale a pena falar do Reino Unido. A França levou a cabo a mais profunda reconfiguração da sua paisagem política, elegeu um Presidente que rapidamente a colocou de novo no lugar que lhe é devido, sem qualquer cedência às modas populistas. As sondagens dizem que os franceses estão cada vez mais optimistas. O poder inquestionável de Merkel parece ter sido levado pelo vento, depois das eleições de Setembro. Nos quatro meses em que esteve a negociar um novo governo, a sua estrela perdeu o brilho. Emmanuel Macron teve a sua (merecida) oportunidade para ocupar o lugar deixado vago por Berlim e por Londres.
2. Talvez isto ajude a explicar algumas das surpresas do acordo de princípio entre a CDU/CSU da chanceler e o SPD para constituir o próximo governo alemão, pela terceira vez em modo de “grande coligação”. Falta ainda afinar os detalhes e clarificar melhor algumas ideias. Martin Schulz tem pela frente a magna tarefa de convencer o seu partido de que a Europa merece este “sacrifício”. Não vai ser fácil, mas o argumento é forte. De um modo geral, foi boa a reacção nas capitais europeias, a começar, naturalmente, pela França. Percebe-se porquê. A influência do SPD nas negociações é notória, talvez não tanto por mérito próprio do que demérito alheio: a fraqueza da “mulher mais poderosa do mundo” depois de três mandatos consecutivos. A palavra “França” aparece seis vezes no documento, mais do que “União Europeia” ou “Estados Unidos”. A única anomalia é que falta a palavra “NATO”, embora ninguém duvide que, mesmo com o actual Presidente americano ou com a velha tendência pacifista do SPD, Berlim não tencione esquecer quem lhe garantiu a segurança nas últimas décadas. A diferença é que o acordo repete o que disse a chanceler na Primavera do ano passado, depois da eleição de Trump:A Europa vai ter que tomar boa parte do seu destino nas mãos”.
E não é só isso. O acordo lembra que o mundo é cada vez mais adverso à Europa e aos seus princípios fundadores, com a perda de influência americana, a ascensão não muito pacífica da China e o regresso de uma Rússia agressiva. É na Europa que o acordo de coligação coloca mais ênfase. E é na França que coloca quase todas as apostas para renovar o projecto europeu à luz das novas circunstâncias internacionais. A novidade está em que parece querer fazê-lo em estreita parceria com Paris, o que implica fazer metade do caminho para encontrar um compromisso. Macron tornou-se, também na Alemanha, uma oportunidade que não é possível perder.
3. O Presidente francês respondeu no mesmo tom: “Tivemos boas notícias do outro lado do Reno, queremos mais Europa e o acordo reconhece isso mesmo”. Martin Schulz definiu o acordo como a resposta alemã às propostas apresentadas em Paris e em Bruxelas. Há títulos na imprensa europeia que falam por si. “Macron Lite”, diz o Euobserver. “Macron põe de novo Merkel em marcha”, escreve Les Echos. No Politico, “Um pequeno passo para a Alemanha e um grande salto em frente para a Europa”. A dificuldade está na escolha.
A fase da “hegemonia relutante” teria, algum dia, de passar a uma fase de “liderança repartida”. Macron deu uma ajuda preciosa. O que ficou também demonstrado nestes últimos meses em que Merkel andou à procura de um novo governo, foi que o Presidente francês está a reconstruir o papel da França na Europa e no mundo, quase sempre numa perspectiva europeia, lembrando a Berlim que o poder económico não chega e que a Alemanha, tal como a França, vale pouco, se não falarem em nome da Europa.
4. A sua recente visita à China foi um bom exemplo. Teve a sua parte dedicada aos negócios, mas foi muito mais do que isso. Tinha alguns recados fundamentais. A cooperação entre a China e a Europa tem de obedecer ao princípio da reciprocidade (quase gastou a palavra de tanto repeti-la). Não vale a pena a XI Jinping seguir a velha estratégia de dividir para reinar: a Europa está muito mais unida do que Pequim imagina. Como não basta proclamar a liberdade de comércio e, depois, praticar o proteccionismo. Há ainda enormes obstáculos ao investimento europeu na China ao mesmo tempo que o capital chinês entra na Europa sem qualquer discriminação. O aviso foi claro: ou a China muda as suas regras, ou encontrará do outro lado o mesmo proteccionismo. A China tem investido fortemente em alguns países do Sul (incluindo Portugal e Grécia) e do Leste europeu, aproveitando as dificuldades da crise. Macron avisa também que são precisos alguns critérios nos investimentos chineses.
Os analistas falam de uma visita sem falhas. Não começou em Pequim mas em Xian, na China central, que já foi a sede do império chinês e onde está célebre exército de terracota. Citou De Gaulle, que costumava dizer que a China “era um Estado antes da História”. Mas também desafiou a China a ser parceira da Europa perante os desafios globais, que exigem soluções globais, como as alterações climáticas, agora que os EUA se retiraram do Acordo de Paris. Merkel teria feito negócios muito mais impressionantes do que Macron (representa quase 40 por cento do comércio entre a Europa e a China). Não hesitaria, como faz sempre, em lembrar publicamente a Xi o respeito pelos direitos humanos. Ser-lhe-ia mais difícil colocar as coisas no domínio da geopolítica. O Presidente francês tem sabido gerir as dificílimas relações com Donald Trump, um quebra-cabeças para a Europa, habituada a respirar a relação transatlântica quase sem dar por isso. Nos últimos dias, foi com ele que Trump quis falar sobre a Coreia do Norte e sobre o Irão.
5. O que fará Merkel do seu quarto mandato? Arriscará um acordo com Paris que rompa com um passado em que era a Alemanha que ditava as regras? Explicará aos alemãs que é preciso pagar mais pelos enormes benefícios de toda a ordem que a Europa traz à Alemanha? Manterá o seu método prudente, passo a passo, agora que ela própria diz que “o mundo não vai ficar à espera da Europa”? Esperam-se os próximos capítulos. Há, no entanto, uma nova esperança.

OPINIÃO
A ESQUINA DO MUNDO
O horizonte perdido do PSD
A dificuldade do PSD em fazer face ao PS e à chamada geringonça reside no facto de os socialistas poderem reivindicar a herança da social-democracia, apesar da tal grande crise que atravessa.
VICENTE JORGE SILVA
PÚBLICO, 14 de Janeiro de 2018
Quando o leitor estiver a folhear esta edição do PÚBLICO já saberá – salvo alguma surpresa não descartável – quem ganhou as directas do PSD. Não é o meu caso, pois comecei a escrever esta crónica às 18 horas de sábado e o jogo ainda não tinha acabado. Mas, seja qual for o resultado, o mais provável é que contará para muito pouco, depois do que ficámos a saber das posições dos candidatos à liderança do partido e, sobretudo, tendo em conta o território político onde qualquer um deles será chamado a intervir até às próximas legislativas. O problema do PSD não é ser liderado por Rui Rio ou Santana Lopes – e não foi aliás por acaso que nenhuma outra figura se atreveu a avançar após a renúncia de Passos Coelho, preferindo guardar-se para depois do “período de transição”. Mas haverá transição para lado algum, com estes ou outros líderes por enquanto na sombra, num partido que parece ter perdido o seu horizonte político?
A sensação que o PSD transmite hoje é a de um esgotamento histórico do seu papel na sociedade portuguesa depois das várias representações que assumiu desde o 25 de Abril até à governação de Passos Coelho. Essa foi a experiência-limite, em que o partido se viu confrontado com as opções mais contraditórias face à sua tão obsessivamente referida “matriz ideológica”: a de uma social-democracia que nunca existiu ou apenas foi projectada como desejo inalcançável. Não bastava que a social-democracia propriamente dita estivesse hoje mergulhada em crise profunda um pouco por toda a Europa – mesmo na mítica Escandinávia, em que se terá revisto Sá Carneiro na época de Olof Palme – pois o espaço ocupado por ela, ou o que agora sobra dela, estava reservado pelo PS desde os tempos de Mário Soares, que lhe fechou o acesso à Internacional Socialista (onde, recorde-se, Sá Carneiro procurou insistentemente inscrever o PSD). Restou-lhe por isso a inscrição na Internacional rival da direita: o PPE.
Tem-se especulado ultimamente sobre o desígnio frustrado de Santana Lopes em criar um novo partido concorrente do PSD, para o qual – por mais ilógico que fosse – tentou aliciar figuras tão improváveis como Pacheco Pereira. Esse desígnio de Santana traduz-se, aliás, na obsessiva designação PPD/PSD, pretendendo recuperar assim a sigla inicial do partido – utilizada só até ser possível adoptar a segunda, detida por um outro partido de existência efémera após o 25 de Abril. Longe de ser um pormenor anedótico, este é um aspecto revelador da estrutural crise de identidade do PSD e do conflito entre sociais-democratas, liberais e conservadores que sempre coexistiram no seu seio (e a que não escapava, com as suas múltiplas contradições, o próprio Sá Carneiro). E é sintomático que, para além das óbvias diferenças entre ambos, Santana e Rui Rio sejam ambos atravessados pelas incoerências ideológicas e programáticas que o PSD (ou o PPD/PSD) nunca conseguiu resolver, designadamente a relação com a social-democracia. Ofuscado ou perdido esse horizonte – que o PS, melhor ou pior, vem ocupando – resta ao PSD ser apenas uma máquina de poder, funcionando ao sabor dos interesses particulares e corporativos que se manifestam no seu seio.
A dificuldade do PSD em fazer face ao PS e à chamada geringonça, por mais transitória e conflitual que esta seja, reside no facto de os socialistas poderem reivindicar a herança da social-democracia, apesar da tal grande crise que atravessa. Nem Santana, nem Rio nem os seus putativos sucessores têm já essa ou outra bandeira que os identifique e ofereça ao PSD um horizonte político.


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