sábado, 6 de janeiro de 2018

Deus nos livre de mais vedetas


João Miguel Tavares põe os pontos nos ii a respeito dos dois candidatos à presidência do PSD. Mas apesar do título do seu artigo - O mistério Rui Rio – reconhece nele qualidades – o rigor nas contas, a reputação de político íntegro, a capacidade para resistir a lóbis poderosos – que são, naturalmente imprescindíveis a qualquer cidadão, e mais ainda a um chefe de partido, como Rui Rio pretende ser. Votar em Santana, escorregadio e dengoso, seria desastroso, não só para o partido como para Portugal.

OPINIÃO         
O mistério Rui Rio
Rio é com certeza mais competente do que Santana. Não estou ainda certo que seja menos perigoso.
João Miguel Tavares
6 de Janeiro de 2018
Rui Rio tem uma vantagem inestimável em relação a Santana Lopes: não ser Santana Lopes. Infelizmente, no debate de quinta-feira, ele atrapalhou-se na hora de descrever as trapalhadas do seu adversário em 2004. Não se percebe a hesitação. Da metáfora da incubadora aos erros nas colocações dos professores, das pressões para correr com Marcelo da TVI à demissão de José Rodrigues dos Santos de director de informação da RTP, das figuras patetas de Rui Gomes da Silva à demissão de Henrique Chaves por “falta de lealdade” do primeiro-ministro, é inesquecível a quantidade de asneiras que Santana conseguiu acumular em apenas quatro meses de governo.
Estas asneiras nada têm a ver com Jorge Sampaio e o alegadogolpe constitucional”. Sampaio fez o que tinha a fazer perante um governo que estava a cair aos pedaços – o próprio Cavaco subscreveu indirectamente essa posição com o famoso texto da má moeda publicado no Expresso dias antes do anúncio da dissolução –, e deixar que Santana e os seus amigos nos convençam do contrário é apenas contribuir para a reescrita da História. Da mesma forma que eu não engulo a narrativa de que o PS é inocente e apenas José Sócrates culpado, também não engulo a narrativa de que Santana Lopes é Jesus Cristo e Jorge Sampaio Pôncio Pilatos – pela simples razão de que Santana foi o seu próprio Judas.
Para quem saiba analisar um debate e a retórica envolvida, aquilo que Santana realmente é (e sempre foi) esteve à vista na RTP: um político mediaticamente talentoso mas sem qualquer pudor em recorrer à demagogia (a conversa da treta sobre a sua confiança na “natureza humana”), aos truques baixos (o argumento “eu não vou dizer aquilo que Paulo Morais disse de si – mas, já agora, digo”), à mentira (quando garantiu nunca ter pensado em formar um novo partido) e capaz de dizer tudo e o seu contrário num piscar de olhos (foi impressão minha ou a sua posição sobre a lei do financiamento partidário mudou em 24 horas?).
Mas se já todos os portugueses conhecem de ginjeira o perfil de Santana Lopes, o verdadeiro Rui Rio continua a ser um mistério. O meu argumento favorito para Rio vir a ser o próximo líder do PSD (não ser Santana Lopes) não é mérito dele, e aquilo que efectivamente é mérito dele – o rigor nas contas, a reputação de político íntegro, a capacidade para resistir a lóbis poderosos (como foi o caso do futebol, quando dirigia a câmara do Porto) – vem sempre acompanhado de uma sombra inquietante de autocrata. Rio, já se sabe, não gosta de jornalistas e é muito crítico do sistema de justiça português, e eu tenho um problema com políticos que gostam bastante do primeiro e do segundo poderes, mas apreciam menos o terceiro e o quarto. Encontro nessa postura um travozinho a anos 30 que me desagrada profundamente.  

As críticas de Rui Rio ao Ministério Público e a Joana Marques Vidal foram uma desgraça. É fácil perceber que as demoras e a cultura de quebra do segredo de justiça, por mais tristes que sejam, são inseparáveis da ineficácia na investigação aos poderosos, por falta de leis e de meios. É uma perversidade criada dentro do próprio sistema pela sua falta de independência histórica face ao poder político. Acho, por isso, inconcebível que um futuro líder do PSD opte por fragilizar o Ministério Público no preciso momento em que ele demonstra a independência e a coragem que lhe faltou durante décadas. Rio é com certeza mais competente do que Santana. Não estou ainda certo que seja menos perigoso.

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