terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Hoje já não é mais


É Alberto Caeiro o autor do poema sobre a beleza do Tejo e o seu significado de glórias passadas e riquezas presentes, em contraste com o rio sem história da sua aldeia, conceito este integrado na orientação poética do heterónimo, que valoriza a natureza e os sentidos, na simplicidade e pureza afectivas, aparentemente despidos de filosofia. De toda a maneira, não é demais relembrar o valor histórico deste rio, a que o poema “alado” de Sophia de Melo Breyner repõe o afecto e prazer, que sempre o nosso maior rio significou para nós, desde a escola primária, e aos que vivem em Lisboa, mais ainda.
E é este rio que gente protegida, julgo que protegida, pois o problema já é antigo e não se resolve, este rio que, de caudal mais limitado hoje, recebe descargas de celulose como informa o texto de Emanuel Caetano, de Ermesinde.
O crime é poderoso, que haverá por trás da sua impunidade? Porque não se castigam os infractores, porque se permitem estas monstruosidades próprias de um primitivismo sórdido que os governos, pelos vistos, favorecem, primitivos que somos?
Não, nunca mais iremos para o mundo, ficar-nos-emos sempre por Viana.

Pelo Tejo Vai-se para o Mundo
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

Tejo
Aqui e além em Lisboa – quando vamos
Com pressa ou distraídos pelas ruas
Ao virar da esquina de súbito avistamos
Irisado o Tejo:
Então se tornam
Leve o nosso corpo e a alma alada
Sophia de Mello Breyner Andresen (1994), in Obra Poética, 2011

Salvem o rio Tejo
Já não é suportável tamanho problema de saúde pública que se verifica no rio Tejo. A culpa era dos espanhóis, do atrofiamento do caudal do rio e da contaminação radiológica da Central Nuclear de Almaraz. Com as recentes denúncias de cidadãos que difundem vídeos e fotografias nas redes sociais, o que, inclusive, lhes custa processos judiciais, identificaram o problema em território português, a jusante de Vila Velha de Ródão, local onde existem empresas de celulose. Já que as autoridades ambientais submergiram na fossa em que se transformou o rio e que ignoram as queixas de pescadores, agricultores e quem vive da actividade turística, apelava ao interventivo Presidente da República que nunca diz não a umas braçadas na água, que mergulhasse no rio com um fato à prova de bactérias de modo a alertar para esta situação.
Emanuel Caetano, Ermesinde
Público, 26/1/18

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