António Costa soma e segue. Agarrou
o poder sem escrúpulos, grande entre os pequenos que o ajudaram nisso e segue
atrelado às forças de esquerda que se sentem naturalmente confortáveis,
orquestrando a participação dos sindicatos, que ronronam agora, como bem descreve
João Miguel Tavares, sempre rigoroso nas definições. Por isso, o PSD não vai
ter mais hipóteses, a boca de António Costa, inchada de ambição e gozo, engole
tudo em haustos convincentes e bastam-lhe os pequenos para se satisfazer. Mas também,
qualquer substituto de Pedro Passos Coelho nunca poderia servir. Continuemos,
pois.
Bloco e PCP dão ao PS
aquilo que o PSD nunca dará
É bastante mais fácil governar sem a chinfrineira
diária dos bloquistas e dos comunistas.
João Miguel Tavares
Público, 27 de Janeiro de 2018
António Costa declarou
publicamente, sem qualquer ambiguidade, que o Bloco e o PCP têm sido óptimos
parceiros do Governo, e que “quando se está bem acompanhado não se muda de
companhia”. Que é como quem diz: “Vá para o fim da fila, caro Rui
Rio, que estes senhores estão primeiro.” É uma declaração de amor que não
espanta nem um bocadinho. As chatices ocasionais que Bloco e PCP possam ter
dado ao PS ao longo dos últimos dois anos são mais do que compensadas pela
melhor prenda que qualquer governo já recebeu desde o 25 de Abril: quatro anos
de paz social e sindicatos a ronronar.
Inventou-se uma intimidade
ideológica entre o PS e os partidos à sua esquerda para camuflar uma
constatação muito prática: é bastante mais fácil governar sem a chinfrineira
diária dos bloquistas e dos comunistas, e com a CGTP limitada a ocasionais
provas de vida para justificar os salários de Arménio Carlos e Mário Nogueira.
Claro que poderíamos colocar a hipótese de PSD e CDS ocuparem o território da
extrema-esquerda, assumindo-se como novos paladinos do descontentamento social.
Mas isso é mais fácil de dizer do que de fazer. Não só os dois partidos estão
ainda marcados pela austeridade da era Passos Coelho, como os automatismos da
gritaria não nascem de geração espontânea. O protesto tem as suas rotinas, que
a extrema-esquerda pratica há pelo menos 40 anos, se não quisermos recuar até à
publicação dos primeiros escritos de Karl Marx.
Desde a implantação da
democracia desenvolveu-se uma forma específica de protestar e uma forma
específica de noticiar esses protestos: 1) greve marcada pelos sindicatos,
2) directos matinais em local combinado previamente com as estruturas
sindicais, 3) perguntas a manifestantes colocados em redor das câmaras, 4) fim
do directo com depoimento do presidente do sindicato, que consegue o pleno:
após falar para a TVI, diz o mesmo à SIC, e depois à RTP. Segue-se o anúncio da
percentagem da paralisação, entre 90 e 100%. Em casos de maior dimensão,
marcha-se em direcção ao Parlamento para o número da escadaria, com mais ou
menos empurrões. A esquerda faz isto desde 1974, e fá-lo como ninguém.
E, no entanto, António
Costa conseguiu que ela deixasse de o fazer em 2016 e 2017 — a tal paz social.
Só se ele fosse doido é que trocava isto pelos consensos estruturais de Rui
Rio, até porque é cada vez mais evidente que os desejos reformistas de Costa
são muito modestos. Não é que ele seja adepto de um país parado — justiça lhe
seja feita: mudou Lisboa como poucos —, mas é certamente adepto de que o país
se mexa fazendo o menor barulho possível. António Costa é um político especial
por duas razões. Em primeiro lugar, porque só ele viu e acreditou numa
legislatura de quatro anos apoiada pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP (é certo
que estava em causa a sua cabeça, o que tende a aguçar os instintos de
sobrevivência, mas o mérito é dele). Em segundo lugar, porque percebeu com
Passos Coelho que o excesso de verdade em política é um caminho para o
desastre.
Vivemos há dois anos num
clima de pura dissimulação que tem feito maravilhas pelo PS nas sondagens. A
esquerda finge que a página de austeridade foi virada. As pessoas fingem que
têm mais dinheiro no bolso no final do mês. O país finge que os seus problemas
foram resolvidos. E o sol brilha lá fora. É natural que Rui Rio se queira
juntar a esta dança. É ainda mais natural que António Costa não tenha qualquer
interesse em trocar de par.
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