Como
apoio – de homenagem - extraído da INTERNET (por outro valor da sua – a de
Pessoa - e nossa, universalidade, talvez sem contestação a pessoana,
contestável a de Vieira, a respeito do tal Quinto
Império.):
«ANTÓNIO VIEIRA»
«O céu estrela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e a glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.
No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.»
31-7-1929
«MENSAGEM».
Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática,
10ª ed. 1972).
Bela síntese, esta do Doutor PORFÍRIO PINTO, sobre a “visão
futurologista” de Vieira. Tratou-se
de uma época de expansão marítima de um povo pioneiro na ousadia marítima,
merecedor de entusiasmos de um patriota inteligente e arrebatado, como foi Vieira, mas o estudo de PORFÍRIO PINTO revela também a contestação alheia, de povos mais
desempoeirados e abertos a valores menos amarrados a mirabolâncias devotas e
cientes do progresso científico humano. Não, não temos safa, nem mesmo
nessas alturas de um pioneirismo na globalização aparatosa, porque logo seguida
por outros povos de mais amplas estruturas funcionais para sua universalidade.
Mas a Crónica historiográfica do DR.
PORFÍRIO PINTO encheu-nos as medidas, de tão pertinente e clara como
estudo.
O
Padre António Vieira, historiador do futuro
Vieira
revela-se como um construtor de globalização. Consciente de que a paz é sempre
fruto da justiça, convenceu-se de que os reis das nações saberiam pôr-se de
acordo para instituir uma paz universal
PORFÍRIO PINTO Doutorado em Estudos de Literatura e
Cultura pela FLUL. Mestre em Teologia pela UCP. Membro do Centro de Estudos
Globais - Universidade Aberta
OBSERVADOR, 07 fev. 2025, 00:153
Há
quatrocentos e dezassete anos, nascia em Lisboa, na antiga rua dos Cónegos junto à Sé, o Padre António Vieira, figura ilustre da nossa história e da nossa
cultura. Foi um homem
simultaneamente patriota e construtor de globalização.
Exprime-o bem a sua conhecida frase num dos sermões pregados em honra de S.
António: “Para nascer, pouca terra: para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal:
para morrer, o mundo” (II, X, p. 239).
A sua paixão
nacionalista revela-se
muito cedo, logo na Carta Ânua que escreveu em 1625, onde relata a
resistência dos soldados portugueses – verdadeiros soldados de Cristo – aos
ataques holandeses na Baía. Nesse
escrito, o ainda jovem jesuíta exalta o ânimo dos “verdadeiros portugueses”,
que combateram à maneira dos “portugueses antigos”, os egrégios avós. Depois, ainda na Baía e já em Lisboa, assimilou o modelo do pregador
ao do profeta veterotestamentário e converteu-se numa espécie de “profeta dos portugueses”, prometendo vitórias, anunciando castigos,
deliberando sobre medidas a tomar, agradecendo sucessos, dando um sentido
transcendente aos acontecimentos comuns. Ele podia criticar publicamente os actos de mau
governo, interpelar Deus em nome de uma nação, interpretar profecias anteriores
e prognosticar futuros… enfim, empenhar a palavra sagrada junto de Deus e do
soberano.
Não obstante, pouco tempo antes de partir para o
Maranhão como superior das missões jesuítas naquela região, ele começou a ler
avidamente – até mesmo livros proibidos – sobre um tema que nunca mais o
largaria: o reino de Cristo. Esse tema,
precisamente, convertê-lo-ia também em historiador do futuro. Primeiro, numas Esperanças de Portugal que
parecem imitar as de um rabino de origem portuguesa da sinagoga de Amesterdão,
Manassés ben Israel – “Esperanças de Israel”– e,
depois, na elaboração de uma “História do futuro”, que abandonaria
para escrever a sua obra magna, A chave
dos profetas.
Nestes textos, que se
convencionou chamar “proféticos”,
Vieira olha para Portugal, fazendo
deste um novo povo bíblico, eleito por Deus. Dando crédito a um
documento “encontrado” no escritório do mosteiro de Alcobaça, em finais do
século XVI – o Juramento de D. Afonso
Henriques –, Vieira assevera que o reino de
Portugal foi instituído por Cristo, que se revelou ao primeiro rei
português na véspera de uma batalha
decisiva, em Ourique, como outrora se tinha revelado a Constantino antes da
famigerada Batalha de Ponte Mílvia. Nesse Juramento, Cristo
confiava aos reis portugueses – como ele faz questão de recordar, em carta, a D. Afonso VI – “a maior e mais importante empresa”,
a saber: o reino de Portugal “tem por fim
particular e próprio a propagação e a extensão da fé Católica nas terras dos
gentios” (I, II, p. 228). Portanto, Portugal
estava comprometido com o reino de Cristo, como refere em outubro de 1660 ao P.
André Fernandes – a quem havia enviado, meses antes, a carta Esperanças de Portugal –,
asseverando que o reino de Portugal “não foi fundado para se estender por
Castela, senão para se dilatar a fé de Cristo, e o Reino de Deus pelo mundo”
(I, II, p. 296). Esse compromisso com o reino/império de Cristo está no âmago
da sua”História do futuro”e de “A chave dos profetas”.
O grande historiador inglês Peter Burke define a
história do futuro vieiriana como medieval, centrada numa escatologia de tipo
apocalíptico, que viria a ser fortemente criticada pelos homens da Luzes, os
“inventores” de uma nova história do futuro: a história da revolução, e do
progresso. Para
estes, os novíssimos cristãos deixaram de fazer sentido. A história podia ser
concebida como um processo contínuo de aperfeiçoamento da existência terrena,
com a permanente promessa de uma vida menos penível. O homem moderno começou a acreditar que o curso dos eventos futuros
estava nas suas mãos e que era possível uma mudança real da condição humana. Ou seja, o futuro, para eles,
não seria apenas expectável, mas também construível. É
claro que nesta história do futuro, ao contrário da vieiriana, Deus não tem papel algum. Está ausente, ou mesmo morto! No entanto, desde finais da
década de 1960, esta “religião do progresso” começou a ter os seus incrédulos.
A ideia emblemática da modernidade passou a ser olhada com desconfiança, como
uma ilusão ou, até, como uma impostura. Segundo François Hartog, discípulo de
Reinhart Kosellec – o grande estudioso da história do futuro iluminista –, hoje
em dia vivemos num novo regime de historicidade, que ele apela de “presentismo”,
muito marcado pelo medo do futuro – olhado até como ameaça!
A leitura de A chave dos profetas mostra-nos
que a escatologia vieiriana, ao contrário do que diz Peter Burke, não é
propriamente apocalíptica, mas profética. A sua
principal preocupação não é o fim do mundo (a história do futuro dos
“novíssimos”), mas a instauração do reino de Cristo na terra. Por isso, nessa sua obra magna, Vieira
critica de maneira sub-reptícia uma certa dramatização da escatologia
apocalíptica (a vinda do Anticristo e a segunda conversão geral), tendo-a
por opinião com “origem no vulgo [que] com tamanha boa ventura se introduziu
nos livros dos sábios, que todos unanimemente ecoam o mesmo” (III, VI, p.
317), para sublinhar aquilo que é importante para ele: a conversão universal e
a “consumação na terra” do reino de Cristo, para a qual deve contribuir a ação
evangelizadora do reino luso (III, VI, p. 398-399). O Quinto Império consumado é, então, a realização das promessas
messiânicas anunciadas pelos profetas veterotestamentários: a justiça e
santidade universais, a paz e a longevidade dos seres humanos. O que distingue a sua história do futuro da história
do futuro iluminista é a fé (cristã). Vieira move-se ainda no horizonte de expectativa
cristã, da irrupção do reino de Deus na história, neste mundo (e, por isso, o
jesuíta é avesso a uma espiritualização do tema; veja-se a insistência em III,
I, p. 474, e em III, VI, p. 241); já os iluministas e os teóricos do século
XIX, movendo-se no “novo” horizonte do progresso, descartam totalmente a
referência cristã, substituindo-a por uma religião laica, ou secular.
Na sua
historiografia do futuro, Vieira revela-se então como um construtor de
globalização. Consciente de que a paz é sempre fruto da justiça, o
pensador jesuíta convenceu-se de que os reis das nações saberiam pôr-se de
acordo para instituir uma paz universal, nomeando um dentre eles – e ele
pensava no rei de Portugal – para liderar o processo. Curiosamente, nos documentos do concílio Vaticano II,
encontramos uma proposta muito semelhante: os padres conciliares referem a
possibilidade da criação de uma autoridade internacional “competente e dotada dos meios convenientes” (Gaudium et spes,
n.º 79) – distinta, portanto, da (inoperante) ONU –, capaz de interditar toda a
espécie de guerra.
Nos dias que
correm, rodeados por tantos conflitos armados, são cada vez mais as vozes a
favor de um cessar-fogo mundial e de um verdadeiro pacto global pela paz,
tornando muito actual a proposta do jesuíta seiscentista: urge criar uma verdadeira
comunidade global das nações, onde surja uma autoridade suficientemente
competente para liderar o processo de reconciliação, justiça e paz entre todos
os povos. Porque “o Reino de Deus – diz Vieira, recordando palavras de Paulo de
Tarso – não está em comer e beber, mas na justiça e na paz e na alegria no
Espírito Santo” (III, VI, p. 35).
N.B. Os
textos vieirianos são retirados da Obra
Completa Padre António Vieira (2013-2014),
em 30 volumes, publicada pelo Círculo de Leitores, sob a direcção de José Eduardo
Franco e Pedro Calafate.
[Os artigos da série Portugal 900 Anos são uma colaboração semanal da
Sociedade Histórica da Independência de Portugal.]
PORTUGAL 900 ANOS HISTÓRIA CULTURA
COMENTÁRIOS: Carminda
Damiao: Excelente. Jorge Portas: Escreve quem sabe: Excelente artigo, com conteúdo e pertinência.
Maria Nunes: Excelente artigo.
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