Tantos povos, tantas
gentes, tantos casos… Ao longo dos séculos. Tantos chefes de vara na mão e de
nudismo no corpo e na alma, em arrogância que qualquer “espelho meu” poderia
desmistificar. Mas, sim, os erros são muitos, com tanta acomodação dessa Europa
de acolhimento, com dependência daquele povo de quem fora o benfeitor primeiro,
ao conceder-lhe o espaço de um continente inteiro para governar, um continente
sem divisórias diferenciadoras, propício à fabricação da sua importância
imponente e generosa. Mas generosos foram também esses europeus, com as suas
ideias humanitárias de uma democracia verdadeira ou falsa, à sombra da qual se
tem vivido ultimamente, desmantelando, todavia, conceitos de respeito atávico
pelos antepassados criadores dos pergaminhos nacionais, na obediência pretensiosa
a novas propostas libertárias, que, em povos como o nosso, de astúcia e dolo,
tendem a agravar-se. Mas, sim, razão têm os que sentem quanto não correspondemos
às súplicas de um Zelensky, que pedia mais do que lhe dava a Europa, atida esta
à generosa intervenção de um Biden, mas que um Trump de malícia e má-fé resolve
atacar, tortuosamente vinculado ao seu parceiro russo na rebuscada
responsabilização de uma guerra de que só Putin foi naturalmente responsável.
Veremos o que vai seguir-se. Bom não será, com certeza. Em mim ficará sempre a
admiração por esse herói ucraniano destes nossos tempos de tanta diversão e
comezaina.
O
Mundo está diferente. Principalmente para nós, os europeus.
Aos poucos fomo-nos acostumando a uma
vida de dependência, com a responsabilidade que devíamos ter tido.
BRUNO BOBONE Presidente
do Grupo Pinto Basto
OBSERVADOR, 20
fev. 2025, 00:1511
Habituámo-nos a ter como nossos amigos os Estados Unidos, que nos
foram suportando desde a Segunda Guerra Mundial e que, ao longo das últimas
décadas nos foram assegurando muito do apoio à estruturação de uma sociedade
com os valores em que acreditámos e que seria aquela que gostaríamos de
continuar a viver.
Durante a guerra, os Estados
Unidos chegaram num momento em que as tropas aliadas já estavam muito
debilitadas e tornaram-se no principal factor de êxito para vitória.
Depois, durante o tempo da
reconstrução, foram os grandes financiadores das enormes obras que eram
essenciais a recuperar este velho continente e voltar a dar-lhe a capacidade de
recuperar a sua vida e a sua economia.
Aquilo que era fundamental nesses
primeiros anos, e que sem a ajuda americana nunca seria possível ter
conseguido, acabou por se tornar num hábito de funcionamento que durou até aos
dias de hoje.
A ideia de que não tínhamos
capacidade de suportar os custos que uma recuperação pós-guerra exigiriam
deixava completamente fora de equação qualquer envolvimento no investimento relativo
à defesa.
Tudo isto foi-nos dando a ideia de que tínhamos um amigo, um irmão
que, apesar de mais novo, era mais rico e que estava profundamente enternecido
connosco, que nos cuidaria para a vida e que nunca mais teríamos de nos
preocupar em voltar a ter a nossa própria autonomia e competência para voltar a
comandar a nossa vida.
Aos poucos fomo-nos
acostumando a esta vida de dependência, sem a responsabilidade que devíamos ter
tido, e fomo-nos acomodando a tomar as decisões irresponsáveis de gastar tudo o
que tínhamos sem pensar que os custos que nos estavam a ser pagos teriam, um
dia, que ser pagos por nós.
Achámos que viver às custas do tal amigo, ou irmão rico, era aceitável
e normal, de tal modo que começámos rapidamente a criticar os seus
comportamentos e as suas decisões, dando opinião sobre como deveriam
comportar-se e nunca olhando para nós próprios em forma de autocrítica.
Tudo aquilo que sabemos ser o
factor de deseducação que destrói os comportamentos e a identidade.
Ora, aquilo que aconteceu teve muito
mais a ver com os próprios interesses americanos do que com essa pretensa
amizade ou irmandade que tínhamos no nosso entendimento.
Os Estados Unidos entraram na
guerra porque perceberam que a vitória de um modelo alemão seria muito
prejudicial aos seus próprios interesses, porque, entretanto, compreenderam
que, ao serem o vencedor rico da guerra poderiam substituir o império inglês na
sua influência Mundial e ajudar a Europa reerguer-se, porque era para eles
essencial manter um bloco de apoio aos seus interesses nesta zona geográfica e
um bloco de apoio aos seus interesses durante a guerra fria.
A base anticomunista que se desenvolveu na cultura americana
foi o maior impulsionador da amizade com a Europa, sempre aceitando os seus
desvios ideológicos nas suas tendências socialistas e as suas críticas absurdas
às próprias decisões americanas.
Hoje, o inimigo americano deixou de
ser a Rússia e passou a ser a China – o concorrente geoestratégico na política
mundial.
Ora, a Europa, na perspectiva de
combate ao seu novo rival, deixou de ter o impacto que tinha outrora face ao
inimigo russo e a amizade entre a China e
a Rússia – tradicionais inimigos até por partilharem uma enorme fronteira –
tornou-se uma má ideia para a nova estratégia de política internacional norte
americana.
Por tudo isto a Europa está
neste momento a passar por uma situação de choque neste despertar para uma nova
realidade em que os Estados Unidos já não sentem a necessidade de cuidarem de
nós e de se terem virado para os interlocutores que consideram essenciais para o
seu futuro.
Curiosa é a postura europeia que vivia num sonho de que os Estados
Unidos sempre estariam a suportar-nos nos nossos devaneios, e que continua
amuada porque já não lhe dão o mimo que considerava ser seu por direito. E
vamos ver que sorte tem Putin ao ser mimado neste momento por ser fundamental
separá-lo dos chineses, pois nada sabemos do que pensarão os americanos sobre a
sua relevância futura e qual será o destino que lhe reservam.
ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO EUROPA CHINA RÚSSIA
COMENTÁRIOS (de 11)
GateKeeper: Acabou-se o doce e bem remunerado
"colinho". Carlos
Henrique Cunha Simões Soares: Significa
que a política de Trump está correcta no sentido de fazer acordar os Europeus. João
Floriano: Boa
análise. Já se conheciam todos os ingredientes do crepúsculo europeu, mas nunca
anteriormente tínhamos chocado no muro de betão da realidade, nem levado com um
balde de gelo na cabeça. Na Idade Média passar na rua podia ser muito
desagradável quando pela janela fora era lançado o lixo e não só. A Europa está
agora numa dessas situações. Macron esforça-se por reunir a Europa e consensos
mas sem grande sucesso, apenas com a conclusão que é impossível e que estas
reuniões de líderes fracos nada mais é do que show off perante os tubarões
Trump e Putin, que decidem o futuro do mundo. António Costa já deve estar a
escolher o local de mais um retiro. Zelenski está muito próximo de ser
considerado traidor, Putin vai ter a sua vitória militar ofertada por Trump e à
Europa vai ser atribuído o papel de despejar muito «papel» sobre a reconstrução
ucraniana, daí o apoio à entrada na UE de um país arruinado, que vai contribuir
ainda mais para a sua desagregação. Não querem aumentar as verbas para a
defesa, mas vão ter de gastar milhões de milhões a reconstruir um país a prazo
à espera de novo ataque russo. O mundo está diferente e ainda mais diferente
irá ficar, restando saber qual a velocidade do avanço da diferença. Eu diria
que vai avançar em velocidade de cruzeiro e que a Europa já ficou para trás.
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