sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Mudança é tema clássico

 

Tantos povos, tantas gentes, tantos casos… Ao longo dos séculos. Tantos chefes de vara na mão e de nudismo no corpo e na alma, em arrogância que qualquer “espelho meu” poderia desmistificar. Mas, sim, os erros são muitos, com tanta acomodação dessa Europa de acolhimento, com dependência daquele povo de quem fora o benfeitor primeiro, ao conceder-lhe o espaço de um continente inteiro para governar, um continente sem divisórias diferenciadoras, propício à fabricação da sua importância imponente e generosa. Mas generosos foram também esses europeus, com as suas ideias humanitárias de uma democracia verdadeira ou falsa, à sombra da qual se tem vivido ultimamente, desmantelando, todavia, conceitos de respeito atávico pelos antepassados criadores dos pergaminhos nacionais, na obediência pretensiosa a novas propostas libertárias, que, em povos como o nosso, de astúcia e dolo, tendem a agravar-se. Mas, sim, razão têm os que sentem quanto não correspondemos às súplicas de um Zelensky, que pedia mais do que lhe dava a Europa, atida esta à generosa intervenção de um Biden, mas que um Trump de malícia e má-fé resolve atacar, tortuosamente vinculado ao seu parceiro russo na rebuscada responsabilização de uma guerra de que só Putin foi naturalmente responsável. Veremos o que vai seguir-se. Bom não será, com certeza. Em mim ficará sempre a admiração por esse herói ucraniano destes nossos tempos de tanta diversão e comezaina.

O Mundo está diferente. Principalmente para nós, os europeus.

Aos poucos fomo-nos acostumando a uma vida de dependência, com a responsabilidade que devíamos ter tido.

BRUNO BOBONE Presidente do Grupo Pinto Basto

OBSERVADOR, 20 fev. 2025, 00:1511

Habituámo-nos a ter como nossos amigos os Estados Unidos, que nos foram suportando desde a Segunda Guerra Mundial e que, ao longo das últimas décadas nos foram assegurando muito do apoio à estruturação de uma sociedade com os valores em que acreditámos e que seria aquela que gostaríamos de continuar a viver.

Durante a guerra, os Estados Unidos chegaram num momento em que as tropas aliadas já estavam muito debilitadas e tornaram-se no principal factor de êxito para vitória.

Depois, durante o tempo da reconstrução, foram os grandes financiadores das enormes obras que eram essenciais a recuperar este velho continente e voltar a dar-lhe a capacidade de recuperar a sua vida e a sua economia.

Aquilo que era fundamental nesses primeiros anos, e que sem a ajuda americana nunca seria possível ter conseguido, acabou por se tornar num hábito de funcionamento que durou até aos dias de hoje.

A ideia de que não tínhamos capacidade de suportar os custos que uma recuperação pós-guerra exigiriam deixava completamente fora de equação qualquer envolvimento no investimento relativo à defesa.

Tudo isto foi-nos dando a ideia de que tínhamos um amigo, um irmão que, apesar de mais novo, era mais rico e que estava profundamente enternecido connosco, que nos cuidaria para a vida e que nunca mais teríamos de nos preocupar em voltar a ter a nossa própria autonomia e competência para voltar a comandar a nossa vida.

Aos poucos fomo-nos acostumando a esta vida de dependência, sem a responsabilidade que devíamos ter tido, e fomo-nos acomodando a tomar as decisões irresponsáveis de gastar tudo o que tínhamos sem pensar que os custos que nos estavam a ser pagos teriam, um dia, que ser pagos por nós.

Achámos que viver às custas do tal amigo, ou irmão rico, era aceitável e normal, de tal modo que começámos rapidamente a criticar os seus comportamentos e as suas decisões, dando opinião sobre como deveriam comportar-se e nunca olhando para nós próprios em forma de autocrítica.

Tudo aquilo que sabemos ser o factor de deseducação que destrói os comportamentos e a identidade.

Ora, aquilo que aconteceu teve muito mais a ver com os próprios interesses americanos do que com essa pretensa amizade ou irmandade que tínhamos no nosso entendimento.

Os Estados Unidos entraram na guerra porque perceberam que a vitória de um modelo alemão seria muito prejudicial aos seus próprios interesses, porque, entretanto, compreenderam que, ao serem o vencedor rico da guerra poderiam substituir o império inglês na sua influência Mundial e ajudar a Europa reerguer-se, porque era para eles essencial manter um bloco de apoio aos seus interesses nesta zona geográfica e um bloco de apoio aos seus interesses durante a guerra fria.

A base anticomunista que se desenvolveu na cultura americana foi o maior impulsionador da amizade com a Europa, sempre aceitando os seus desvios ideológicos nas suas tendências socialistas e as suas críticas absurdas às próprias decisões americanas.

Hoje, o inimigo americano deixou de ser a Rússia e passou a ser a China – o concorrente geoestratégico na política mundial.

Ora, a Europa, na perspectiva de combate ao seu novo rival, deixou de ter o impacto que tinha outrora face ao inimigo russo e a amizade entre a China e a Rússia – tradicionais inimigos até por partilharem uma enorme fronteira – tornou-se uma má ideia para a nova estratégia de política internacional norte americana.

Por tudo isto a Europa está neste momento a passar por uma situação de choque neste despertar para uma nova realidade em que os Estados Unidos já não sentem a necessidade de cuidarem de nós e de se terem virado para os interlocutores que consideram essenciais para o seu futuro.

Curiosa é a postura europeia que vivia num sonho de que os Estados Unidos sempre estariam a suportar-nos nos nossos devaneios, e que continua amuada porque já não lhe dão o mimo que considerava ser seu por direito. E vamos ver que sorte tem Putin ao ser mimado neste momento por ser fundamental separá-lo dos chineses, pois nada sabemos do que pensarão os americanos sobre a sua relevância futura e qual será o destino que lhe reservam.

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COMENTÁRIOS (de 11)

GateKeeper: Acabou-se o doce e bem remunerado "colinho".                  Carlos Henrique Cunha Simões Soares: Significa que a política de Trump está correcta no sentido de fazer acordar os Europeus.             João Floriano: Boa análise. Já se conheciam todos os ingredientes do crepúsculo europeu, mas nunca anteriormente tínhamos chocado no muro de betão da realidade, nem levado com um balde de gelo na cabeça. Na Idade Média passar na rua podia ser muito desagradável quando pela janela fora era lançado o lixo e não só. A Europa está agora numa dessas situações. Macron esforça-se por reunir a Europa e consensos mas sem grande sucesso, apenas com a conclusão que é impossível e que estas reuniões de líderes fracos nada mais é do que show off perante os tubarões Trump e Putin, que decidem o futuro do mundo. António Costa já deve estar a escolher o local de mais um retiro. Zelenski está muito próximo de ser considerado traidor, Putin vai ter a sua vitória militar ofertada por Trump e à Europa vai ser atribuído o papel de despejar muito «papel» sobre a reconstrução ucraniana, daí o apoio à entrada na UE de um país arruinado, que vai contribuir ainda mais para a sua desagregação. Não querem aumentar as verbas para a defesa, mas vão ter de gastar milhões de milhões a reconstruir um país a prazo à espera de novo ataque russo. O mundo está diferente e ainda mais diferente irá ficar, restando saber qual a velocidade do avanço da diferença. Eu diria que vai avançar em velocidade de cruzeiro e que a Europa já ficou para trás.

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