Que nos levou a estudos feitos anteriormente, nem tanto assim aprofundados, então limitadas, as referências à influência árabe do nosso esforço discente, a alguns exemplos, a que não escapavam o arroz, o açúcar e o armazém a acrescentar ao alforge e ao alqueire, ou o Algarve da nossa economia operacional. Mas gostei a valer do texto que o RICARDO me mandou, fruto das suas pesquisas, que lhe agradeço, pela riqueza exemplificativa.
A influência Árabe na Língua
Portuguesa.
O Português é uma língua derivada
de dialectos latinos, românicos peninsulares que resultaram da mistura do
“latim vulgar”, falado pelos soldados romanos, com os dialectos locais
existentes na Península Ibérica à data da sua ocupação.
O Português, primitivamente
Galaico-português, formou-se directamente a partir do Leonês ou Asturo-Leonês,
e tem como substrato a língua nativa dos Galaicos, Lusitanos, Célticos e
Cónios.
O Português
sofreu inevitavelmente a influência da Língua Árabe, influência que ultrapassa
em muito a extensão que a maioria dos autores referem, não só em termos de
“marca” no seu léxico, como da própria forma como se opera.
Adalberto Alves, no seu “Dicionário de Arabismos na
Língua Portuguesa”, esclarece que a
influência da língua Árabe, para além dos seus aspectos evidentes ou visíveis,
ou seja, do léxico Árabe directamente transposto para o português, deve
considerar todos aqueles que chegam ao português de forma “encapuçada”, através
da tradução de textos Árabes por religiosos cristãos”.
Assim, a extensão da influência
do Árabe no Português, que a maioria dos autores resume a
cerca de 1.000 substantivos, deve
ser consideravelmente alargada, não só no seu número, que segundo Adalberto
Alves é de 18.073 termos, como ao nível gramatical, já que
inclui não só substantivos, como
adjectivos, verbos, pronomes, artigos e interjeições.
A influência
do Árabe no Português é bastante mais marcada do que no Castelhano ou no
Catalão, línguas que, localizando-se geograficamente mais próximas de França
recebem a sua influência directa e têm um
efeito de tampão no Português. A título de exemplo refira-se que aos 18.073
termos que o Português recebeu correspondem cerca de 4.000 termos recebidos
pelo Castelhano.
Convém esclarecer que a arabização da Península não impôs nem a religião
Muçulmana nem a língua Árabe como únicas, mantendo-se “activos” durante o
período do Al-Andalus os dialectos moçárabes e o Hebreu, que aportaram termos
próprios ao Português.
Até 1496, data do decreto de expulsão das minorias
muçulmana que não aceitaram a conversão forçada ao cristianismo, o processo de
influência do Árabe no Português persiste, não só nas chamadas “ilhas
muçulmanas em território português”, as mourarias, como através da influência
sofrida em Marrocos pelos portugueses via “Mouros de Pazes”.
Com a instituição do terror da Inquisição em 1552, o Árabe é proibido,
reduzindo-se à sua expressão mínima e clandestina, a escrita “aljamiada”.
Inicia-se então um período de expurgação de tudo o que é ou soa a Árabe.
Apesar dos mais de 500 anos
que durou a presença Árabe em Portugal essa influência refere-se essencialmente
ao léxico, pelo que não se pode falar de uma influência estrutural. Um
aspecto extremamente relevante é o da adopção de
muitos termos Árabes na formação do calão português, a
chamada “gíria dos rufiões“, que no período da inquisição terá tido grande
incremento através da utilização de expressões e termos encapuçados pelos
mouriscos e cripto-muçulmanos.
Antes de mais,
uma referência a quatro exemplos paradigmáticos e que fazem supor que algumas
expressões de carácter religioso perduraram pelo engenho popular:
Oxalá (law xá Allah ou incha Allah, se Deus quiser).
Olá (wa Allah, Deus, saudação).
Olé (wa Allah, Deus, interjeição utilizada como aplauso ou incentivo).
Olarilolé (la illaha ila Allah, não há divindade senão Deus, profissão de
fé muçulmana).
A grande maioria
dos substantivos começa com o artigo definido Al (o ou a), muitas vezes com o l assimilado à consoante inicial do substantivo,
concretamente quando esta é uma consoante solar. No alfabeto Árabe não existem
vogais, mas apenas consoantes, e as consoantes dividem-se em consoantes lunares
e consoantes solares.
As consoantes lunares não têm
influência na pronúncia do l do artigo Al, quando constituem a letra inicial da
palavra, como por exemplo em Alferes (o cavaleiro), Almeida (a mesa) ou
Alcântara (a ponte). Mas as consoante solares quando colocadas na mesma posição
assimilam o l do artigo Al, duplicando o seu valor.
Por exemplo Azeite escreve-se Alzeite em Árabe, mas pronuncia-se Azzeite
pelo facto de o z ser uma consoante solar. Daí a origem de termos como Azulejo,
Açorda ou Atalaia.
Outras formas comuns de início de termos de origem Árabe são as palavras
que começam por x (Xadrez, Xarope ou Xerife) ou por enx (Enxaqueca, Enxoval ou
Enxofre).
Outras palavras são caracterizadas pela terminação, como as que terminam em
i (Javali, Mufti ou Sufi), em il (Cordovil, Mandil ou Anil), em im (Alecrim,
Carmesim ou Cetim) e as terminadas em afe ou aque (Alcadafe, Almanaque ou
Atabeque).
Algumas consoantes Árabes não entram nos vocábulos portugueses por uma
questão de não se adaptarem à forma de pronunciar do português, como o h que
geralmente se transforma em f, como em Alfama (do Árabe Alhammam), Alfazema (do
Árabe Alhuzaima) ou Alface (do Árabe Alhassa).
Saloio é a
designação dos muçulmanos expulsos de Lisboa após a sua conquista pelos
portugueses, que se instalaram na área rural situada a Norte e Poente da
cidade; a origem do termo não reúne consenso, sendo a explicação mais plausível
a que defende que deriva da palavra صلاة“salat” ou “oração”, já que designava
aqueles que rezavam 5 vezes por dia “fazendo o çala”, e que eram chamados na
época “çaloyos”; esta seria a origem de “çalayo”, nome do imposto pago sobre o
pão na região de Lisboa; outra explicação é a origem do termo na palavra ساحلي
“saheli”, que significa “habitante do litoral”; outra ainda é a origem em سلاوي
“salaui” ou habitante da cidade marroquina de Salé, designação local para a
população rural.
Os substantivos podem ser agrupados em várias
categorias, maioritariamente relativas a inovações ou contributos que os Árabes
introduziram na nossa sociedade, e a topónimos, que se observam de Norte a Sul
do País e que muitas vezes aportam informações sobre o passado das próprias
localidades.
No primeiro caso refiram-se as designações de cargos públicos (Alcaide,
Almoxarife ou Alferes),
termos de
tipologias de edificações (Alcácer, Alcáçova ou Aljube),
de construção (Alvenaria, Azulejo ou Açoteia),
de
instituições administrativas (Aldeia,
Arrabalde ou Alfândega),
de plantas (Arroz, Alfazema ou Alfarroba),
de frutos (Tâmara, Romã ou Ameixa),
de profissões (Alfaiate, Almocreve ou Alfaqueque),
de termos
relacionados com a agricultura (Enxada, Alcatruz ou Azenha),
com a actividade militar (Adaga, Arsenal ou Arrebate), de termos
médicos (Xarope, Enxaqueca ou
Alcalino),
de termos
geográficos (Azinhaga,
Lezíria ou Albufeira),
de unidades
de medida (Alqueire,
Arroba ou Arrátel), de animais (Alcatraz,
Lacrau ou Javali),
de adereços (Alfinete, Almofada ou Alcatifa),
de
instrumentos musicais (Adufe,
Alaúde ou Rabeca),
de produtos
agrícolas e industriais (Azeite,
Álcool ou Alcatrão),
das ciências
exactas (Álgebra, Algarismo ou Cifra).
Alguns nomes
próprios e apelidos têm a sua origem em nomes Árabes, como por exemplo:
Leonor (em
Árabe Li an-Nur, ou que vem da luz),
Abel (Abu
l-, pai de),
Fátima (nome de uma das filhas do
Profeta Maomé), Albuquerque (Abu-l-qurq,
ou o do sobreiro),
Bordalo (Badala, abundante) ou Almeida (Al maida, a mesa).
Muitos termos do calão português,
do mais brejeiro ao mais indecente, têm origem no Árabe. Por exemplo Marafada (Mraa
Khaina, ou mulher que engana), Mânfio (Manfi, desterrado ou proscrito) ou
ainda Marado (Marid, ou doente).
No caso dos
topónimos, para além da grande maioria de termos
iniciados pelo artigo Al ou pela sua forma com o l assimilado, existem outros
com origem comum, que se podem agrupar.
Por exemplo, os topónimos iniciados por Ode (do Árabe Ued ou Rio), como Odemira, Odeceixe ou Odeleite.
Os iniciados por
Ben (em
Árabe Ben ou
Ibn significa Filho, mas
em toponímia tem o significado de Lugar, como Bensafrim,
Benfarras ou Benamor.
A título de
curiosidade refiram-se alguns topónimos de origem Árabe com indicação do seu
significado:
Albarraque (Albarrak, o brilhante),
Albufeira (Albuhaira, a pequena
barragem),
Alcabideche (Alqabidaq, a “mãe de
água”),
Alcácer (Alqassr, o castelo),
Alcáçovas (Alqassba, a cidadela
fortificada),
Alcalar (Alqalaa’, o forte),
Alcaidaria (a chefia),
Alcaide (o chefe),
Alcains (Alkanissa, a igreja),
Alcanena (Alqanina, a cabaça),
Alcântara (a ponte),
Alcantarilha (diminutivo de
Alcântara),
Alcaria (a aldeia),
Alcobaça (Alkubasha, os
carneiros),
Alcochete (Alqucha, o forno),
Alcoentre (Alqunaitara, a ponte
pequena),
Alcoitão (Alqaiatun, a tenda),
Alcongosta (Alkunasa, o areal),
Alcoutim (Alkutami, o falcão),
Alfama (Alhamma, a fonte),
Alfambras (Alhamra, a vermelha),
Alfarelos (Alfahar, a louça),
Alfeizerão (Alhaizaran, o
canavial),
Alfarim (Alfaramin, os decretos),
Alfarrobeira (Alharruba),
Alferce (Alfarz, o que separa,
entre duas colinas),
Algarve (Algharb, o Ocidente),
Algeruz (o canal),
Algés (Aljaich, o exército),
Algueirão (Aljairan, as grutas),
Alhandra (Alandar, a debulha),
Alijó (Alaja, telhado plano),
Aljezur (Aljuzur, as ilhas),
Almacave (Almaqabara, os
cemitérios),
Almada e Almádena (Almadana, a
mina),
Almansil (a estalagem),
Almargem (Almarj, o prado),
Almarjão (Almarjun, o pedregal),
Almedina (a cidade),
Almeida (a mesa),
Almeirim (Almirin, o limite),
Almoçageme (a água que corre),
Almodôvar (Almuduar, o meandro),
Almoster (Almustar, lugar de
aprovisionamento),
Alpedrinha (Albadri, luarento),
Alpiarça (Albiraz, o duelo),
Alqueidão (Alhaima, a tenda),
Alte (Altaf, elegante),
Alvaiázere (Albaiaz, o
falcoeiro),
Alvalade (Albalad, o campo),
Alverca (Albirka, o pântano),
Alvor (Albur, a charneca),
Alvorge (Alburj, a torre),
Anadia (delicada),
Arouca (Aruqa, a bela),
Arrábida (edifício religioso
fortificado),
Arrifana (Arihana, a murta),
Arronches (Arauxan, as penhoras),
Arruda (Aruta, planta silvestre),
Asseca (o caminho recto e plano),
Atalaia (lugar alto de onde se
exerce vigilância),
Aveiro (Aluarai, retirado,
resguardado),
Azambuja (o zambujeiro),
Azeitão (Azeitun, a oliveira),
Azóia (Azauia, a ermida),
Belamandil (Banu Mandil, nome de tribo),
Bela Salema (Banu Salam, filhos
da paz, nome de tribo),
Belixe (garça),
Benaciate (Ben sayyad, lugar ou
filho do caçador),
Benaçoitão (Ben As-Sultan, filho
do poder),
Benafin (Ben ‘Affan, filho do
puro),
Benagil (Ben Ajawid, filho do
generoso),
Benamor (Ben ‘Ammar, filho do
devoto),
Benavente (Ben ‘Abbad, lugar do
devoto),
Bencatel (Ben Qatil, filho da
vítima),
Benevides (Ben ‘Abid, lugar do
adorador),
Benfarras (Ben Farraj, filho da
consolação),
Benfica (Ben Fiqa, filho da
calmeirona ou da mulher alta),
Bensafrim (Ben Saharin, lugar dos
feiticeiros),
Beringel (beringela),
Birre (Bir, poço),
Bobadela (Bu abdallah, pai do
escravo de Deus),
Boliqueime (Bu Alhakim, nome
próprio),
Borba (Birba, labirinto),
Bucelas (Basala, cebola),
Budens (Bu Danis, nome de tribo
que governou Alcácer do Sal),
Burgau (Burqa, zona com o solo
pedregoso),
Cacela (Qassila, seara),
Cacém (Qassim, nome próprio,
que significa aquele que testemunha),
Cacilhas (Hasila, lixeira),
Caneças (Kanissa, igreja),
Cartaxo (Qar at-Taj, residente
do Tejo),
Caxias (Kashih, inimigos),
Charneca (Xarnaqa, terreno
inculto),
Chelas (Xila, arco),
Colares (Kula, pequeno lago),
Coruche (Quraichi, nome de
tribo),
Cuba (cúpula),
Elvas (Ilbax, risonha),
Estoi (Ustul, esquadra),
Estômbar (Ustuwanat, arcos),
Falacho (solo gretado),
Faro (Harun, nome próprio),
Fatela (Fath Allah, vitória de
Deus),
Fátima (nome da filha do
Profeta Muhammad),
Golegã (Ghalghal, entrar ou penetrar),
Leça (Laza, ferrolho),
Loulé (Al’ulia, a elevada),
Loures (Lawr, lira),
Lousã (Lawha, ardósia),
Luz (amêndoa),
Mafamede (Muhammad, muçulmano),
Mafamude (Mahmmud, louvável),
Mafra (Mahfra, cova),
Magoito (Maqhut, árido),
Malhada (lugar de travessia de
um rio),
Marateca (Mar’a at-Taqia,
mulher devota),
Marvão (Marwan, nome próprio),
Massamá (Maa as-Sama’, água do
céu),
Mesquita (Massjid, o mesmo que
em português),
Messejana (prisão),
Messines (elogioso),
Mora (Murah, pastagem),
Moscavide (Maskbat,
sementeira),
Mucifal (Mussafa, vale
inundável),
Muge (Muhja, alma),
Murça (Mussa, nome do
conquistador Árabe do Gharb Al-Andalus),
Nexe (Naxa, juventude),
Niza (disputa),
Odeceixe (Ued Sayh, rio da torrente),
Odeleite (Ued Layt, rio do
eloquente),
Odelouca (Ued Luqat, rio das
sobras),
Odemira (Ued Amira, ou rio da
princesa),
Odiáxere (Ued Arx, rio da
punição),
Odivelas (Ued Ballas, rio da
terracota),
Oeiras (Urwah, moitas),
Olhão (‘Ullyah,elevado),
Oura (Awra, esconderijo),
Ourém (Wahran, nome de cidade
na Argélia),
Ourique (Wariq, verdejante),
Ovar (‘Ubr, curso de água),
Palmela (Bismillah, ou em nome de Deus),
Parchal (Barjal, circuito),
Penela (Ben Allah, filho de
Deus),
Peniche (Ben ‘Aixa, filho de
Aixa),
Quelfes (Kallaf, moço de estrebaria),
Queluz (vale da amendoeira),
Retaxo (Ritaj, entrada),
Sacavém (Xaqaban, próximo),
Safara (Sahara, deserta),
Salema (Salama, paz),
Sameiro (Samar, junco),
Samouco (Samuq, alto),
Sargaçal (Xarqwasi, arbusto),
Serpa (Xarba, poção),
Sertã (Saratan, caranguejo),
Setil (Sabtil, de Ceuta),
Sever (Sabir, colina),
Sines (Sin, fortaleza),
Sor (Sur, cerca),
Tarouca (Turuq, caminhos),
Tavira (Tabira, ruína),
Tercena (Dar as-Sina, casa da
indústria),
Trofa (Taraf, extremidade),
Valada (Balat, planície),
Vau (Wad, rio),
Vieira (Bayara, concha),
Xabregas (desfazer),
Zambujal (de Zabbuj, oliveira brava),
Zavial (Zauia, azóia),
Zêzere (Za’za’a, agitação).
Nenhum comentário:
Postar um comentário