sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Au point

 

Espectacular texto informativo de NUNO LEBREIRO sobre as preciosas malhas dos procedimentos financeiros da nossa actualidade de “transparência” e decisão.

E creio oportuno utilizar, como comentário de consequência hipotética desses desaguisados – em caso de falência trumpista - os textos seguintes, recebidos por email:

De Luis Soares de Oliveira.

A GRANDE QUESTÃO

A presidência de Trump com o isolacionismo americano está a permitir a Xi jinping dilatar a influência mundial da China. Será irreversível?

De Frederico G Hamann

Ao cortar o acesso dos receptores às ajudas corruptas do lado americano, é óbvio que alguns irão virar-se para a China, até se aperceberem que desse lado não são ajudas, mas compra de alma e tripas, sob ameaça de tortura e morte em caso de traição.

O Pau e a Cenoura

Continua a escapar a importância daquilo que pode muito bem ter sido o que de mais consequente ocorreu no mundo político internacional desde a queda do muro de Berlim.

NUNO LEBREIRO Investigador académico, membro do podcast Linhas Direitas

OBSERVADOR, 06 fev. 2025, 00:1829

A nossa pequenez perante o mundo, e a história desse mundo, aconselha a que se seja parco na afirmação de que determinado acontecimento seja um marco verdadeiramente histórico. Em boa verdade, raramente o é. Afundados numa rotina pacífica, segura e abundante — um legado Ocidental pouco apreciado —, obcecados com pormenores, casos mediáticos e faits-divers que entretêm na sua insignificância, habituamo-nos à narrativa e tendemos a aceitar o mundo dentro de uma normalidade que, por ser previsível, se torna aconchegante, desejável e protectora face ao incerto e o desconhecido. Desse modo, e talvez também porque olhos habituados ao paroquial e ao provinciano não apanham o que de relevante se passa fora da bolha histérica do dia-a-dia, a verdade é que escapou, ou continua a escapar, a importância daquilo que pode muito bem ter sido o que de mais consequente ocorreu no mundo político internacional, em particular no Ocidental, desde a queda do muro de Berlim. Refiro-me, talvez para surpresa de alguns leitores, à reeleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos da América. E, sim, meço as palavras, bem como me proponho a justificá-las.

Desde logo, urge compreender o mundo antes de Trump. No Ocidente vivemos nos últimos anos, em particular desde 2011, e pelos motivos que apontei numa crónica anterior (aqui), um processo que progressivamente cooptou a extrema-esquerda, e os valores que aquela então representava, para o regaço, afável, confortável, rico e opulento, dos interesses do grande capital financeiro global. As razões para tal coisa foram até relativamente simples: a extrema-esquerda, com o seu movimento Occupy Wall Street, pela primeira vez em décadas, acertava em cheio no seu alvo: de facto, após uma crise que arruinou milhões e afectou de forma terrível a qualidade de vida das classes médias — uma crise causada em larga medida pela incúria e ganância financeiras, acrescente-se —, todos vimos em directo na rádio e na TV os seus principais responsáveis safarem os escalpes por decreto e com direito a bónus anuais, tudo à custa dos contribuintes que pagaram os providenciais bailout.

Ora, a extrema-esquerda “anti-capitalista” atingiu então, precisamente por ter acertado na crítica e no alvo, um importante nervo e, ao tornar-se popular, foi também aí que se revelaram politicamente relevantes o suficiente para merecerem contrapartida, mais ou menos directa, pelo seu apaziguamento e integração no sistema, quer político — veja-se como em 16 os Clinton tiveram que roubar a nomeação a Bernie Sanders nas primárias do partido democrata, por exemplo —, quer económico. O resultado prático foi o financiamento que a última década viu, aos milhões, para as causas e associações, bem como os seus respectivos líderes, que compunham essa mesma extrema-esquerda, primeiro norte-americana, depois internacional. Desde organizações governamentais aos departamentos académicos de causas identitárias, dos activistas de rua pela igualdade racial aos movimentos eco-fascistas, ou desde as associações culturais produtoras de conteúdos que interessavam a ninguém até à multiplicação infindável de organizações não-governamentais que procuravam fazer lobby influenciando, e aliciando, o poder político, isto sem contar com os apoios gigantes a uma multiplicidade de órgãos de comunicação social, tudo somado e por todo o lado um ecossistema inspirado directamente nos valores e causas de grupos extremistas e fringe floresceu economicamente à custa de subsídios, financiamento directo e bolsas de alegada investigação. De caminho, as políticas moralistas levavam ao progressivo controlo e limitação dos mercados — e.g.: DEI, ESG, etc., etc. — algo que quem já detêm posição dominante no sistema económico agradece na medida em que lhes limita e diminui a concorrência — ou seja, a estranha aliança entre os grandes interesses económicos e a extrema-esquerda cultural juntava para ambos o útil com o agradável. No meio, entalados, ficaram todos os outros.

Foi assim que ao invés de, em 2011, ainda quando a extrema-esquerda vociferava contra a Goldman Sachs, o JP Morgane o grande poder empresarial — o tal 1% —, já passou essa mesmíssima esquerda da nova moral e dos correctíssimos costumes, em 2024, a congratular-se pelo facto de todos esses bancos, empresas e fundos ostentarem a obrigatória bandeirinha arco-íris no mês próprio e adequado. Como se sabe, os aliados não se combatem — muito menos ainda aqueles que nos financiam e suportam —, pelo que a desejável paz social foi atingida, à boleia de muito dinheiro, é certo, muita desfaçatez e hipocrisia também, mas, acima de tudo, à custa do acossamento incessante, descabido, insuportável mesmo, da sociedade em geral com novas normas e guias de comportamentos de ordem cultural, moral, identitária e, inclusive, sexual que essa mesma sociedade, apesar da propaganda e da narrativa, na sua larguíssima maioria, não aprovava e ainda menos apreciava.

Progressivamente, assistimos então, nesta última década, a um período revolucionário em curso que, nascido indirectamente da crise financeira norte-americana, alimentado à custa de criação de dinheiro fiat sem limite ou vergonha, parido artificialmente do sistema financeiro para o mundo inteiro, garantiu crescimento exponencial de duas coisas: desde logo, a dívida, e com esta o aprofundamento da desigualdade entre aqueles que tinham acesso a dinheiro barato e todos os outros que viam as suas parcas economias desvalorizar nos mercados reais afectados pela inflação escondida— veja-se a habitação, por exemplo; e, depois, a imposição de uma nova narrativa moral, sexual, feita à medida de uma extrema-esquerda que, ainda que pouco significativa de uma perspectiva eleitoral, colonizou culturalmente a esquerda inteira (e parte da direita) para, a partir daí, acomodada, subitamente enriquecida, confortavelmente amamentada pelo seio maternal do grande capital, se aburguesar ao som do seu virtuoso aplauso auto-congratulatório.

Assim, o mundo mudava progressivamente, em particular após 2020 e a providencial COVID, acelerando então para a revolução completa, uma revolução que, voraz, ao serviço dos ímpetos dos grandes interesses económicosos anos COVID representaram a maior transferência de capital da classe média para o dito 1%e do poder político que nunca rejeita a oportunidade de obter mais controlo sobre os cidadãospara o nosso bem, claro está —, exponenciou a tendência dos dez anos anteriores, desde a questão do politicamente correcto que impunha máscara e traje a condizer, bem como a impressão monetária que o futuro haveria de pagar.

Curiosamente, a tudo isto, a grande maioria da inteligência analista e comentadora nacional assistiu sem tugir nem mugir, salvo para acenar que sim, que eram os novos tempos e rugir em coro com a turba digital que exigia a imposição da nova moral — e o cancelamento dos velhos do Restelo que, recalcitrantes, a não aceitassem. Ou seja, um verdadeiro PREC moral e cultural que numa década pretendeu impor-se no mundo Ocidental passou largamente despercebido a quem se imagina como fiel observador desse mundo — aceitaram os ditames, não vislumbraram o processo e, certamente, não compreenderam as causas.  Para eles, era apenas o “novo normal”.

Nos entretantos, em 2016, o impensável ocorre e Donald Trump, um outsider, e por isso mesmo vilipendiado em uníssono pelo sistema, conquista a Casa Branca. Ainda que com um mandato em grande parte caracterizado pela paz e alguma recuperação económica, sozinho, face a um sistema que não controlava e que desconhecia, o mundo viu a sua presidência como um “glitch” na  matrix, um percalço desprezível, risível, que em nada iria mudar de consequente, quer no mundo, quer nos EUA. Depois de 2020 e o regresso da “decência” à Casa Branca, assim parecia ser. No entanto, mais uma vez ao arrepio da melhor opinião especializada sobre o assunto, Trump, um teimoso com a força de um touro enraivecido, criou, floresceu e alavancou, inicialmente quase sozinho, depois com a ajuda de Musk, Vivek, Vance e Kennedy, um movimento político e social, e também cultural, que visava rejeitar em absoluto tudo aquilo que cultural e socialmente nos havia sido imposto e vendido nos últimos anos como moralmente aceitável, senão exigível. Mais uma vez, a relevância da adesão social a esta recusa foi completamente ignorada pelos tais especialistas da análise internacional — o que é apenas natural, quem não viu a revolução certamente que não vislumbra também o germinar da contra-revolução.

Em particular, um ponto escapa também agora ao especialista: fosse a batalha de Trump meramente política e os seus mandatos, junto com as suas Executive Orders, passariam com a fugacidade própria da rotina democrática. Mas o mundo novo impingido pelas forças revolucionárias responsáveis pela narrativa única que, por um lado, oprimia e ameaçava os direitos, liberdades e garantias que os Ocidentais davam por adquiridos e, pelo outro, impunha uma moral radical, minoritária, em muitos casos já doentia e do foro psiquiátrico, que a maioria das pessoas rejeitava, as duas coisas em conjunto fizeram com que o movimento MAGA —Make America Great Again — se transformasse em muito mais do que uma simples agenda política ou ideológica: pelo contrário, explodiu como um farol de esperança e liberdade, não apenas para os norte-americanos, mas para o mundo inteiro, em particular o Ocidental.

No fundo, Trump e o seu exército MAGA representam a contra-revolução, sendo essa a razão pela qual a dimensão da sua vitória é tão significativaTrump promete vir desfazer em 4 anos o que nos foi impingido ao longo dos últimos 15. Ao mesmo tempo, precisamente porque representa uma mudança fundamentalmente radical na sua vertente cultural, social, moral, bem como alicerçada num inédito apoio popular de retorno ao bom-senso, à normalidade e aos tradicionais valores da liberdade Ocidental, Trump granjeia agora de uma legitimidade e um poder sem precedentes nos últimos 40 anos. Paradoxalmente, a derrota de 2020 foi o melhor que lhe poderia ter acontecido: ao fermentar durante 4 anos como a única possibilidade de reacção radical anti-sistémica, agregou toda a força da reacção em torno de si, transformando aquilo que teria sido um mandato eventualmente titubeante e perdulário (20-24) numa oportunidade única para revolucionar o “status quo” global. Agora, junto com a prometida contra-revolução social, moral e cultural, a reboque, Trump tem toda a capacidade para implementar as suas políticas económicas e geo-estratégicas que, em qualquer outro cenário, nunca teria a capacidade de aplicar.

Ora, estas não são menos contra-revolucionárias que o resto, precisamente a razão pela qual esta reeleição de Trump representa o momento mais consequente na política internacional desde o fim da Guerra Fria. Ao contrário da doutrina norte-americana que entendeu, desde 2001, aceitar a China, junto com o seu dumping social baseado em trabalho miserável e quase escravo, na Organização Mundial do Comércio — algo, que convenhamos, permitiu retirar centenas de milhões de pessoas da pobreza —, em chegados agora a 2025, com a China a ameaçar o poderio global dos EUA, a doutrina Trump é muito diferente — America First. Mais que outra coisa qualquer, o que Trump quer mesmo é recuperar a América industrial do pós-II Guerra Mundial, a América dos anos 70 e 80 que derrotou o comunismo e se afirmou como única superpotência global, a América com uma classe média pujante, rica, livre e empreendedora, crente no sonho americano, no futuro — e em si própria. Ora, para esse desígnio, Trump tem um plano simples: baixar brutalmente os impostos para os norte-americanos e para quem produza tecnologia de ponta nos EUA, e financiar essas quebras de receita com tarifas para quem insista em continuar a produzir no terceiro mundo, a baixo preço e, em muitos casos ainda, a menor qualidade.

Entram em cena, pois então, as famosas tarifas. Mais uma vez Donald Trump aqui é largamente incompreendido pelos especialistas, em particular os económicos: estas não representam uma política económica, mas um meio — o pau que ameaça — para atingir um fim: uma zona de free trade igualitário — a cenoura que se oferece — que progressivamente venha a sobrepor numa plena comunhão de interesses globais a actual coligação geo-estratégica e militar liderada pelos EUA. Naturalmente, neste novo mundo que Trump se prepara para redesenhar, por diversas razões — todas elas por culpa própria —, a Europa conta muito pouco, tendo muito poucas armas para se impor como agente efectivo numa realidade em que há muito deixou de liderar o quer que seja — sobrando-lhe, portanto, apenas escolher entre o pau e a cenoura. Daí que os seus líderes políticos, gente de vista muito curta, chorem agora perante a ameaça do pau, reclamando, e sonhando, com alternativas chinesas e imaginárias retaliações. Isto, claro está, porque não alcançam sequer a importância e o benefício possível prometido pela cenoura que lhes é acenada — nem sequer a vêem, aliás.

Atolados num centralismo burocrático, dependentes dos planos quinquenais de super investimento público bruxelense, afogados em hiper-regulamentação e guiados por burocratas de carreira sem visão ou rasgo, os europeus são hoje incapazes de competir em mercados verdadeiramente livres. Daí que a cenoura prometida por Trump, para o burocrata europeu e o analista especialista que lhes repete os slogans e as ideias, ao invés da oportunidade de mudança que poderia significar acabe a assustar ainda mais do que levar com o pau. No final, sobra apenas uma questão: até quando para alguns líderes nacionais na Europa compreenderem que têm muito mais a ganhar com os EUA de Trump do que a UE de Von der Leyen e a pandilha burocrática de Bruxelas? É que se esses burocratas e os seus acólitos, incluindo os especialistas da especialidade que peroram nas TV em Portugal, pensam que Trump não conhece a estratégia de Maquiavel estão muito enganados — tal como, perante um mundo que não compreendem, têm estado sempre até aqui.

De caminho, pelo menos, regozijemo-nos pela decretada morte do wokismovade retro Satanás, não deixa saudades.

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COMENTÁRIOS (de  29)

Carlos Chaves: Finalmente o Nuno Lebreiro em primeira página! Mais um artigo certeiro! Obrigado. Enquanto Trump executa o que prometeu ao seu eleitorado (coisa estranha em democracia), ainda ontem assinou a proibição de homens participarem em competições desportivas femininas, uma “aberração” para os wookistas apoiados pela esquerda! E a comunicação social, continua a achar que Trump é um burgesso, um erro de casting… Não podem estar mais enganados, os jornalistas e os políticos Europeus (com algumas excepções). Sem dúvida o regresso de Trump à Casa Branca é um grande acontecimento a nível global!                    A D: O exemplo acabado da burocracia europeia que governa tudo e todos a régua e esquadro, desde onde investir até ao tamanho do rolo de papel higiénico, foi a escolha entre eles do seu símbolo maior: António Costa, um homem que se especializou a não fazer nada para que tudo fique na mesma e de caminho deixou um Estado impante de funcionários a pontos de já alcançarem o número deixado pelo Sócrates, mas que, paradoxalmente, não há médicos, professores, polícias, oficiais de justiça e por aí fora, os organismos públicos não trabalham de porta aberta ao cidadão que só acede por marcação, etc. Claro que o menos mau disto é que o cargo para que foi nomeado não serve para nada, a não ser para encher os seus bolsos, como é típico de Bruxelas. Ao menos prejudica pouco.                GateKeeper: Top 10.

Madalena Magalhães Colaço: Acrescento algo que deveria fazer parangona nas primeiras páginas de todos os jornais do mundo e que estranhamente ninguém comenta, e que é: as revelações de  Musk e a sua equipa sobre o programa da Agência USAID. Esta agência, financiada pelo dinheiro dos contribuintes, mais de cem mil milhões/ano, dizia ajudar o desenvolvimento dos países no mundo. O que agora é revelado é enorme, pois é a ingerência do estado americano sobre os países que quer controlar. Ajudava monetariamente se estes países fizessem o que o governo exigia. Os jornalistas deveriam estar a revelar essas exigências em troca de dinheiro e que é verdadeiramente chocante. A quantidade de ONG criadas, que recebiam esses fundos, para expandir as suas políticas wokistas e de interferência política é mesmo chocante. Trump acabou com a USAID e muito bem.           José B Dias: Excelente! Para ler e reler por todos os que ignoram a realidade e se refugiam nos chavões vendidos pelos midia dos interesses esconsos.               Tim do A: Trump é uma benção para acabar com o wokismo.                 Frederico Teixeira de Abreu: Excelente análise         Paulo Cardoso: Um verdadeiro tratado. Sintetiza numa leitura de 5m, tudo o fui percepcionando neste último quarto de século, mais em particular na última década e meia.               Luis Mira Coroa: Muito, muito bom artigo!                Francisco Almeida: O conjunto dos dois artigos de Nuno Lebreiro é mais valioso do que um bacharelato em sociologia.              Armando Azevedo: Absolutamente obrigatória a leitura deste artigo e devia ser esfregado nas fuças da Von der Leyen e do Costa.              Luis Martins: Excelente artigo, parabéns!            maria santos: Brilhante! Muito obrigada por dar estrutura e contexto histórico ao que apenas me parecia um pequeno sinal de mudança política no Ocidente, a reeleição presidencial nos Estados Unidos do republicano Donald Trump. O “toque a finados” do sexo sociológico financiado pelo “grande capital”, aliança irresponsável que entalou as classes médias ocidentais. O Ocidente com raízes na cultura judaico-cristã de matriz greco-romana levantou-se neste século XXI nos USA, replicando no brado Make America Great Again de Donald Trump a vitória nas duas guerras mundiais em que também andámos à rasca na Europa. Mais uma vez, muito obrigada.       Jose Pires: Excelente, de leitura obrigatória.             José Bento: A maré está a mudar.  Já era tempo!      José Piçarra: Excelente artigo!

 

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